São Paulo – A área de saúde tem a tradição de valorizar o contato com os pacientes. Nos últimos anos, no entanto, tem se intensificado uma outra crença no setor: sem tecnologia, não será possível manter os custos sob controle nem reduzir as queixas quanto à qualidade no atendimento. A necessidade de combinar essas necessidades tem mexido com as empresas médico-hospitalares.
Erika Fuga, diretora de sinistro saúde da SulAmérica, explica que até agora vinha trabalhando com a interface apenas junto aos prestadores de serviço. “Ficava uma caixa-preta para o cliente (empresa), que só conhecia o sinistro na hora de pagar a fatura para a SulAmérica. Essas empresas pediam para participar desde o início do processo. Passamos cerca de um ano e meio desenvolvendo uma solução para que elas fossem incluídas no processo.”
Com a ampliação da plataforma, o médico pode atuar na empresa em que trabalha para entender os procedimentos autorizados pela operadora para os funcionários, em tempo real. “Esse acesso vai permitir uma gestão cada vez mais eficiente e transparente da saúde de seus colaboradores”, avalia a executiva da SulAmérica, que não divulga quanto foi investido na nova ferramenta. Apesar de ser um serviço adicional, não haverá um custo a mais para as empresas.
O plano da companhia é que aproximadamente 600 mil vidas (entre as 3,4 milhões que temos na carteira de saúde e odonto) estejam em empresas com perfil para utilizar a plataforma de gestão conectada. O treinamento é personalizado e cada médico é chamado para conhecer as possibilidades de customização da plataforma.
Nos primeiros 15 dias desde o lançamento da novidade passaram pela imersão profissionais de saúde de cinco clientes. Segundo Erika, hoje há empresas que ainda usam o médico do trabalho “só para serviços mais simples, não possibilitando que ele participe da gestão de saúde.”
SIGILO Se, por um lado, as empresas podem ganhar ao ter maior previsibilidade sobre as despesas médicas de seus funcionários, e ainda saber como investir de forma preventiva para diminuir algumas ocorrências, por outro pode haver desconfiança por parte do quadro de empregados quanto à forma como essas informações sobre sua saúde serão utilizadas.
A diretora da SulAmérica explica que o acesso à plataforma é feito apenas por médicos que sejam indicados pelas empresas, que tenham CRM ativo e, assim, termo de sigilo sobre os dados. O profissional tem de preencher um cadastro e só então terá o acesso ao sistema liberado.
“O médico já é obrigado pela própria profissão a manter o sigilo sobre os pacientes. Nesse caso, o termo é um cuidado adicional. Quando ele tem contato com a plataforma, seu objetivo é outro, é saber que poderá tomar conta da saúde do funcionário, usando os dados de forma populacional, não individualizada, e entender qual é a razão de ter sido autorizada, por exemplo, uma cirurgia de coluna, mesmo depois de inúmeras sessões de fisioterapia. É sinal de que o procedimento realmente é necessário depois de se tentarem outras alternativas”, explica a executiva.
Ao ter acesso aos dados de autorizações de procedimentos pela operadora, o médico participará da gestão de custo da empresa a partir do momento em que as informações forem usadas para desenvolver programas de prevenção, segundo Erika.
Apesar do esperado impacto na redução das contas, não apenas na qualidade de vida do empregado, a diretora da SulAmérica diz não ser possível garantir que haverá um corte nas despesas com plano de saúde. “Não tem como garantir, mas espero que as empresas possam colaborar para evitar a má utilização dos serviços do ponto de vista assistencial. Agora, a qualidade de gestão fica mais clara”, atesta.
SÍRIO NA EMPRESA O Hospital Sírio-Libanês também aproveitou o momento de mudanças no setor para encontrar nova oportunidade de negócio, também com a inclusão dos médicos. Há cerca de um ano, a instituição de saúde passou a ter um braço de negócios para o atendimento corporativo. Não com um plano de saúde, mas com a gestão de células dentro das empresas, como uma espécie de posto avançado.
