Nas mãos, a carteira de trabalho, a identidade e o CPF. Na face, o semblante de cansaço de alguém que está há dias, meses ou até anos procurando emprego rotineiramente. Quem trabalha nos guichês do Sistema Nacional de Emprego (Sine) BHResolve vê essa cena se repetir milhares de vezes ao mês, cinco dias na semana. Hoje, 1° de maio, 13,4 milhões de brasileiros passam o Dia do Trabalho sem trabalho. O número de desempregados, referente ao trimestre terminado em março, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é 1,2 milhão maior que o registrado no último trimestre de 2018 e equivale a 12,7% de toda a população com potencial de trabalho acima de 14 anos. Incluindo o total de pessoas subocupadas, por insuficiência de horas trabalhadas, o percentual salta para 25%.
Já a população desalentada, que desistiu de buscar uma vaga no mercado, alcançou o recorde de 4,8 milhões. O resultado significa 180 mil desalentados a mais em relação ao trimestre encerrado em dezembro de 2018. Em um ano, 256 mil pessoas a mais caíram no desalento.
De acordo com a Secretaria Municipal Desenvolvimento Econômico e da Subsecretaria de Trabalho e Emprego, o Sine de Belo Horizonte atende a 500 pessoas por dia. Só nos três primeiros meses de 2019, as três unidades (Centro, Barreiro e Venda Nova) receberam 51 mil trabalhadores. No ano passado, 9.453 pessoas foram encaminhadas para vaga de emprego por meio do Sine. Dessas, mais de mil conseguiram entrar no mercado de trabalho, o equivalente a 10,7%. Ao todo foram oferecidas 5.709 vagas.
A ansiedade e a esperança também são intensas entre os profissionais que procuram vagas de emprego pela internet, por meio de aplicativos, e-mails ou sites de buscas. De acordo com a última pesquisa divulgada pelo Ibope Conecta, 77% dos internautas brasileiros já procuraram emprego pela internet. Desses, 68% têm entre 16 a 34 anos. Além disso, quando questionados se conseguiram alguma entrevista por meio desses sites, 44% afirmam que sim. No entanto, 51% não foram contratados.
É o caso da jornalista Ana Carolina Dias, de 23, que está desempregada há seis meses. Seu último emprego foi assessorando a campanha de um candidato a deputado federal. Desde então, ela chegou a fazer seis entrevistas de emprego – todas encontradas em sites de buscas –, mas não foi chamada para nenhuma vaga. “Ou era qualificada demais, ou não tinha a qualificação necessária”, conta.
Quando se formou, em agosto de 2018, Ana conseguiu emprego rapidamente, mas como assistente de logística de uma empresa de transporte de passageiros. “Sempre me interessei pela área, mas continuava procurando emprego no jornalismo, apesar de eu não encontrar.” O emprego durou quatro meses e, em janeiro, ela foi demitida após um processo de corte de gastos da empresa.
Atualmente, Ana voltou a procurar emprego em outras áreas, mas está encontrando dificuldades com os salários propostos. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a jornalista faz parte da faixa etária que mais tem dificuldades para encontrar emprego: mais de um quarto dos brasileiros de 18 a 24 anos estão desempregados.
Quem também está sempre ligada em vagas anunciadas na internet é a recém-formada Laíza Amélia, de 28. Bacharel em ciências contábeis desde dezembro do ano passado e mãe de uma menina de 7 anos, ela conta que em um só dia já chegou a mandar currículo para mais de 30 empresas. “É frustrante, principalmente para nós, de classe média baixa, conseguir se formar em um curso superior e não arranjar emprego depois”, desabafa. Laíza trabalha desde os 16 anos, quando arrumou uma vaga de atendente no McDonald’s.
Atualmente, para se sustentar e à filha, Laíza ajuda a família na produção de salgadinhos. Enquanto isso, além de procurar emprego, estuda para o concurso de agente da Guarda Municipal. “Tenho esperança de, na menor faixa de tempo, já ter um emprego. Mas a gente vê que a população está descrente.”
ENSINO MÉDIO
Renato Gil, de 35, faz parte do índice do Ipea que aponta que 57% dos brasileiros sem ensino superior estão desempregados. Seu último emprego foi em agosto de 2016, quando foi demitido de uma empresa que prestava serviço de segurança para a Receita Estadual. Com a crise do estado, o governo cortou o orçamento e Renato foi pra rua.
