São Paulo – Nos últimos meses, o Brasil viu alguns grandes grupos revisarem seus negócios e desistir total ou parcialmente de suas operações locais. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a decisão da americana Ford de encerrar sua produção de caminhões no país e acabar com a fabricação do carro do modelo Fiesta – ambas na unidade de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.
No caso da Ford, foi preciso que o governo de São Paulo entrasse no circuito, como uma espécie de corretor de imóveis à procura de uma empresa interessada em ficar com a fábrica no ABC Paulista. Ao que tudo indica, o Grupo Caoa deve arrematar o ativo e absorver parte dos trabalhadores.
O fundador da Caoa, Carlos Alberto de Oliveira Andrade, é hoje o principal revendedor da Hyundai, da Subaru e da própria Ford. Além disso, produz modelos da Hyundai em uma fábrica em Goiás e, mais recentemente, passou a fazer parte de uma joint-venture com a montadora chinesa Chery, detentora de unidade de produção no interior paulista.
SETOR FARMACÊUTICO Outro setor que dá sinais de desaceleração em território brasileiro é o farmacêutico. A Takeda Pharmaceutical Co Ltd, do Japão, estaria se desfazendo de alguns negócios na América Latina, incluindo a operação brasileira. A multinacional teria planos para se desfazer da linha de medicamentos que não necessitam de prescrição médica e poderia negociar um único pacote ou por país.
Outra multinacional da área farmacêutica, a Roche, anunciou, no fim de março, que vai fechar sua fábrica em Jacarepaguá, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde trabalham cerca de 440 pessoas. A companhia informou que processo de encerramento da unidade vai ser concluído entre quatro e cinco anos. Já o corte de funcionários deve começar em 2020.
Segundo a Roche, o fechamento é resultado da nova estratégia global, que prevê a concentração de suas atividades em produtos de alta complexidade e baixo volume de produção. A unidade de Jacarepaguá tem em seu portfólio de antidepressivos a ansiolíticos. As unidades de São Paulo e Goiás continuarão em funcionamento, informou a empresa.
Ainda na área farmacêutica, só que no varejo, quem decidiu dar adeus ao Brasil também neste ano foi a americana CVS Health, que era dona da rede Onofre (foto) desde 2013 e vinha de uma recente virada na operação local, na tentativa de fortalecer suas vendas no e-commerce. O comunicado ao mercado foi feito no fim de fevereiro, com a confirmação da venda para a concorrente Raia Drogasil. O acordo depende da aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Ficou de fora da negociação o processo entre a CVS e a família Arede, fundadora da Onofre, que gira em torno de passivos trabalhistas e fiscais deixados pela gestão anterior.
ÍNDICE RECORDE Todos os negócios descritos acima parecem confirmar o que apontou pesquisa divulgada recentemente pela consultoria EY. Segundo o “Global Corporate Divestment Study 2019”, que entrevistou profissionais das áreas financeira (37%), consumo (32%), telecomunicações (10%), óleo e gás e energia (5% cada uma), 99% dos executivos pretendem desinvestir nos próximos anos. No ano passado, esse número chegou a 80%.
Apesar de o dado parecer alarmante, Fabio Schmitt, sócio de transações corporativas da EY, diz que a notícia não é ruim. “No passado, havia uma conotação negativa, de crise, uma espécie de admissão de falha por não ter tornado um negócio rentável. Mas 60% estão desinvestindo para crescer. Vão usar os procedimentos do desinvestimento para crescer em novos negócios, novas geografias, novos produtos. São empresas que se desfazem de negócios que não fazem mais sentido no futuro da empresa”, explica o executivo.
Uma das razões para a decisão de sair de um mercado ou de um negócio, explica Schmitt, pode estar na estratégia de investir em novas tecnologias, para acompanhar comportamento do consumidor. Para o executivo da EY, movimentos como os que estão sendo vistos no Brasil fazem parte de uma estratégia de revisão de portfólio, cada vez mais necessária para manter uma operação saudável e em linha com o mercado.
AVALIAÇÃO GERAL
O estudo foi feito com cerca de 900 executivos das principais economias do mundo, com a coleta de dados entre novembro e dezembro de 2018. Desse total, 84% das empresas esperam fazer algum desinvestimento até 2021 – abaixo da expectativa brasileira. Para 74% dos entrevistados, a incerteza do cenário político global é preocupante e essas mudanças geopolíticas deverão aumentar os custos operacionais.
