Num balanço dos últimos seis meses divulgado pelo Reclame Aqui, empresas de varejo, principalmente e-commerce, configuram entre as mais reclamadas no ranking. Das 10 empresas mais reclamadas no Brasil, cinco são redes varejistas. Na primeira posição, a Americanas Marketplace soma 64.825 consumidores insatisfeitos.
Em sexto lugar, a Casas Bahia Loja Online tem 28.079 queixas, seguida da Magazine Luiza Loja On-line, em sétima posição, com 27.940 reclamações. “Entre os problemas mais comuns, o não cumprimento do prazo de entrega lidera o ranking.
Também frequentes são as queixas a respeito de envio de produtos diferentes do modelo comprado; dificuldade de devolução ou troca, cancelamento de compra, reclamação de reembolso do valor pago, produtos quebrados ou danificados, além de mau atendimento e propaganda enganosa”, lista Felipe Paniago, diretor e porta-voz do Reclame Aqui.
Em Minas, as redes varejistas também estão no topo do ranking de reclamações do portal (veja quadro na página). E também figuram entre as queixas frequentes no Procon Assembleia: entre 2017 e 2018, só as reclamações contra o segmento de eletrodomésticos que chegaram ao órgão subiram 15,4%.
A advogada Bruna Alves Garcia, sócia do escritório Sette Advogados, está representando um cliente que teve recentemente problema de prazo de entrega com produto comprado na Ricardo Eletro.
Ela explica que, muitas vezes, o consumidor é realmente lesado e precisa recorrer à Justiça para tentar resolver o imbróglio. Foi o caso de Marina Alves.
“Eu e meu marido esperamos a Black Friday de 2018 para comprar uma máquina de lavar da marca Brastemp, 12kg, modelo que funciona com água quente. Na compra, realizada no site e via cartão de crédito, pediram o prazo de entrega de 30 a 40 dias, o que se encerraria em 30 de dezembro do ano passado”, afirma Marina.
Na expectativa de receber o produto, que só funciona em voltagem 220w, o casal investiu em uma reforma na rede elétrica da residência. No entanto, decorridos os 40 dias, nada de entrega.
“Só em janeiro, ligamos seis vezes para o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). A primeira desculpa da empresa foi que não havia ninguém em casa para receber o produto, o que é mentira. Já em fevereiro, alegaram que não tinham mais o modelo em estoque e nos ofereceram alternativas: um crédito do valor que pagamos pela máquina para que escolhêssemos outro item na loja, o reenvio ou a desistência. Optamos pelo reenvio. E isso para não falar no transtorno que tivemos devido à reforma na rede elétrica. Ou seja, no lugar de receber a máquina nova, precisamos fazer gambiarra durante meses para poder continuar a usar a máquina de lavar antiga, cuja voltagem é no padrão 110w”.
Diante da não entrega do produto comprado após dois meses seguintes à compra, a jornalista e o marido entraram na Justiça. “Já havíamos entrado com a ação quando a Ricardo Eletro entregou a máquina, apenas em março. Agora, aguardamos o desfecho do processo judicial e decidimos de antemão nunca mais comprar nada na empresa. No fim das contas, o sentimento é de que fomos lesados e desrespeitados. Uma compra que frustrou expectativas e gerou transtornos”, lamenta.
Nos últimos seis meses, o site Reclame Aqui registrou 1.103 reclamações da rede Ricardo Eletro. Só em Minas, foram 192 reclamações de compras na loja on-line e 99 em lojas físicas.
Produto diferente
A consumidora Lecimara Duque Estrada Coutinho, engenheira química e consultora empresarial, teve problemas com o e-commerce da varejista Magazine Luiza. Ela conta que em 13 de março comprou pelo site o liquidificador Philco Triple Inox 4 (e especificações) pelo valor de R$ 123,41. Pagou à vista, no boleto bancário. Qual foi a surpresa quando recebeu, via correios, um outro produto: liquidificador Mallory Flash Back, 127V, modelo e marca totalmente diferentes ao que havia comprado.
Lecimara conta que entrou em contato com o SAC no mesmo dia. Informou o ocorrido. Ainda precisou ligar mais duas vezes e chegou a enviar três e-mails para a loja. Despachou o modelo errado pelos Correios, conforme orientação, e ainda espera o desfecho do caso. “Depois de muita dor de cabeça, eles alegaram que não havia o produto em estoque. No entanto, fui ao site e vi o liquidificador que eu havia comprado disponível. Mas por R$ 274,38 e entregue via marca parceira, o que achei muito estranho. Por fim, depois quase um mês de burocracias e de eu publicar todo o problema no site Reclame Aqui, espero receber o crédito do valor que paguei em conta-corrente no dia 8 de abril.”
