Diante da crise econômica e do alto e persistente desemprego no país, não só cresce o número de brasileiros que se aventuram no trabalho por conta própria quanto o universo de patrões que buscam trocar serviços para diminuir custos e evitar desembolso num momento de insegurança com o futuro.
É se virar para tentar vencer as dificuldades impostas por um Brasil que andou para trás no primeiro trimestre do ano, com encolhimento de 0,2% da economia e a pressão de 13,2 milhões de pessoas sem ocupação, segundo os dados divulgados na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Trabalhadores como Wericson Souza, de 23 anos, refletem bem a estatística preocupante. Depois de ter concluído o ensino médio, ele se matriculou no curso técnico de administração vinculado ao Sebrae. Com o diploma em mãos, espalhou currículos durante três meses, mas nunca chegou sequer a ser entrevistado.
Resistindo à frustração, decidiu antecipar a realização do sonho de empreender. “Comecei a produzir trufas, barras de chocolate e chup-chup cremoso, tudo com uso de matéria-prima nobre. Rebatizei os produtos com nomes criativos e criei a marca Provocatto Cacau.”
Dono de negócio próprio já estabelecido, o empresário Flávio Mendes Guimarães fez duas festas infantis para o filho sem tirar um centavo do bolso. E já está com passagens emitidas para uma viagem à África do Sul, no mesmo esquema. Ele apelou para uma receita mais requisitada num cenário marcado por arrocho financeiro e que se resume em duas palavras: permuta corporativa.
Duas das plataformas digitais mineiras especializadas na intermediação de permutas entre empresários e profissionais liberais contabilizam cerca de 1,6 mil associados. Tanto a Trokz quanto o Clube da Permuta adotam o mesmo sistema: o associado oferece seu produto ou serviço, e a cada contrato acertado ele fica com um crédito correspondente ao valor de mercado, que pode ser usado para troca direta ou adquirir algo de um terceiro associado.
Seja por necessidade ou para aproveitar uma oportunidade, o número de pequenos empreendedores vem crescendo no país. Os trabalhadores por conta própria somam 23,9 milhões e esse contingente cresceu 4,1% entre fevereiro e abril deste ano, frente ao mesmo período de 2018, de acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nesse período, 939 mil pessoas passaram a engrossar esse grupo da população.
Esse fenômeno tem sido mais presente nas estatísticas desde o início da recessão que o país enfrentou entre 2016 e 2017. O IBGE já havia observado incremento de 5,5% entre 2015 e 2017, quando o contingente de patrões do próprio negócio passou de 7,3 milhões para 7,7 milhões de pessoas.
Wericson Souza, que produz cerca de 1 mil unidades de trufas, barrinhas e chup-chups por mês, diz que trabalhar 10 horas por dia, em média, e que uma das dificuldades do negócio é se organizar para dar conta de muitos papéis: produzir, comercializar, fazer a gestão financeira, mas ele pensa grande: “Quero investir mais em capacitação com o objetivo de, num futuro breve, levar a marca a ficar famosa, quem sabe até transformá-la em uma franquia”, conta.
Transformação
Para Felipe Brandão, gerente de Inteligência Empresarial do Sebrae Minas, não só o Brasil, mas o mundo passam por mudança expressiva no mercado de trabalho.
“O avanço tecnológico está transformando os modelos de negócios, reduzindo a necessidade de mão de obra em muitos setores, mas abrindo oportunidades para novos empreendimentos”, destaca.
Outro dado que aponta para a tendência de crescimento de pequenos negócios no país vem da formalização. Nos quatro primeiros meses do ano, só em Minas Gerais, mais de 2 mil empreendedores se cadastraram no programa Microempreendedores Individuais (MEI). Segundo o Sebrae, o Estado acumula mais de 941 mil empreendedores formalizados, 11% dos MEIs do país.
“A tendência engloba tanto pessoas que empreendem por necessidade, para gerar uma alternativa de renda frente ao desemprego, quanto àquelas que enxergam um nicho de negócio e optam por trocar o mercado formal por uma nova oportunidade”, afirma Bárbara Castro, analista de Inteligência Empresarial do Sebrae.
Ainda como resultado da opção oferecida pela permuta de serviços, Pedro Guerra Bezerra já garantiu publicidade, bebida e seguranças para o salão de festas que montou na capital. Proprietário da Casa do Sol, ele entrou no Clube da Permuta há dois anos, e desde então não só “vendeu” festas infantis, mas conheceu produtos e serviços que, segundo ele, puderam agregar ao seu negócio, sem falar nos novos clientes que conquistou desde então.