Ao todo, 69% aguardam que os acordos comerciais globais permaneçam intactos, e 81% disseram que o desejo de simplificar os modelos operacionais deverá afetar os planos de desinvestimento. Isso mostra, segundo a EY, que as empresas querem ser mais ágeis em relação aos seus competidores.
Apesar de ser o mais alto percentual de plano de desinvestimento até hoje, o executivo da EY explica que essa é uma tendência que vem evoluindo ao longo dos anos. Em parte, o número cresceu entre os brasileiros, de acordo com Schmitt, porque a economia do país vinha muito reprimida nos últimos anos. “Nem tinha comprador para ativos, não havia ambiente. Agora, com um cenário mais positivo, essa perspectiva de desinvestir mudou.”
Para o sócio da EY, o índice tão elevado de intenção de desinvestir não deve ser encarado como uma ameaça aos empregos do país. Quem assumir as operações, vai ter como objetivo crescer com aquele negócio. “Encontrar um comprador é muito diferente de fechar as portas. Certamente, nesses casos, os empreendimentos vão lucrar mais do que lucrariam antes. Já o vendedor, por sua vez, vai investir em inovação, em novas tecnologias e em novos mercados.”
Manter investimento é fundamental, diz executivo
Fabio Schmitt, sócio de transações corporativas da EY, lembra que muitos executivos que decidem desinvestir para realinhar expectativas acabam cometendo o erro de “abandonar” a operação, em vez de manter os aportes de capital necessários.
“A preparação para esse tipo de negócio é fundamental, porque o desinvestimento leva tempo. Até a venda ser fechada, é preciso investir na operação, para que ela chegue a um valor de venda dentro das expectativas do controlador”, diz.
Se a empresa for negligenciada, sofrerá com a depreciação, que já é uma das estratégias do comprador para ter de desembolsar o menor preço possível. Da mesma forma, lembra o executivo da EY, é preciso manter a motivação interna na companhia e investimentos em inovação. “Sem esses cuidados, o negócio tende a definhar.”
Em janeiro, a General Motors ensaiou ir na mesma direção, ao enviar uma carta aos funcionários, assinada pelo presidente para o Mercosul, Carlos Zarlenga, em que relatava a possibilidade aventada pela presidente global, Mary Barra, de abandonar as operações no Brasil e na Argentina. “Não vamos continuar a investir para perder dinheiro”, teria dito a executiva.
No caso da Ford, foi preciso que o governo de São Paulo entrasse no circuito, como uma espécie de corretor de imóveis à procura de uma empresa interessada em ficar com a fábrica no ABC Paulista. Ao que tudo indica, o Grupo Caoa deve arrematar o ativo e absorver parte dos trabalhadores.
O fundador da Caoa, Carlos Alberto de Oliveira Andrade, é hoje o principal revendedor da Hyundai, da Subaru e da própria Ford. Além disso, produz modelos da Hyundai em uma fábrica em Goiás e, mais recentemente, passou a fazer parte de uma joint-venture com a montadora chinesa Chery, detentora de unidade de produção no interior paulista.
SETOR FARMACÊUTICO Outro setor que dá sinais de desaceleração em território brasileiro é o farmacêutico. A Takeda Pharmaceutical Co Ltd, do Japão, estaria se desfazendo de alguns negócios na América Latina, incluindo a operação brasileira. A multinacional teria planos para se desfazer da linha de medicamentos que não necessitam de prescrição médica e poderia negociar um único pacote ou por país.
Outra multinacional da área farmacêutica, a Roche, anunciou, no fim de março, que vai fechar sua fábrica em Jacarepaguá, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde trabalham cerca de 440 pessoas. A companhia informou que processo de encerramento da unidade vai ser concluído entre quatro e cinco anos. Já o corte de funcionários deve começar em 2020.
Segundo a Roche, o fechamento é resultado da nova estratégia global, que prevê a concentração de suas atividades em produtos de alta complexidade e baixo volume de produção. A unidade de Jacarepaguá tem em seu portfólio de antidepressivos a ansiolíticos. As unidades de São Paulo e Goiás continuarão em funcionamento, informou a empresa.
