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Estado de Minas ENTREVISTA/CARLOS ALBERTO BIFULCO

"Sem mudar Previdência, o país mergulhará no caos", avalia executivo

Executivo revela preocupação com as recentes movimentações da equipe econômica do governo Bolsonaro e faz um alerta para o comprometimento do futuro das próximas gerações


postado em 01/04/2019 06:00 / atualizado em 01/04/2019 08:40

(foto: Mário Palhares/Abef/Divulgação)
(foto: Mário Palhares/Abef/Divulgação)
São Paulo – O executivo Carlos Alberto Bifulco, presidente do conselho do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef), exerceu, nas últimas décadas, cargos de comando em empresas como a siderúrgica Eluma, a fabricante de armas e munição CBC e a Klabin, uma das maiores companhias de papel e celulose do mundo.

Bifulco tem acompanhado de perto as recentes movimentações da equipe econômica do governo Bolsonaro, algo que, segundo ele, tem gerado preocupações.

Em entrevista aos Diários Associados, o executivo afirma que a não aprovação da reforma da Previdência no Congresso vai causar grandes problemas para o país, comprometendo não só a recuperação econômica em 2019, mas o futuro das próximas gerações.

Bifulco também reclama dos indecentes juros cobrados pelas operadoras de cartão de crédito (“cobrar 10% ao mês é um escândalo”), diz que as trocas comerciais devem ser pauta por interesses econômicos e não por questões ideológicas (“negócios são negócios”) e reclama do atraso sistêmico do país (“o Brasil precisa de uma modernizada muito forte”). Confira a entrevista completa a seguir.

Como o senhor avalia a dificuldade do governo em articular o apoio no Congresso para a aprovação da reforma da Previdência?


A maioria elegeu o atual presidente porque ele prometeu que vai fazer uma negociação limpa, sem aqueles vícios que conhecemos de leilão de verbas e até coisas muito piores, como o mensalão. Então, a dificuldade dele vai ser grande. Não será fácil colocar uma nova forma de negociação. Acredito que possa vencer, porque a maioria do público é a favor da reforma e porque não dá mais para continuar da forma como está. Mas vai ser difícil, nesse novo estilo, conseguir boas negociações.

"Para o Brasil atingir a chamada indústria 4.0, terá que fazer aberturas. O Brasil precisa de uma modernizada muito forte. Ainda é um país introspectivo, que faz poucas trocas comerciais"



Se a reforma da Previdência não passar pelo Congresso, quais efeitos poderá ter sobre a economia?

A reforma da Previdência é um dos pilares da nossa recuperação. Estamos com o país quebrado, abaixo do nível de investimento. Alguns estados importantes estão em situação de pré-insolvência. Se a reforma da Previdência não passar, as consequências serão graves para todo o país. A gente pode ter o retorno da inflação, a desorganização fiscal profunda, o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ou seja, sem mudar a Previdência, o país mergulhará no caos.

O senhor acredita que a reforma vai passar do jeito que foi apresentada ao Congresso ou ela vai ser aprovada com alguma alteração?

Acredito que vai haver alguma alteração. Agora, não acho que a alteração venha a ser aceita tranquilamente pela equipe de Bolsonaro. O governo fala em uma economia de R$ 1 trilhão em 10 anos. Esse número não pode mudar. De uma forma ou de outra, tem que ser um número próximo a esse. Algumas coisas já sabemos que não passam. Alguns detalhes, provavelmente a idade mínima da mulher, o valor que está sendo pago para os anciãos, coisas pequenas. Mas, no geral, acredito que ficará em torno de R$ 1 trilhão mesmo.

"As pessoas têm que parar de falar que os juros de 6,5% aos ano são baixos. Se você tentar um empréstimo no banco, ele vai emprestar a 6,5%? Não vai. O juro real é altíssimo no Brasil"



O mercado já começa a dar sinais de nervosismo com o impasse na aprovação da reforma. Para onde o senhor acredita que vai o dólar e a bolsa, caso as mudanças não sejam aprovadas?

Sem dúvida nenhuma, sabemos que as variações são antagônicas. Sempre que existe algum tipo de crise, a bolsa cai e a taxa do dólar sobe. A consequência de uma não aprovação, ou até de uma demora muito grande de aprovação, vai afetar a economia brasileira. O real e as ações vão desvalorizar. Por consequência, a taxa do dólar aumenta. Ou seja, o nervosismo virá, nós vamos passar um período de grande volatilidade. Acho que a palavra-chave para os meses de abril e maio é volatilidade. Vamos ter momentos de esperança e momentos de desesperança.

Isso pode comprometer o crescimento do país em 2019?