Patrícia Lima, de 27, também não tem curso superior. Mãe de uma menina de 8 anos, ela está desempregada desde dezembro, quando acabou saindo da casa onde trabalhava como empregada doméstica. Lá, não chegou a ter a carteira assinada. Quando entrou no trabalho, em agosto de 2018, fez um acordo com a patroa e as duas decidiram iniciar uma “experiência” de seis meses. “Não deu certo e, quando chegou no final do ano, acabei saindo”, conta.
Patrícia é do tipo “faz de tudo”. Já trabalhou como atendente, auxiliar de cozinha e recepcionista de restaurante. Atualmente, faz faxina como forma de conseguir o sustento. Mesmo assim, passa dificuldade, já que as demandas não aparecem frequentemente. Além disso, ela divide seu tempo procurando emprego com conhecidos. “Fui em várias lojas de roupas, nas agências (de emprego), enviei currículo para telemarketing, restaurante, enviei e-mail, já fui em loja e até hoje ninguém me chamou”, suspira, com a voz cansada.
Mesmo com a dificuldade atual, Patrícia garante que já passou por maus bocados. Em 2015, chegou a ficar um ano e meio desempregada. Nesse período, teve que se virar com a faxina para conseguir bancar seu dia a dia e de sua filha, que, atualmente, estuda em escola integral. Ela conta que chegou a ir ao Sine, mas não gostou de lá. “Eles nunca chamam. Ninguém que eu conheço conseguiu emprego lá”, reclama.
TRÊS ANOS DE ESPERA
Com dois filhos, de 15 e 17 anos, Wagner Marcelino, de 45, é considerado uma exceção no universo dos desempregados neste Dia do Trabalho. Em fevereiro deste ano, foi avisado pelo cunhado de que havia uma vaga no Sine para motorista de caminhão. Elaborou seu perfil para concorrer à vaga. Logo depois, participou de um processo seletivo da empresa e foi contratado. Agora, ele recebe direitos garantidos pela CLT, como carteira assinada e plano de saúde.
Mas não foi fácil chegar até aqui: ele demorou quase três anos para conseguir uma vaga. Motorista profissional há mais de 20 anos, foi demitido em 2016 da empresa de ônibus onde trabalhava. Desde então, começou a procurar emprego em outras companhias, mas não obteve sucesso, até que começou a trabalhar como motorista de aplicativo de transporte.
‘QUEM NÃO TEM CÃO...’
Augusto Henrique Meiva da Silva passou cinco anos na faculdade, seu sonho era ser um engenheiro de produção. Durante esse período, chegou a fazer dois estágios e acreditava que estava no caminho certo. Em dezembro de 2017, formou-se e, enfim, era um engenheiro. Começou a procurar emprego, enviar currículo, e-mails e perguntar a conhecidos se sabiam de vagas. A resposta, porém, era sempre a mesma: não. Passou oito meses procurando emprego, até que decidiu juntar o útil ao agradável e dar um basta naquele impasse.
Há alguns anos, Augusto havia feito um intercâmbio nos EUA, onde obteve o certificado TOEFL, que comprova a proficiência em inglês. Assim, optou por retornar à escola onde aprendera a língua no Brasil e apresentou o currículo aos diretores. Foi contratado em agosto de 2018, onde está até hoje lecionando e tem acesso aos direitos trabalhistas, inclusive a carteira de trabalho assinada.
Apesar do emprego garantido, em janeiro deste ano, Augusto voltou a procurar emprego na engenharia. Desde então, já participou de 10 processos seletivos, teve sete respostas negativas e aguarda outras três. “Minha intenção é conciliar as duas coisas que eu gosto de fazer: trabalhar de dia como engenheiro e, de noite, como professor de inglês”.
DESEMPREGADOS DE 40 A 59 ANOS REPRESENTAM 6,9% DO TOTAL DE DESOCUPADOS
"É frustrante, principalmente para nós, de classe média baixa, conseguir se formar em um curso superior e não arranjar emprego depois”
. Laíza Amélia,
28 anos, formada em ciências contábeis
"Não compensa pagar metade do meu salário para contratar alguém para cuidar da minha filha. Estaria pagando para trabalhar”
. Renato Gil,
35 anos, motorista autônomo e segurança
"Fui a várias lojas de roupas, nas agências (de emprego), enviei currículo para telemarketing, restaurante, enviei e-mail e até hoje ninguém me chamou”
. Patrícia Lima,
27 anos, sem curso superior, busca vaga em diversas atividades
"Cheguei a fazer seis entrevistas de emprego, mas não fui chamada para nenhuma vaga. Ou era qualificada demais, ou não tinha a qualificação necessária”
. Ana Carolina Dias,
23 anos, jornalista
*Estagiário sob supervisão do editor Renato Scapolatempore