O vice-presidente executivo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Paulo Afonso Ferreira, afirma que o futuro da nação está nas mãos do Congresso Nacional, ao qual caberá decidir sobre as mudanças nas regras previdenciárias. Ele diz que confia no patriotismo e no bom senso dos parlamentares para a aprovação de uma proposta justa e sustentável, que permitirá a limitação dos gastos públicos e a retomada dos investimentos no país. O executivo destaca que a população, gradativamente, tem tomado consciência da importância da reforma da Previdência. A última pesquisa CNI-Ibope, divulgada no início de maio, mostra que 59% dos brasileiros concordam com a necessidade de reformar o sistema previdenciário.
Ainda segundo o levantamento, o apoio à fixação de uma idade mínima tem crescido. Em 2015, 65% das pessoas concordavam com essa medida. “Em 2019, esse número subiu para 72%. Também temos percebido uma maior consciência da população quanto ao fato de que, como os brasileiros estão vivendo cada vez mais, é preciso e possível que as pessoas se aposentem um pouco mais tarde”, defende.
Na visão de Ferreira, o modelo atual é financeiramente inviável, injusto do ponto de vista social e desalinhado com as transformações demográficas. Tanto é que, em 2018, as despesas previdenciárias atingiram 14,6% do Produto Interno Bruto (PIB), nível considerado elevado para um país com população jovem. Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que apenas 9% dos brasileiros têm, atualmente, mais de 65 anos de idade.
“Como base de comparação, Portugal (que tem quase 20% da população com mais de 65 anos), gasta em torno de 13% do PIB com Previdência”, compara o empresário, que acrescenta: “Como as transformações demográficas devem se intensificar nas próximas décadas no Brasil, o IBGE projeta que a participação de idosos na população deve quase triplicar até 2060, quando um pouco mais de um quarto da população brasileira terá 65 anos ou mais”.
Infraestrutura Se as despesas previdenciárias não forem freadas, o país não terá condições de suportar o pagamento dos benefícios. Apenas com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), os gastos subirão de 8,6% do PIB, em 2018, para 16,4% do PIB, em 2060.
“Quando as despesas previdenciárias consomem a maior parte do Orçamento, faltam verbas para saúde, educação, segurança e infraestrutura, por exemplo”, explica Ferreira.
“Especialmente no que se refere à saúde, é preciso ter em mente que o aumento da participação de idosos na população exigirá mais recursos”, afirma.
A reforma proposta pelo governo corrige injustiças e adapta as regras ao aumento da expectativa de vida, segundo ele. Além disso, o texto iguala as regras entre os trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos, diminuindo as distorções do regime. O valor da aposentadoria média dos funcionários públicos do Poder Executivo é mais de seis vezes superior ao obtido pelos trabalhadores da iniciativa privada.
“Se considerarmos os valores de aposentadorias de servidores dos outros poderes, a diferença é ainda maior: chega a quase 14 vezes no caso do Judiciário e a mais de 21 vezes no caso do Legislativo”, ressalta o vice-presidente da CNI.
“Com a aprovação da proposta de reforma da Previdência, todos estarão sujeitos ao teto do Regime Geral de Previdência Social”, enfatiza. Ele ressalta ainda que, mesmo que o país tenha passado pela mais profunda e longa recessão de sua história, ainda há um ritmo lento de crescimento “com dificuldades para reencontrar o curso correto e se recuperar plenamente”.
“Esse cenário é resultado, sobretudo, da crítica situação fiscal do país. O endividamento público cresce desde 2014 e já se aproxima de 80% do Produto Interno Bruto. Com déficits recorrentes nas suas contas, o Estado brasileiro perdeu as condições de impulsionar a reativação da economia”, justifica.
Convencimento “A CNI tem feito a sua parte nesse esforço”, destaca Ferreira. Segundo ele, a entidade vem realizando campanhas de convencimento da sociedade para a importância da reforma. “Além disso, estamos em permanente contato com os parlamentares e demais agentes públicos com a intenção de debater a proposta em tramitação no Congresso Nacional, chamando a atenção para a urgência em aprová-la”, aponta.
Ele defende também que, além da Previdência, sejam removidos os excessos de burocracia e os obstáculos para o crescimento econômico, dando condições para o fortalecimento da iniciativa privada. Para ele, se o quadro atual não for revertido, o Brasil estará preso à “armadilha” do baixo desenvolvimento.
Ferreira elogia o ministro da Economia, Paulo Guedes, que, segundo ele, tem trabalhado para a aprovação da reforma da Previdência e a adoção de uma agenda mais liberal. “O Brasil precisa se recuperar dos prejuízos causados por políticas erradas no passado e tomar medidas corretas daqui por diante para avançar rumo ao crescimento econômico”, argumenta.
Mudança é positiva para pequenas empresas
O diretor-técnico do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Bruno Quick, acredita que a reforma da Previdência vai restaurar a confiança dos consumidores e dos empresários na economia, com efeitos positivos para as pequenas e microempresas, que estão gerando novos postos de trabalho, apesar da crise.
Na avaliação dele, as mudanças nos regimes de pensões e de aposentadorias projetam maior segurança no futuro do país e podem provocar resultados imediatos, que seriam sentidos por meio da abertura de vagas tanto em pequenas cidades quanto nas capitais.
Segundo Quick, no primeiro trimestre deste ano, as pequenas empresas geraram 147 mil empregos. No mesmo período, as grandes companhias, devido aos ajustes operacionais, reduziram o número de vagas. Ele afirma, porém, que o cenário de incertezas sobre os rumos das finanças do país tem prejudicado a economia como um todo.