O crescimento do país já está comprometido. 2019 será um ano de limpeza. Nós temos pelo menos três estados grandes – Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais – em situação muito complicada. Os governos estão fazendo economia. As famílias estão endividadas. Mais de 58% das famílias têm dívidas relevantes. Boa parte do crescimento virá das exportações e do agronegócio. Enquanto isso, nossa indústria tem enormes desafios para se tornar competitiva. Sobre o PIB, antes se falava de 3%. Depois, 2,5%. Agora, a mais recente previsão é 2% de crescimento em 2019. A sorte já está lançada. Não vamos ter um grande ano.

"A palavra-chave para os meses de abril e maio é volatilidade. Vamos ter momentos de esperança e momentos de desesperança"



No cenário internacional, como o senhor avalia a postura do governo brasileiro em se alinhar com países como os Estados Unidos e Israel, deixando de lado parceiros comerciais como China e Oriente Médio?

Com toda a experiência prática de quem trabalhou em uma empresa importadora e exportadora, o que a gente procura quando exporta é qualidade e preço. Por exemplo, a China invadiu os Estados Unidos e ocasionou, pelo menos, mais de 2 milhões de desempregados. Houve um efeito China também no Japão. Veja, são países absolutamente contrários em termos de ideologia política. E continuam fazendo troca de exportação e importação porque interessa. Então, não acho que o Brasil vai abandonar ninguém que seja cliente interessante, que tenha recursos para pagar. Alguns países provavelmente terão que abandonar mesmo, como Cuba e Angola. Lá, é vender e emprestar, mas não receber nada em troca. Isso não pode acontecer. Tem gente que fala em ideologia. Então, como explicar o grande grau de comércio entre Estados Unidos e China? Negócios são negócios.

Uma eventual piora do cenário econômico no Brasil pode comprometer a questão dos juros, que já são altos e, segundo projeções dos economistas, tendem a cair nos próximos anos? Ou o senhor acredita que os juros vão voltar a subir?

São duas coisas diferentes. Vamos falar um pouco do juro internacional. A melhor medida que temos do juro internacional é o EMBI (Emerging Markets Bond Index). Para se ter uma ideia, em 30 de novembro, logo depois da eleição, ele estava em 270 bitcoins, mas caiu para 246 em 15 de março. Em nível internacional, acho que a turma não estuda, não conheça o assunto. Mas os juros, os papéis brasileiros, estão até num bom patamar.

"Temos um escândalo, que é o cartão de crédito cobrar 10% ao mês. É um juro altíssimo para uma inflação corrente de 3,8% ou 3,9%. Isso precisa mudar"



Como assim?

As pessoas têm que parar de falar que os juros de 6,5% ao ano são baixos. Se você tentar um empréstimo no banco, ele vai emprestar a 6,5%? Não vai. O juro real, que é resultado da taxa de juros primária, mais um spread para cobrir a inadimplência, mais outro pra cobrir impostos, mais um outro pra cobrir custos de administração e mais o lucro, é altíssimo no Brasil. Temos um escândalo, que é o cartão de crédito cobrar 10% ao mês. Para uma empresa média, o custo é de 2% a 3% ao mês. Capitalizando, ela vai pagar algo em torno de 30% a 40% ao ano. É um juro altíssimo para uma inflação corrente de 3,8% ou 3,9%. Isso precisa mudar.

O senhor está dizendo que a taxa Selic está num bom patamar?

Estou dizendo que ficar olhando essas reuniões do Copom é perda de tempo, uma piada. É apenas uma reunião que trata de papéis do governo. Infelizmente, a imprensa está focada no aspecto errado. As empresas no Brasil pagam 4 a 5 vezes a taxa Selic, em média. Isso é muito complicado.

Quais são os números que o senhor projeta para este ano em termos de crescimento do PIB, inflação e dólar?

O PIB vai ficar entre 1% e 2%, a inflação em torno de 4%, e o dólar vai variar entre R$ 3,70 e R$ 3,90, dependendo dos rumos do Congresso, das chamadas negociações.

Na sua avaliação, quanto tempo o Brasil vai levar para recuperar os recentes anos de recessão?

Isso vai depender bastante de uma série de coisas. Primeiro, existem muitas providências a serem tomadas. O próprio agronegócio, que é o melhor de todos, está cheio de gargalos. Na mineração, há muita dúvida. Sou favorável a uma série de programas de abertura para a indústria. Para a gente atingir a indústria chamada 4.0, temos que fazer aberturas. O Brasil precisa de uma modernizada muito forte. Ainda é um país introspectivo, que faz poucas trocas comerciais.

Então a indústria precisa de mais incentivos?

Manaus está desesperada querendo indústria. Tem muito o que fazer, tudo isso ficou muito abandonado, entende? O sistema fiscal foi muito descaracterizado. Agora começam as negociações com a indústria automobilística para ficar aqui, a Ford quer ir embora, a GM aceitou ficar. Temos de rever essas coisas. Acho que o discurso do ministro Paulo Guedes está muito bem alinhado, só que o Guedes é muito mais otimista que eu. Creio que leve anos para recuperar o tempo que foi perdido.


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