Integração
O empresário ressalta que cerca de 10% de seus gastos hoje são feitos por meio de permuta. Na visão de Pedro Bezerra, além de propiciar uma integração entre o empresariado, é possível compartilhar experiências de negócios. Indicado por um cliente que praticava a permuta, Flávio Mendes Guimarães, da Aluclass – empresa de esquadrias e instalações –, pontua economia de 12% nas compras efetuadas pela empresa.
Atualmente, 7% das negociações são feitas por intermédio de plataforma de trocas corporativas. O produto comercializado por Flávio Mendes atende basicamente construtoras, mas com os créditos que acumula já adquiriu apartamento, fez festas para o filho, comprou material de limpeza, alimentação para funcionários e produtos de supermercado. “As possibilidades são grandes. Basta fazer bom uso delas”, ensina.
Renovar é chamariz de clientes
Alternativas de empreendedorismo relacionadas ao comércio e ao consumo mais sustentável também despontam no cenário de crise e desemprego. Exemplo emblemático vem do segmento moda: no lugar de lojas que vendem coleções novas a cada mudança de estação, os brechós apostam na revenda de produtos seminovos (ou muitas vezes nunca usados), com descontos expressivos.
Formada em relações públicas, Dairlane Decler Torres, de 44, deixou o emprego formal para investir no segmento. Em 2016, montou o brechó Quase Tudo Bazar na garagem da casa dos pais, em um espaço de 46 metros quadrados no Bairro Santa Tereza.
“Sempre gostei de moda e cheguei a emprestar o espaço para a realização de bazares de fim de semana, quando mirei a possibilidade de abir o próprio negócio. Muitos falaram para eu não arriscar, não abrir mão de um emprego fixo. Mas tive certeza do sucesso do negócio diante de um cenário em que está todo mundo cada vez mais apertado de dinheiro e vê no reuso de peças uma oportunidade para renovar o visual sem gastar muito.”
Este ano, Dairlane fez parceria com outra empreendedora, Silvana Ramos, do Meu brechó Silvana. Juntas, montaram um estoque atraente, com a média de 1 mil produtos femininos entre peças de vestuário, calçados e acessórios, cujos preços variam de R$ 7 a R$ 140.
A bióloga Angelina Rios, de 28 anos, se tornou cliente assídua do espaço. “Os preços são muito mais viáveis que no mercado tradicional. Diante da crise e das vacas magras, o brechó é uma alternativa que vale a pena. Hoje, digo que gasto média de R$ 60 e compro de quatro a cinco peças. Uma calça jeans que custaria R$ 120 na loja, por exemplo, custa R$ 30 no brechó. E a qualidade é a mesma”, justifica. (LV)
Gastos reduzidos
Quais são as vantagens de aderir às permutas corporativas? A resposta está na ponta da língua: “O empresário economiza seu caixa, pois não precisa desembolsar dinheiro. Ele ainda consegue diluir os custo fixos, ao pagar com o serviço.
Há ainda a possibilidade de criar uma rede de relacionamentos no mercado. Tem pessoas que estão conosco há sete anos, desde o início, e já conseguiram fazer um volume interessante de negócios”, comemora Leonardo Bortoletto, pioneiro no mercado de trocas corporativas. Ele contabiliza 19 franquias em nove estados brasileiros, apenas sete anos depois de ter criado o Clube de Permutas.
Todas elas têm o mesmo modelo de negócio: além da anuidade paga à associação, a plataforma recebe 10% sobre o valor de cada transação feita sob seu intermédio. “Criamos um ambiente dentro da plataforma para as pessoas juntarem os seus créditos. A troca não precisa ser feita automaticamente, e é possível comprar de outras empresas, o que chamamos de permuta multilateral”, diz Leonardo.
Outra empresa que gerencia e faz a intermediação de permutas corporativas multilaterais por meio de plataforma digital própria é a Trokz. Os associados têm acesso a bens e serviços de diversas empresas sem, contudo, onerar o caixa, equilibrando estoques em épocas de ociosidade e promovendo sua marca entre as empresas associadas, explica Francisco Diniz, sócio da plataforma.
Bruno Vereza se associou a uma plataforma há apenas seis meses, mas já sentiu a diferença no caixa da empresa: conseguiu reduzir os gastos em dinheiro da Studio 3K em 20%, e ainda contabiliza um aumento no faturamento entre 25% e 30%, graças à nova rede de relacionamentos.
Há cinco anos, com os primeiros sinais de crise econômica no país, o empresário Alexandre Elias Penido, proprietário da construtora Versátil, aderiu ao sistema de permutas. “Hoje temos como prática, antes de adquirir qualquer serviço ou bem, consultar a plataforma. Mesmo que o mercado hoje já esteja melhor, sempre será uma prática constante nossa.”