São Paulo – As duas maiores tragédias da história da mineração do país, a de Mariana, em 2015, e a de Brumadinho, no começo deste ano, reacenderam o debate em torno da importância do setor para a economia do país e dos estados que dependem da extração mineral, como Minas Gerais e Pará.
A conclusão, quase unânime, é a de que, sem a mineração ocorreriam outras catástrofes em várias partes do país, principalmente econômicas, fiscais e sociais. “É impensável para o Brasil e para Minas Gerais abrir mão da atividade da mineração, uma indústria que representa cerca de 4% do PIB brasileiro e 8% das riquezas geradas em território mineiro”, afirma Rinaldo Mancin, diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
“A extração mineral tem hoje um portfólio de quase uma centena de produtos, sendo a principal atividade econômica de muitas regiões distantes dos grandes centros e inviáveis para outros segmentos produtivos. Afinal, não se pode mover uma reserva de minério de um local para outro”, acrescenta o executivo.
Os números comprovam esse cenário. Um recente estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) aponta que a atual crise da mineração, causada pela paralisação das atividades da mineradora Samarco e de parte da produção da Vale, pode levar, entre 2019 e 2021, a uma queda de 130 milhões de toneladas na produção de dezenas de minerais, sobretudo minério de ferro.
A hipotética retração causaria a extinção de 1,48 milhão de postos de trabalho somente em Minas Gerais. O contingente de trabalhadores corresponde a mais de 11% do total de desempregados no país, cujo total passa de 12 milhões de pessoas. Com isso, pode haver uma queda de R$ 6 bilhões na arrecadação do estado com impostos, uma retração de 27% no PIB industrial e uma redução de R$ 27 bilhões na massa salarial no estado, gerando uma queda de 12% do PIB em três anos.
“Seria um completo colapso. Não há como imaginar Minas Gerais sem a mineração, tanto sob a ótica da economia quanto pela influência da atividade na qualidade de vida da população e da sustentabilidade das finanças dos municípios”, disse o ex-presidente da Samarco, Roberto Carvalho, pouco antes de se aposentar, no ano passado.
Uma cruzada contra o setor de mineração é especialmente preocupante para os municípios. De acordo com o Ibram, embora as cidades paraenses de Parauapebas e Canaã dos Carajás sejam as que mais dependem dos recursos provenientes da extração mineral, Minas Gerais tem 11 municípios entre os 15 do ranking que mais arrecadam com a chamada Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM).
No ano passado, os cofres de Nova Lima – cidade que mais se beneficiou com repasses desse tributo em Minas Gerais – receberam quase R$ 173 milhões, dinheiro que sustenta escolas, hospitais, limpeza urbana e segurança pública. No caso de Mariana, que recebeu R$ 106,1 milhões pelo CFEM em 2018, a inatividade da Samarco resultou em uma queda de 26% na arrecadação e fez o desemprego disparar de 6%, antes do rompimento da barragem de Fundão, para os atuais 27%.
“Estamos vivendo o caos. Sem a mineração, os estragos econômicos e sociais serão gigantescos”, diz o prefeito de Mariana, Duarte Júnior. “Todos dizem que precisamos reduzir nossa dependência da mineração, e isso é verdade.”
O dado mais preocupante em torno da crise da mineração não está nos balanços das gigantes do setor, como Vale, CSN, Samarco, ArcelorMittal, MMX e Usiminas. O problema é que, a cada emprego fechado na mineração, outros 13 são eliminados dentro da cadeia produtiva do setor – gerando um efeito cascata em toda a economia mineira.
Não se trata apenas de conjecturas e projeções, mas uma realidade atual. Um estudo da Associação de Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig) aponta que o corte de 40 milhões de toneladas na extração de minério de ferro anunciado pela Vale vai tirar R$ 7,7 bilhões da balança comercial de Minas Gerais já neste ano.
Além disso, as paralisações das operações das minas de Timbopeba, no município de Ouro Preto, e de Alegria Sul, em Mariana, determinadas pela Justiça, afetarão em mais R$ 4,4 bilhões a balança comercial. Juntas, essas reservas têm capacidade de produzir 22,8 milhões toneladas de minério de ferro por ano. Segundo o presidente da Amig e prefeito de Nova Lima, Vitor Penido, uma eventual redução da atividade de mineração em áreas consideradas de alto risco precisa ser promovida de forma gradual. “Não pode haver uma redução drástica da atividade sem planejamento, principalmente em uma fase de grandes desafios fiscais para todo o país”.
