São Paulo – Em encontro com executivos do Conselho Temático da Indústria de Defesa (Condefesa), da Confederação Nacional da Indústria, que ocorreu ontem, em Brasília, o assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional e ex-comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, alertou sobre o fato de, segundo ele, o Brasil estar ficando “perigosamente defasado” quanto ao seu aparato de defesa. Aos participantes do encontro, o militar disse: “Defesa não é gasto, é investimento”.
Isso é tudo que a indústria da defesa e armamento espera ouvir às vésperas da LAAD Defense & Security, que ocorre a partir de terça-feira (2), no Rio de Janeiro. Esse é o maior evento da área na América Latina. Participam empresas brasileiras e internacionais especializadas no fornecimento de soluções em tecnologia, equipamentos e serviços para as Forças Armadas, forças policiais e segurança corporativa. Serão 450 marcas expositoras e a previsão é de que o evento receba por volta de 38 mil visitantes e 195 delegações oficiais de 80 países. Essa é uma espécie de vitrine das inovações dos fabricantes dos mais variados produtos, como sistemas de áudio e vídeo que são acionados assim que o policial tira sua arma do coldre, até novidades na área de blindagem de veículos e confecção de coletes (foto).
Neste ano, além das novidades tecnológicas haverá um outro componente importante nas rodas de conversa entre indústria e clientes. Pela primeira vez desde a redemocratização do Brasil, o presidente da República tem um discurso claramente armamentista. A flexibilização do Estatuto do Desarmamento é uma das promessas de campanha de Jair Messias Bolsonaro (PSL).
OTIMISMO COM REGRAS
Perguntado sobre os possíveis efeitos dessa flexibilização nos negócios, o presidente da Taurus, Salesio Nuhs, diz: “Com mudanças na regulamentação para aquisição de armas, com o decreto assinado no início deste ano, acreditamos que haverá aumento da procura dos cidadãos brasileiros por armas de fogo e munições para legítima defesa, proteção da família e da propriedade. Isso ocorre porque, na prática, a maioria da população desconhecia a possibilidade de comprar armas de fogo e munições no Brasil.
Para o executivo, a intensificação das discussões sobre o tema, vistas principalmente durante as eleições do ano passado, deve ajudar. “Com toda essa exposição em relação ao direito à legítima defesa nas eleições e no período da assinatura do decreto, a população está entendendo que pode adquirir, desde que siga as exigências legais”. Nuhs acredita que os negócios da Taurus poderão sentir reflexos do novo momento político do país. “Temos uma capacidade de produção muito superior à demanda brasileira, mesmo que essa possa vir a dobrar de tamanho. Acreditamos nesta nova fase do Brasil e atenderemos toda a demanda nacional com prioridade”, afirma o presidente da Taurus.
Durante a LAAD, a Taurus vai exibir lançamentos da linha TSeries, que inclui os fuzis T4 calibre 5.56 e a pistola Striker modelo TS9 em calibre 9mm, a submetralhadora SMT, além do revólver RT44H. A companhia vai usar a realidade virtual em seu estande para que os visitantes façam um tour pela fábrica em São Leopoldo (RS) e mostrar como são produzidas suas armas.
O Grupo Inbra, também de origem brasileira, formado pelas empresas InbraFiltro, InbraBlindados, InbraGlass, InbraTextil, InbraTerrestre e InbraAerospace, também tem boas expectativas em relação à exposição. A companhia vai expor uma viatura com blindagem e novos modelos de coletes balísticos – um deles, mais discreto, simula uma camiseta; outro é feito para flutuar na água; e haverá ainda um que funciona como mochila. “Nossa participação tem como objetivo reforçar nossa evolução mesmo diante de crises, resultado de uma combinação de eficiência na gestão financeira, com foco em inovação e tecnologia, para chegar ao estágio atual de reestruturação e consolidação do grupo como uma potência na indústria nacional”, afirma Cláudia Candido, diretora de marketing e relacionamento do Grupo Inbra.