Ainda na área farmacêutica, só que no varejo, quem decidiu dar adeus ao Brasil também neste ano foi a americana CVS Health, que era dona da rede Onofre (foto) desde 2013 e vinha de uma recente virada na operação local, na tentativa de fortalecer suas vendas no e-commerce. O comunicado ao mercado foi feito no fim de fevereiro, com a confirmação da venda para a concorrente Raia Drogasil. O acordo depende da aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Ficou de fora da negociação o processo entre a CVS e a família Arede, fundadora da Onofre, que gira em torno de passivos trabalhistas e fiscais deixados pela gestão anterior.
ÍNDICE RECORDE Todos os negócios descritos acima parecem confirmar o que apontou pesquisa divulgada recentemente pela consultoria EY. Segundo o “Global Corporate Divestment Study 2019”, que entrevistou profissionais das áreas financeira (37%), consumo (32%), telecomunicações (10%), óleo e gás e energia (5% cada uma), 99% dos executivos pretendem desinvestir nos próximos anos. No ano passado, esse número chegou a 80%.
Apesar de o dado parecer alarmante, Fabio Schmitt, sócio de transações corporativas da EY, diz que a notícia não é ruim. “No passado, havia uma conotação negativa, de crise, uma espécie de admissão de falha por não ter tornado um negócio rentável. Mas 60% estão desinvestindo para crescer. Vão usar os procedimentos do desinvestimento para crescer em novos negócios, novas geografias, novos produtos. São empresas que se desfazem de negócios que não fazem mais sentido no futuro da empresa”, explica o executivo.
Uma das razões para a decisão de sair de um mercado ou de um negócio, explica Schmitt, pode estar na estratégia de investir em novas tecnologias, para acompanhar comportamento do consumidor. Para o executivo da EY, movimentos como os que estão sendo vistos no Brasil fazem parte de uma estratégia de revisão de portfólio, cada vez mais necessária para manter uma operação saudável e em linha com o mercado.
AVALIAÇÃO GERAL
O estudo foi feito com cerca de 900 executivos das principais economias do mundo, com a coleta de dados entre novembro e dezembro de 2018. Desse total, 84% das empresas esperam fazer algum desinvestimento até 2021 – abaixo da expectativa brasileira. Para 74% dos entrevistados, a incerteza do cenário político global é preocupante e essas mudanças geopolíticas deverão aumentar os custos operacionais.
Ao todo, 69% aguardam que os acordos comerciais globais permaneçam intactos, e 81% disseram que o desejo de simplificar os modelos operacionais deverá afetar os planos de desinvestimento. Isso mostra, segundo a EY, que as empresas querem ser mais ágeis em relação aos seus competidores.
Apesar de ser o mais alto percentual de plano de desinvestimento até hoje, o executivo da EY explica que essa é uma tendência que vem evoluindo ao longo dos anos. Em parte, o número cresceu entre os brasileiros, de acordo com Schmitt, porque a economia do país vinha muito reprimida nos últimos anos. “Nem tinha comprador para ativos, não havia ambiente. Agora, com um cenário mais positivo, essa perspectiva de desinvestir mudou.”
Para o sócio da EY, o índice tão elevado de intenção de desinvestir não deve ser encarado como uma ameaça aos empregos do país. Quem assumir as operações, vai ter como objetivo crescer com aquele negócio. “Encontrar um comprador é muito diferente de fechar as portas. Certamente, nesses casos, os empreendimentos vão lucrar mais do que lucrariam antes. Já o vendedor, por sua vez, vai investir em inovação, em novas tecnologias e em novos mercados.”
Manter investimento é fundamental, diz executivo
Fabio Schmitt, sócio de transações corporativas da EY, lembra que muitos executivos que decidem desinvestir para realinhar expectativas acabam cometendo o erro de “abandonar” a operação, em vez de manter os aportes de capital necessários.
“A preparação para esse tipo de negócio é fundamental, porque o desinvestimento leva tempo. Até a venda ser fechada, é preciso investir na operação, para que ela chegue a um valor de venda dentro das expectativas do controlador”, diz.
Se a empresa for negligenciada, sofrerá com a depreciação, que já é uma das estratégias do comprador para ter de desembolsar o menor preço possível. Da mesma forma, lembra o executivo da EY, é preciso manter a motivação interna na companhia e investimentos em inovação. “Sem esses cuidados, o negócio tende a definhar.”