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Estado de Minas

Guerra dá origem a startup de sucesso

Fundada por americanos que serviram no Exército no período dos conflitos, Rumi Spice cultiva e processa açafrão nas montanhas afegãs, antes dominadas por negociantes de ópio


postado em 10/04/2019 06:00 / atualizado em 10/04/2019 08:31

Fazendeiros locais cultivam a rentável especiaria para o mercado internacional(foto: Rumi Spice/Divulgação)
Fazendeiros locais cultivam a rentável especiaria para o mercado internacional (foto: Rumi Spice/Divulgação)

São Paulo – O teólogo persa Jalal al-Din Rumi escreveu, no século 13, um aforismo que inspirou a criação da startup americana Rumi Spice: “É debaixo de ruínas que se encontram os verdadeiros tesouros”. De certa forma, a frase resume a trajetória da empresa, que cultiva e processa açafrão, a mais nobre das especiarias, em um país destruído pela guerra – o Afeganistão.


A história da Rumi Spice está ligada aos atentados de 11 de setembro de 2001, que provocaram a morte de 2.996 pessoas nos Estados Unidos e levaram a uma resposta dura do então presidente George W. Bush.


Sob o pretexto de caçar o líder do regime talibã, Osama Bin Laden – sobre quem recaíam as acusações de ter planejado os ataques às Torres Gêmeas do World Trade Center –, Bush ordenou a invasão do Afeganistão. Cerca de 30 mil americanos das forças de segurança foram mandados para lá.


Com o agravamento dos conflitos, outros milhares de soldados desembarcaram em terras afegãs durante mais de uma década. Para além da tragédia que a invasão provocou, com um saldo de 40 mil mortos, 25 mil feridos e o aniquilamento da economia local, ela também resgatou, em meio às ruínas, alguns tesouros perdidos, para usar a imagem do poeta Jalal al-Din Rumi.


A Rumi Spice é um deles. Ela foi fundada em 2014, por quatro sócios que serviram no Afeganistão nos anos mais dramáticos da guerra. Kimberly Yung, uma oficial de engenharia do Exército, liderava pelotões que desativavam minas. Emily Miller, também ex-oficial de engenharia militar, participava de operações especiais. Keith Alaniz integrava, como oficial do Exército, os governos regionais provisórios do Afeganistão. A civil do grupo é a advogada Carol Wang, que trabalhou no país asiático em um programa de desenvolvimento rural apoiado pelo Banco Mundial.


A ideia de criar a startup surgiu quando Keith conheceu um fazendeiro afegão, que lamentava o fato de o açafrão que produzia não ter clientes dispostos a comprá-lo. “Todo mundo tinha medo da guerra e do Afeganistão”, disse Keith, em entrevista ao jornal americano Chicago Tribune. “Quando o fazendeiro contou a sua história, pensei que militares com conhecimento do território e da cultura afegã tinham sido talhados para aquele trabalho.”


O oficial se lembrou então de que duas colegas do Exército – Kimberly e Emily – faziam MBA na Harvard Business School, a famosa escola de negócios de uma das universidades mais prestigiadas do mundo, e as acionou. Aceito o convite, elas procuraram aquela que seria a quarta sócia, Carol Wang, que tinha experiência com agricultura.


Os contatos que os sócios da Rumi Spice construíram durante os anos em que serviram no Afeganistão foram fundamentais para levar o projeto adiante. Mais de 80% da população ativa do país trabalha na agricultura, mas a maioria delas está envolvida de alguma forma com o negócio do ópio. Estima-se que o Afeganistão produza 90% das papoulas do mundo. Elas são a base para a produção industrial do ópio, que, por sua vez, dá origem à heroína.

AMIZADE O problema é que as plantações afegãs de papoulas são controladas por chefes talibãs. Embora o cultivo do açafrão seja seis vezes mais rentável do que o da papoula – diferença essa que é superada pela demanda global por heroína, bem acima do interesse por açafrão –, os agricultores temiam enfurecer os talibãs, que não hesitam em usar a violência para controlar as lavouras.


Os donos da Rumi Spice driblaram a dificuldade graças aos contatos com autoridades locais e à rede de amizades que construíram no período da guerra. Amparados por esse grupo de proteção, convenceram fazendeiros a cultivar o açafrão para o mercado internacional.


O açafrão é uma das especiarias mais caras do mundo. Seu quilo pode custar US$ 30 mil, a depender da qualidade do cultivo e das técnicas de processamento. O preço exorbitante – só um pouco abaixo da cotação atual do ouro – se deve ao fato de ser difícil para crescer e penoso para colher.


O produto vendido pela Rumi Spice é um dos melhores do mundo. De acordo com critérios internacionais de aferição de qualidade, o padrão da marca Rumi é 25% superior ao nível exigido pelos certificadores que atestam o grau de pureza da especiaria.


Diversos motivos explicam isso. O primeiro deles é a terra afegã, ideal para o cultivo. O segundo se deve ao trabalho minucioso feito pelos agricultores contratados pela Rumi Spice. Eles tratam o produto como algo místico. A relação íntima com a lavoura faz toda a diferença: a colheita de flores de açafrão é um exercício delicado, que só pode ser feito manualmente.


Foram necessários só dois anos de atividades para que a Rumi Spice se tornasse um negócio lucrativo. Desde 2016, o cultivo de açafrão nas comunidades de Herat cresceu mais de 50%, enquanto as vendas do produto em restaurantes sofisticados avançaram na mesma proporção. O poeta Jalal al-Din Rumi estava certo. Grandes tesouros podem surgir debaixo de ruínas.


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