Mas não são apenas as empresas diretamente ligadas aos negócios bélicos que vão participar da feira no Rio. “A Motorola, por meio da divisão Solutions, vai expor soluções que incluem inteligência artificial e câmeras integradas a softwares”, explica André Fadel, gerente de desenvolvimento de negócios da multinacional.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Uma das novidades é um sistema que integra sensores no coldre (estojo de proteção da arma) do policial. Quando a pistola é sacada, imediatamente começa a ser feita a gravação de áudio e vídeo, por meio de um dispositivo que promete ser inviolável. A tecnologia foi desenvolvida nos Estados Unidos, onde já está sendo aplicada. Outro item da Motorola, explica Fadel, é a câmera integrada a softwares de inteligência artificial que podem realizar reconhecimento facial, registrar movimentos estranhos, placas de veículos e identificação de objetos a até 250 metros em completa escuridão. “A novidade já está em teste no Brasil e seu destino é a segurança pública”, diz. À medida que a câmera é utilizada, acumula informações e aprende sozinha com cada cena registrada, que permite que seja feito um ajuste da plataforma à medida que os dados são acumulados.
entrevista
Roberto Gallo Filho
presidente da Abimde
Primeiro ano de governo
costuma gerar menos negócios
Roberto Gallo Filho, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde), explica que esse é um setor que depende muito dos investimentos em inovação. Por isso, é um gerador de novas tecnologias, o que reflete em seus números. Dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), coletados para um estudo encomendado pela Abimde, mostram que, em 2014 (dados mais recentes), a base de indústria da defesa movimentou R$ 202 bilhões ou cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Gallo acredita que os números daquele período estejam próximos dos atuais. Em entrevista, o empresário explica como o setor tem reagido aos cortes orçamentários das diferentes esferas do Executivo nos últimos anos.
Qual é a relevância da indústria brasileira no ambiente global? O Brasil é grande comprador ou grande exportador?
O Brasil tem uma tradição de muitas décadas na exportação no setor de defesa, com a presença de empresas como CBC, Embraer, Avibras, além do trabalho feito pelas pequenas e médias empresas. Mas essa participação varia de acordo com os orçamentos de defesa, que dependem muito do clima – de calmaria ou de agitação. Estamos em um momento em que os gastos têm se elevado. O presidente americano, Donald Trump, tem dito aos sócios europeus que precisam gastar mais na Otan. Não somos grandes exportadores, apesar da posição relevante, nem um grande importador, já que o orçamento da defesa não é tão grande no Brasil. Mas o que exportamos tem alto conteúdo tecnológico, o inverso das commodities. Nossa exportação é de alto valor agregado e geradora de desenvolvimento econômico.
Como a crise de estados, municípios e União, além da baixa taxa de crescimento do país, tem afetado os negócios do setor?
A maior dificuldade do setor é a inconstância orçamentária. Esse é um gasto indicativo, não obrigatório, impositivo. O grande problema está na irregularidade do volume de recursos. Uma compra é feita hoje e quando for feita de novo pode ser que a empresa não tenha sobrevivido ou que tenha precisado demitir profissionais altamente qualificados. Na crise, o setor de defesa sofre bastante. Já na esfera estadual, com segurança pública, a constância é melhor. A população sente mais rápido se falta investimento e os gastos são mais constantes. Parte desse problema poderá ser resolvido com a destinação de parte da arrecadação das loterias em segurança pública.
O trabalho de investigação e inteligência ainda é pouco explorado pela segurança pública no Brasil. De que forma isso afeta os negócios?
Vejo uma crescente nos investimentos em materiais de inteligência, que podem servir preventivamente ou na investigação criminal. Talvez seja um dos quesitos mais tecnológicos dessa indústria, que mais tem a ver com cibernética. Existe um aumento de investimento e acredito que, com a nova lei (loterias), haverá um incremento na efetividade dos investimentos em segurança pública. Estamos numa ascendente. O primeiro ano de governo, em geral, é quando compras públicas ocorrem em menor quantidade. Novos gestores tomam pé da situação, empossam novos dirigentes e definem prioridades. Por isso, não costuma ser um ano de muitos pedidos, principalmente na esfera estadual.