São Paulo – O agronegócio, pauta de destaque das exportações brasileiras, dá trabalho. Dependendo da quantidade de chuva, pode afetar a quantidade de açúcares na cana-de-açúcar ou alterar o ciclo de germinação de uma semente.
Se a temperatura cai ou sobe muito para uma determinada cultura, os reflexos serão vistos na hora da colheita. A inseminação de vacas também precisa das condições certas para ter maior chance de fertilização. Sem contar, é claro, o fator humano.
Um trabalhador mal treinado ou desatento pode resultar em perdas imperceptíveis para os leigos, mas que terá o seu peso na última linha do balanço de uma propriedade rural.
Mas a rotina de quem vive no campo é cada vez menos surpreendida por incertezas. Os sobressaltos têm sido cada vez menores graças à era da inovação.
Empresas vêm se dedicando a buscar soluções para aumentar a previsibilidade e aumentar riscos. Na Agrishow, maior feira do agronegócio, realizada nesta semana em Ribeirão Preto (SP), os principais destaques são as soluções tecnológicas.
As inovações apresentadas durante o evento por multinacionais e agritechs brasileiras disputaram a atenção dos visitantes tanto ou mais do que os tradicionais anúncios de crédito para o agronegócio. Afinal, para quem é do setor, conhecer novas possibilidades de aumentar a produtividade é uma aposta na dependência menor dos bancos.
AI sobre rodas
Uma das novidades apresentadas em Ribeirão Preto é um sistema que faz o reconhecimento facial de motoristas de frota durante o trabalho. Com o apoio da inteligência artificial (AI), as imagens registradas em tempo real por câmeras – uma direcionada para o rosto do condutor e outra para a pista – são interpretadas e é possível saber o grau de atenção ao volante.
Qualquer sinal de cansaço (aquela conhecida “pescada” quando o sono aperta) ou distração, como fumar ou falar ao celular, é registrado pelas câmeras, que geram uma espécie de alerta tanto para o motorista quanto para a central de monitoramento dos veículos da propriedade.
Diretor-geral da Veltec, Dalton Conselvan conta que a empresa tem como origem o trabalho desenvolvido a partir da telemetria para veículos de frota, como ônibus e caminhões. Só que até agora as análises tinham de ser feitas a partir do monitoramento humano das imagens gravadas e da análise de indicadores como movimentos bruscos do motorista – equipes assistiam aos vídeos para saber o que houve de errado e assim pensar em estratégias para aumentar a segurança e reduzir os custos com combustível e de manutenção dos veículos.
Um primeiro teste com o novo sistema, o Vsafe, que utiliza inteligência artificial, foi feito com uma empresa de ônibus, com 800 veículos e uma equipe de monitoramento de 15 pessoas, que só conseguia assistir a 5% das viagens.
“Pensamos em uma forma de usar a AI para trazer apenas imagens que interessassem em vez de todo o trajeto. Em vez de oito horas de viagens, só seriam vistas as situações diferentes”, lembra. Com a instalação das câmeras, a AI interpretaria sinais de fadiga ou distração do motorista e comportamentos como aproximação exagerada do veículo da frente ou a condução por cima da faixa contínua da estrada.
Economia de tempo
Com o novo sistema, o cliente só vê o que precisa. Se motorista está fadigado, são emitidos alertas visuais e sonoros e um aviso é enviado ao centro de comando de frota. “Ao receber vídeos de no máximo um minuto, essa mesma empresa com 800 ônibus aumentou a eficiência e está migrando aos poucos para o novo sistema. Ela conseguirá monitorar 100% dos eventos com menos da metade da equipe”, explica o diretor-executivo.
A Veltec, que no final do ano passado foi adquirida pela multinacional Trimble, também já comercializou o Vsafe para empresas que utilizam frotas de caminhões e de carros. No agronegócio, a novidade já está sendo usada em veículos de transporte de cana-de-açúcar e de grãos.
Conselvan se diz otimista quanto ao futuro do novo produto. Com a telemetria tradicional, a redução de acidentes em uma das empresas de caminhões chegou a 86%. O executivo acredita que será possível diminuir ainda mais esse índice com a ajuda da inteligência artificial.
A Agrosystem foi fundada quando a tecnologia tinha presenças pontuais nas empresas, em 1989. Com o passar do tempo, conta Carlos Henrique Jacintho Andrade, CEO e fundador da empresa, foi preciso fazer uma série de transições.
