São Paulo – Alta inadimplência, ausência de informação sobre os clientes, insegurança jurídica. Não faltaram argumentos para justificar as altas taxas de juros cobradas pelos grandes bancos brasileiros nos últimos anos.
Desde ontem, no entanto, quando entraram em vigor as novas regras do chamado Cadastro Positivo, a falta de dados históricos sobre os tomadores de crédito não pode ser uma alegação para o Brasil se manter na vexatória vice-liderança mundial no ranking do spread (a diferença entre o que as instituições pagam para captar dinheiro e o que cobram quando o emprestam).
Desde ontem, no entanto, quando entraram em vigor as novas regras do chamado Cadastro Positivo, a falta de dados históricos sobre os tomadores de crédito não pode ser uma alegação para o Brasil se manter na vexatória vice-liderança mundial no ranking do spread (a diferença entre o que as instituições pagam para captar dinheiro e o que cobram quando o emprestam).
Nesse quesito, o país, com taxa de 39,6%, está atrás apenas da ilha africana de Madagascar, com 45%, segundo dados do Banco Mundial. A média mundial é de 5,4%. “As margens dos bancos brasileiros são absurdas e inaceitáveis para uma economia do nosso porte”, diz o economista Paulo Franco, professor de finanças da Fesp-SP.
Há, no entanto, quem enxergue as razões para as taxas acima do normal. “Historicamente, o alto índice de calote afeta diretamente os custos administrativos dos bancos brasileiros para emprestar”, alega o economista Vitor Vidal, da LCA Consultores, autor de um estudo sobre recuperação de crédito em parceria com a Fundação Getulio Vargas. “A expectativa é que isso (a queda do spread) ocorra em breve, pois o Cadastro Positivo já é uma realidade e vai melhorar a economia substancialmente”, acrescenta José Luiz Rodrigues, consultor na JL Rodrigues, Carlos Átila & Consultores.
De fato, a taxa básica de juros da economia está, já há algum tempo, no seu patamar mais baixo da história. Mesmo assim, os bancos brasileiros resistem em diminuir o spread. “Um dos problemas é que o Brasil é um dos piores do mundo para a recuperação de crédito”, afirma Fabian Valverde, sócio e cofundador da Paketá Crédito.
Vale lembrar que o Cadastro Positivo, além de apontar pendências, também observa o cumprimento de outras obrigações financeiras, como pagamento de contas recorrentes, entre outras dívidas quitadas. O serviço é gratuito e vale para todos com CPF ativo ou empresas inscritas no CNPJ. Aqueles que não quiserem participar têm o direito de solicitar que seus dados sejam excluídos do sistema a qualquer momento.
CONCORRÊNCIA
Soma-se a todos esses fatores a perspectiva de aumento da concorrência entre grandes bancos e fintechs com o Cadastro Positivo em vigor. Isso porque muitas pequenas instituições de crédito se sentirão mais seguras em emprestar para aqueles que forem considerados de baixo risco de inadimplência. “A nova lei estimulará a competição entre instituições financeiras e varejo, que poderão usar os dados exclusivamente para auxiliar a análise de crédito de forma mais justa e individualizada”, garante Valverde.
Até mesmo a Febraban, a federação dos bancos, que evitou polêmicas sobre o spread durante todo o processo de votação do Cadastro Positivo, divulgou em seu site um posicionamento favorável ao novo sistema. “A criação desse novo cadastro contendo informações sobre o histórico de crédito e o comportamento de pagamentos dos clientes, pessoas físicas e jurídicas que aderirem, permitirá que, ao longo do tempo, instituições financeiras, empresas prestadoras de serviços continuados, lojas de varejo e outras empresas possam ter melhores condições de avaliação e de concessão de crédito, com benefícios para todos”, diz a nota da federação.
Potencial para incrementar economia
Estudo da Serasa Experian sobre o impacto do Cadastro Positivo revela o potencial de injeção de R$ 1,3 trilhão na economia do país em uma década. Além disso, com as novas regras também se espera aumento de 0,54% ao ano no Produto Interno Bruto.
De acordo com a empresa, o sistema pode incluir mais 22,6 milhões de pessoas atualmente fora do mercado de crédito. Feito a partir de simulações baseadas em modelos estatísticos de score (nota de pontuação de crédito), o modelo pode beneficiar 137 milhões de brasileiros, o que representa 88,5% da população adulta do país.
O levantamento revela, ainda, redução de juros para 74% das pessoas acima de 18 anos que já têm acesso ao crédito. “O sistema é a melhor forma de saber o comportamento financeiro do consumidor e promover o crescimento sustentável do mercado de crédito”, diz o presidente da Serasa Experian América Latina, José Luiz Rossi.
Em relação ao crescimento do mercado de crédito, estima-se aumento de quase 20 pontos percentuais na relação entre estoque de crédito e PIB. A taxa saltaria dos atuais 47,4% para 67%, diz a Serasa. “Fizemos um estudo com consumidores das classes C, D e E. Com o Cadastro Positivo, a nota de crédito deles subiu em 70% dos casos. Isso significa que terão mais acesso a financiamento”, afirma Elias Sfeir, presidente da Associação Nacional dos Bureaus de Crédito.
Os setores de habitação e veículos deverão ser os principais favorecidos com o aguardado crescimento do mercado de financiamentos. A pesquisa da Serasa indica potencial de aumento de 5,6 milhões de unidades de residências populares financiadas, o que representaria volume de empréstimos adicional de R$ 1,1 trilhão. No segmento de automóveis, o mercado de financiamentos pode acrescentar mais 3,5 milhões de unidades. No total, a cifra significaria um volume de R$ 159 bilhões em novos empréstimos.
O que é bom para consumidores e bancos é melhor ainda para cerca de 2,5 milhões de micro, pequenos e médios empreendedores, que hoje não têm acesso a empréstimos por falta de histórico de pagamento. Com mais acesso a financiamentos para seus negócios, estima-se que as pequenas e médias empresas injetem R$ 180 bilhões na economia em 10 anos.
“O custo do crédito afeta diretamente os micros e pequenos empreendedores, que, muitas vezes, acabam recorrendo ao empréstimo para movimentar os negócios”, diz Francisco Ferreira, sócio-fundador da BizCapital, fintech de crédito para PMEs. “Ao optar pela fintech, os empreendedores que, muitas vezes, não têm crédito aberto junto aos bancos tradicionais encontram oportunidades de empréstimo mais rápido, com taxas mais acessíveis, viabilizando, assim, o crescimento do negócio.” Dados levantados pela própria empresa indicam que 90% dos pedidos de crédito da Biz são realizados por meio de cinco grandes bancos brasileiros.
INADIMPLÊNCIA
Além de não poder mais lamentar pela falta de informações, os bancos tendem, gradualmente, a observar queda nas taxas de inadimplência. Pesquisa baseada em experiências internacionais feita pelo International Finance Corporation (IFC) mostra que o Cadastro Positivo pode reduzir em até 45% a inadimplência, que, no Brasil, atinge cerca de 60 milhões de pessoas.
A associação estima uma injeção potencial de R$ 1,1 trilhão na economia brasileira com a aprovação do cadastro. Conforme a entidade, o novo sistema de avaliação de risco de crédito pode representar aumento do PIB em 0,54% ao ano.