O projeto-piloto foi desenvolvido no próprio Sírio-Libanês, há cerca de quatro anos. Naquele momento, a direção percebeu que precisava controlar os custos com saúde dos funcionários (hoje são cerca de 6 mil empregados, além dos dependentes do plano médico). Para mudar a curva de crescimento das despesas com plano de saúde, passou a investir no atendimento primário, por meio dos médicos da família.
“Fizemos a gestão saúde da nossa própria população. Como somos especializados em saúde, o caminho natural foi desenvolver o programa interno de cuidado em saúde fundamental, trazendo o médico de família para se juntar a um time interno e cuidar dos colaboradores. Na sequência, vimos a mudança nos números e nos custos”, conta Paulo Ishibashi, diretor de relações com o mercado do Hospital Sírio-Libanês.
A queda nas despesas veio, por exemplo, da redução de 50% no número de visitas ao pronto-atendimento, em três anos. Esse tipo de serviço passou a ser usado para quem de fato apresentava casos emergenciais. Com a concentração das consultas em médicos da família, em vez da procura por especialistas, a taxa anual de exames e diagnósticos caiu 27%. Também houve reflexos nas internações hospitalares, que diminuíram cerca de 7%.
“Hoje, o segundo maior custo de qualquer empresa, depois da folha, é o benefício saúde. Com os nossos resultados, vimos que era possível levar um produto ao mercado”, lembra o diretor.
No início do ano passado, o hospital foi contratado pelo Banco Votorantim, com 2.500 funcionários, e implantou na instituição financeira uma unidade de atendimento, com médicos da família, enfermeiros e assistentes. A dinâmica, segundo Ishibashi, foi semelhante à registrada dentro do Sírio, com a queda no número de visitas ao pronto-atendimento e de pedidos de exame, além de um ganho no engajamento dos colaboradores, que passam a perceber esse investimento como benefício.
Hoje, o Sírio tem quatro contratos em operação – além do Banco Votorantim, Santander, Grupo Fleury e Itaú – e já assinou parceria com a Seguros Unimed.
Ishibashi diz que esse tipo de investimento em monitoramento da saúde dos empregados não é visto com desconfiança. Segundo ele, nesse caso, pesa o fato de ser uma operação do Sírio-Libanês, que é levada para dentro da companhia. O hospital é responsável por toda a operação do ambulatório, que inclui a contratação e o treinamento dos funcionários, a gestão do dia a dia da operação e dos prontuários eletrônicos. A coordenação da gestão é feita junto com a empresa. “É como um mini-Sírio. O funcionário passa a porta e está dentro do nosso hospital”, garante. O diretor não arrisca prever como deve se comportar a expansão do projeto, mas diz que, no futuro, os serviços poderão ser oferecidos em parceria com operadoras de planos de saúde.
Do agendamento de consulta ao check in do paciente
A CM Tecnologia, health tech fundada em Belo Horizonte, em 2012, se especializou em soluções e softwares que prometem baratear despesas e encurtar o tempo em operações cotidianas, em unidades médico-hospitalares.
A startup trabalha com o que Ana Morais, responsável pela área de vendas, chama de ‘jornada do cliente”. São desenvolvidas ferramentas para otimizar os processos nos hospitais, laboratórios e clínicas e aumentar a comodidade dos clientes e reduzir os custos operacionais e de processos.
Hoje, o paciente pode agendar e cancelar sua consulta de forma on-line ou por SMS e informar, por meio de um totem na instituição de saúde, sobre sua chegada, numa espécie de check in, e ele próprio preencher seus dados – um trabalho que em muitos lugares ainda é feito por uma equipe de atendentes.
RECEITA Segundo Ana Morais, esses recursos permitem uma série de ganhos. A falta dos pacientes cai por volta de 60% com a digitalização, já que o paciente pode avisar a qualquer horário, on-line, que não vai comparecer ao agendamento. Com isso, há tempo hábil para abrir a agenda para novos clientes – o aumento chegou a 16%. “Consequentemente, isso melhora a receita”, diz. Com o check-in digital, feito assim que o paciente chega para seu agendamento, o tempo de espera também pode chegar a zero. A executiva não fala qual é o faturamento. Hoje, a CM Tecnologia tem 120 clientes, que, juntos, geram em torno de 700 unidades de atendimento integradas.