Uma das pioneiras em agrometeorologia e agricultura de precisão no país, a empresa fez uma parceria com a americana DTN, maior prestadora de serviços meteorológicos comerciais do mundo, e lançou na Agrishow a AgrosystemCloud. A plataforma oferece aos agricultores previsões meteorológicas mais precisas, baseadas no produto WeatherSentry Agriculture Global Edition da DTN, muito conhecido nos EUA por fornecer dados climáticos de alta precisão.
Para tornar o sistema mais eficiente, é utilizada uma plataforma com estações meteorológicas nas fazendas, que coletam dados muito localizados e precisos. Essas informações são processadas por uma tecnologia chamada Adaptative Learning, que compara os dados previstos com os que foram de fato observados para determinar o melhor modelo meteorológico a ser utilizado.
Alta precisão
Com a nova plataforma, os agricultores terão acesso a previsões meteorológicas de alta precisão para as próximas 72 horas e 15 dias, e poderão contar com observações contínuas especificamente para a propriedade rural, como informações de umidade do solo. Com o novo produto, a previsão da Agrosystem é que seu faturamento cresça 50% em 2019.
“O Brasil é top de linha, um produtor altamente profissionalizado. Mas o produtor terá cada vez mais que pensar nos investimentos para aumentar a produtividade da porteira para dentro e ter um custo menor por tonelada”, afirma Carlos Andrade.
As evoluções no campo, lembra o executivo, são cada vez mais rápidas e de maior impacto. O tema climático, apesar de ser tradicionalmente decisivo nesse negócio, passou a ser dominado graças aos avanços tecnológicos. Hoje, a partir de softwares de última geração, é possível “conversar” com o maquinário, semear ou aplicar agrotóxicos levando em consideração temperatura, velocidade do vendo e umidade relativa do ar de forma ainda mais precisa. “Perder uma área aplicada é muito caro para o produtor. Esse tipo de tecnologia ajuda a decidir a hora certa de aplicar.”
O cobiçado setor do agronegócio
Apesar de a tecnologia ser a estrela do agronegócio, a possibilidade de obter recursos financeiros para expandir a produção também tem o seu protagonismo no setor. O Banco do Brasil, principal financiador do agronegócio do país, resolveu juntar inovação e dinheiro no anúncio feito na Agrishow.
Além de divulgar uma linha de R$ 1 bilhão para propostas feitas durante a feira, que termina amanhã, o banco anunciou que vai lançar uma nova função no aplicativo Agrobot, em parceria com a Climatempo, com informações meteorológicas para os clientes do agronegócio, integradas às soluções digitais oferecidas pela instituição financeira.
Usuários do app Agrobot, que hoje já utilizam sua funcionalidade para ter informações sobre sua produção e análises personalizadas sobre o negócio, vão poder consultar dados sobre o clima em tempo real, além de previsões e históricos fornecidos pela Climatempo.
Com investimentos como esse, as instituições financeiras estão de olho na fidelização e na captação de clientes no agronegócio. O potencial é grande, mesmo com a baixa atividade econômica do país. Dados divulgados pela InvestSP, agência paulista de promoção de investimentos, a cadeia do agronegócio lidera entre os setores que possuem maior potencial para receber investimentos e gerar empregos no estado de São Paulo. Hoje, há 28 projetos voltados mapeados com potencial de atrair R$ 3,4 bilhões em investimentos e gerar por volta de 6 mil postos de trabalho.
Além desses projetos identificados, há outros sete investimentos na cadeia do agronegócio já aprovados. Juntos, eles somam R$ 75,5 milhões e devem gerar em torno de 720 empregos.
A SP Ventures, empresa de gestão e condução de investimentos em venture capital no Brasil, é responsável pelos aportes do Fundo de Inovação Paulista (FIP). Esse veículo conta com aporte de recursos da Desenvolve SP, Finep, Fapesp, Sebrae- SP e Jive Investments.
O patrimônio, hoje de R$ 105 milhões, é destinado a startups voltadas ao agronegócio, saúde e finanças. A maior parte dos recursos é para as agritechs, com portfólio de investimento concentrado junto ao Agtech Valley, polo de empreendedorismo agrícola localizado em Piracicaba (SP).
Segundo Francisco Jardim, sócio da SP Ventures, hoje a empresa já é reconhecida como líder global entre os investidores em agritechs se for considerado o segmento das tecnologias voltadas à agricultura tropical.