Em busca de soluções
No portal Reclame Aqui, no Procon ou nos escritórios de advocacia, o relato de problemas entre consumidor e redes varejistas é comum. “O não cumprimento de um prazo de entrega caracteriza prática abusiva da empresa e quebra de contrato”, explica a advogada Bruna Alves Garcia. Uma possível queixa, completa, não tende a gerar danos morais por si só. “No entanto, a falta de informações, o desrespeito que o consumidor é tratado, a demora excessiva para a solução do caso configura prática abusiva e é suficiente para ensejar danos morais. Além disso, completa, a perda do tempo útil do consumidor para solucionar um problema gerado pelo logista/fornecedor deve ser indenizado quando extrapola o razoável.”
Para evitar problemas, a advogada lembra alguns cuidados. Ela sugere que o consumidor guarde todos os documentos relativos à compra. Em caso de compra on-line, faça o print das telas, arquive notas fiscais eletrônicas, e-mails, protocolos. Se possível, teste o produto. Se houver defeito, o consumidor deve entrar em contato com a fornecedora imediatamente, preferencialmente por escrito. Gravar as ligações e anotar os números de protocolos, inclusive hora e o nome de quem atendeu.
Diretor de operações do Reclame Aqui, Felipe Paniago lembra que os setores mais reclamados no canal são varejo, telefonia, bancos e montadoras. Uma dica para evitar problemas, sugere, é pesquisar o estabelecimento antes de efetuar a compra. “Quanto mais uma empresa vende, mais problemas terá, isso é normal. O que muda é a forma com que atende e busca resolver o mesmo. No portal, publicamos tanto queixas quanto as respostas das empresas. Cada registro respondido gera um índice, que vai de não recomendado até o selo RA 1000, que é o de máxima qualidade.”
Consumidores desrespeitados
O Código de Defesa do Consumidor completou 29 anos de vigência em 2019, mas clientes de empresas do setor de comércio e de serviços ainda enfrentam batalha para ter seus direitos reconhecidos. É o que aponta balanço realizado pelo Procon da Assembleia Legislativa de Minas, relativo a 2018. No ano passado, o órgão registrou 6.080 reclamações de serviços prestados ou de regras financeiras, que incluem juros abusivos, que inviabilizam o compromisso na hora de pagar as parcelas.
Segundo Marcelo Barbosa, coordenador do Procon Assembleia, “as grandes redes de comércio desses produtos, como Casas Bahia, Ponto Frio e Magazine Luiza, entre outras, são as que mais adotam carnês como forma de cobrança e os encargos são maiores conforme o número de prestações”. Grande parte das vezes, na compra de um produto, o consumidor acaba pagando pelo preço de três com as taxas de juros praticadas. Procuradas pelo Estado de Minas, empresas citadas no ranking não quiseram se posicionar.
A ausência de regras rígidas por parte das agências reguladoras (Aneel, Anatel, Banco Central) faz com que os serviços de telefonia, plano de saúde, financeiras, bancos e crediários se revezem na primeira posição entre os campeões de reclamações há mais de 25 anos, observa o advogado e professor de direito do consumidor da PUC Minas e Unibh Bruno Burgarelli.
As reclamações referentes aos empréstimos consignados superaram as de administradoras de cartões de crédito. O segmento de empréstimos bancários, que ocupava o 9º lugar no ranking de reclamações do Procon, subiu para terceiro em 2018, um indicativo, segundo Marcelo Barbosa, de estrangulamento crescente do orçamento familiar.
A cuidadora Débora Matos comprou uma televisão na Ricardo Eletro há quatro anos e pagou em 10 prestações de R$ 220. “À época, o valor à vista era em torno de R$ 1.600, ficou R$ 600 mais caro, mas foi a forma que encaixava no orçamento da família.” Segundo Débora, foi a primeira compra a prazo e a loja disse que, se obtivesse o crediário, poderia numa segunda compra, adquirir o cartão da loja e os produtos sairiam, então, sem juros.
FILAS Por cinco anos consecutivos o setor de telecomunicações ocupa o primeiro (telefonia celular e fixa) e segundo lugares (pacotes combo – telefonia, TV por assinatura e internet) no ranking de reclamações do Procon Assembleia. Os dois principais problemas do segmento são a cobrança indevida, aquele serviço não contratado e cobrado na conta e descumprimento da oferta. Foram 1.033 as chamadas contra o serviço de telefonia (fixa e celular) e 726 para o “combo”.
A dificuldade em cancelar serviços é outro fator que aumenta as filas dos reclamantes nos órgãos de defesa do consumidor. Os prestadores de serviço tentam dificultar ao máximo a saída do cliente, mesmo com a garantia do Decreto 6.523, de 2008, que regulamenta o Serviço de Atendimento ao Consumidor, (SAC), onde consta ser direito a opção de cancelamento imediato.