É inegável que o setor de mineração não pode, em nenhuma hipótese, seguir suas atividades sem garantir a total segurança de suas operações e barragens. Por outro lado, qualquer planejamento de mudança precisa, segundo especialistas, levar em conta a importância da atividade para a saúde dos recursos púbicos e da geração de renda para as famílias mineiras.
Na avaliação do consultor de Relações Institucionais da Amig, Waldir Salvador, a interrupção das atividades pode instaurar um caos social nas cidades mineradoras. “Sem planejamento, cidades sofrerão de forma drástica com o colapso na arrecadação e, consequentemente, com a prestação de serviços básicos como saúde, educação, infraestrutura”, afirma.
Perdas da Vale
A Vale informou ontem que registrou prejuízo de R$ 6,4 bilhões no primeiro trimestre deste ano. Os números são os primeiros divulgados pela mineradora após a tragédia de Brumadinho, em Minas Gerais, que incorporam as perdas financeiras provocadas pela ruptura da barragem. No balanço dos primeiros três meses deste ano, a Vale reconheceu que o impacto financeiro da tragédia de Brumadinho foi de R$ 19 bilhões no seu Ebitda (resultado operacional medido pelo lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização). Apenas com provisões relacionadas com a tragédia a companhia diz ter reservado R$ 17,315 bilhões.
Os gastos mencionados ocorreram apenas no primeiro trimestre e a companhia informou que não é possível avaliar futuros desembolsos. “No estágio atual das investigações, apurações das causas e possíveis ações de terceiros contra a Vale, não é possível determinar todos os custos que podem ser incorridos em decorrência do evento”, cita o balanço do primeiro trimestre.
Entrevista - Rinaldo Mancin/diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram)
“Impossível imaginar MG sem a mineração”
A crise da mineração tem qual efeito prático sobre a economia?
A mineração é base para outras indústrias. A paralisação ou queda da produção impacta em, pelo menos, outros 22 setores. Entre eles, destaco a siderurgia, a alimentação e o turismo. Qualquer mudança em uma atividade que responde por 4% do PIB nacional e 8% do PIB de Minas Gerais precisa ser bem analisada. O Brasil, sendo um dos maiores produtores de minérios do mundo, pode influenciar até a economia global.
Mas não é aceitável que as empresas continuem operando com barragens inseguras.
É verdade, mas também não é possível imaginar a economia de Minas Gerais sem a mineração. A geração de rejeitos é inerente ao setor. Há um movimento mundial para revisar e aprimorar os padrões atuais de segurança. O Brasil está em linha. Isso será fundamental para o setor recuperar a confiança da sociedade. As empresas precisam estar abertas ao diálogo e mostrar, de forma clara e objetiva, que é possível conciliar a mineração com desenvolvimento econômico e social, com proteção ambiental e políticas que beneficiem a sociedade em longo prazo.
Qual é o cenário para o setor?
O cenário é promissor e coincide com a troca de governo e uma agenda pró-setor produtivo. Estamos confiantes que houve um amadurecimento de toda a cadeia e que, a partir de agora, as coisas tendem a melhorar. Claro que existem entraves que precisam ser resolvidos, mas isso já está encaminhado.
Que entraves são esses?
Além do aprimoramento dos padrões e procedimentos de segurança, temos duas questões cruciais para o desenvolvimento da atividade: financiamentos e licenciamento ambiental. No caso dos financiamentos, o Brasil ainda não tem fontes de recursos adequados aos portes dos projetos da mineração. As empresas acabam sendo obrigadas a buscar dinheiro lá fora, em países como Canadá. Já no quesito dos licenciamentos ambientais, isso é feito com pouca inteligência e pouca visão estratégica. O Brasil ainda está preso a uma estrutura de licenciamentos de 30 anos atrás, com uma infinidade de papéis, carimbos e protocolos. Isso tem que mudar.