“O consumo das famílias no Brasil, que tem relação direta com o emprego, foi responsável por 63,9% da formação do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017. Essa relação aumentou para 64,3% no ano passado.
A queda na confiança, tanto do empresário quanto do consumidor e da pequena empresa, está cada vez maior, e precisamos fazer algo para frear isso”, diz. “Como o consumo das famílias é responsável por 2/3 do PIB, o crescimento fica parado”, completa.
Para ele, os benefícios da reforma da Previdência não se resumem aos empresários, mas repercutem em toda a cadeia produtiva. “Os dados mostram que 98,5% das empresas brasileiras são de pequeno porte (microempresas) e 54% do estoque de carteiras assinadas estão nesse segmento. Ou seja, temos uma relação direta da confiança com o emprego”, enfatiza.
Envelhecimento
No entender do presidente do Sebrae, Carlos Melles, o maior problema dos países democráticos é debater a questão do envelhecimento. “Traz a consequência da aposentadoria e da perda da força de trabalho”, afirma. Seja como for, ele acredita que a reforma da Previdência que está sendo proposta pelo governo será positiva, pois permitirá que o país entre nos eixos e a confiança dos agentes econômicos seja restabelecida.
Melles também ressalta a importância do microempreendedor individual (MEI), instituído há 10 anos. “Essa talvez seja uma das oportunidades para o Brasil ser um dos países mais modernos do mundo. A figura do MEI talvez seja uma libertação áurea da lei trabalhista e de inclusão das pessoas”, diz.
Flerte com a recessão
A reforma da Previdência é fundamental para evitar que o país mergulhe novamente em uma crise. Para a economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour, caso não haja a aprovação de uma proposta eficaz para equilibrar as contas públicas e dar confiança aos investidores, o Brasil voltará para uma profunda recessão.
Ela ressalta que o quadro é crítico e diz não acreditar que o país terá condições de crescer mais de 3% ao ano, mesmo após mudar as regras de aposentadorias e pensões.
Isso porque, segundo Solange, o país não tem um ambiente adequado de negócios para atrair aplicações. Solange entende que a agenda para melhorar a economia é ampla e está atrasada. “Acho que a reforma da Previdência é uma condição necessária para o Brasil crescer. Mas, de jeito nenhum, uma condição suficiente”, defende.
“O Brasil tem um histórico de baixíssima produtividade. O país tem um estoque de capital num nível extremamente baixo pela falta de investimentos. Perdemos o bônus demográfico, período em que população produtiva está crescendo. Os países que tiveram alta produtividade aproveitaram o bônus, fizeram investimento em infraestrutura, tecnologia e inovação. O Brasil não fez isso”, acrescenta.
Solange cita que, do Plano Real, em 1994, até 2016, o Produto Interno Bruto (PIB) por trabalhador cresceu 127% nos países emergentes, enquanto, no Brasil, a taxa foi de 18%. Os Estados Unidos, por sua vez, avançaram 48%.
“Acho que tem algo muito errado com o país e, por isso, precisamos ter uma agenda eficaz, que não é só do governo federal, mas também do Congresso. É um tema extremamente relevante”, argumenta.
A economista elenca uma série de problemas prioritários para serem discutidos após a concretização da reforma. Como o país está atrasado na agenda, quanto mais rápido o Congresso aprovar a proposta previdenciária, melhores serão as chances de adoção de medidas estruturantes. “Um dos nossos grandes problemas é o crédito. A alocação de recurso no Brasil sempre foi malfeita.
O Brasil teve algum avanço significativo com a agenda BC+ (do Banco Central) e do fim de Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), mas ainda não é uma alocação eficiente. O crédito não é direcionado para os projetos mais produtivos e, sim, para aqueles que os mais oportunistas conseguem vender”, diz.
Bancos
Solange alega que o Brasil concede, anualmente, um volume de crédito enorme, sem eficácia, e impede o crescimento do crédito privado. As condições de acesso ao crédito no Brasil, no Doing Business de 2019, mostraram que são uma das piores do mundo. Ela também destaca que os spreads bancários — a diferença entre a remuneração que o banco paga ao aplicador para captar um recurso e o quanto cobra para emprestar os recursos — são elevados.
No entender da economista, o crédito é caro porque a taxa de recuperação é baixíssima. “Se nos compararmos com outros países, estamos completamente fora da curva nesse quesito e fica difícil para os bancos não cobrarem por isso. Portanto, além de discutir tributos e concorrência bancária, temos que discutir legislação e como recuperar o crédito para baixar o spread”, defende.
Outro problema que também limita a produtividade é a abertura comercial. “O Brasil é uma economia fechada à importação de tecnologia e à concorrência. A eficiência das empresas é prejudicada por isso. Essa é uma agenda que tem uma parte independente do Congresso e que pode ser tocada pelo governo federal. Isso, porém, não está sendo feito ainda porque o foco está total na Previdência. Na minha opinião, é um problema que tem que ser atacado de forma mais rápida”, avalia Solange.
O Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo e não evoluiu significativamente durante as últimas décadas. A abertura terá que ser feita em linha com a simplificação tributária, para não sufocar as empresas brasileiras. O sistema de impostos do Brasil é complexo e gera disputa entre as unidades da Federação. “Primeiro, temos que acabar com a guerra fiscal entre os estados. O regime tributário é difícil, conturbado e leva a uma ineficiência alocativa absurda”, explica.