São Paulo – Na mesa de um bar descolado no Jardim Paulistano, na capital paulista, Luiz Marcelo Calicchio, conhecido no mercado financeiro como Teco, ouviu pela primeira vez a ideia de Marcelo Kalim, que queria lançar um banco. Aquele bate-papo seria o embrião do C6 Bank, banco digital lançado oficialmente na segunda-feira, depois de meses rodando em estágio beta.
Depois de uma carreira no BTG, Calicchio deu um tempo – isso ocorreu cerca de um mês antes da prisão de André Esteves, fundador do banco, em uma das fases da Operação Lava-Jato. Ele usou o dinheiro da venda das ações da instituição financeira para montar um fundo e fez a gestão dos recursos da família enquanto lia, lia muito, durante dois anos e meio. O objetivo de tanto tempo dedicado à biblioteca era entender melhor a cultura empreendedora.
A proposta de Kalim, outro ex-BTG, também entusiasmou. E, assim, eles e mais alguns sócios começaram a desenhar qual seria o modelo de instituição financeira que criariam, a partir de março do ano passado.
META SECRETA
Assim como outros bancos que já estão em funcionamento há alguns anos, como Nubank, Original e Inter, o C6 tem toda a sua operação no digital. Até agora, entre funcionários e clientes da fase beta (iniciada em maio), já são 200 mil clientes. Calicchio não diz com qual meta de expansão trabalha, apenas dá pista que espera mais do que dobrar esse número até o fim do ano – “muito mais”, disse, em encontro com jornalistas.
À medida que a carteira de clientes, tanto pessoa física quanto jurídica, aumentar, o banqueiro acredita que novas demandas levarão o C6 a investir em mais produtos financeiros. Hoje, quem abre uma conta pelo aplicativo ainda encontra um portfólio enxuto. O principal atrativo deverá ser a decisão de não cobrar taxa de manutenção da conta correntes, nem de transferências e saques – que são ilimitados –, cartão múltiplo, portabilidade de salário e depósito por boleto.
Outro chamariz para tentar roubar clientes da concorrência ou chamar a atenção de quem ainda não tem vínculo com uma instituição financeira é o Taggy, um serviço para pagamento automático de pedágios sem mensalidade ou tarifa. Hoje, segundo o banco, de uma frota de 35 milhões de veículos, apenas em torno de 5 milhões adotaram algum tipo de dispositivo desse tipo.
Também tem chance de se tornar popular entre os correntistas o produto C6 Kick, que permite ao usuário transferir dinheiro por meio de SMS, sem taxa. O cliente informa o número do celular do beneficiário e o valor no aplicativo do C6 Bank. Ao receber a mensagem de texto com o link para o resgate do dinheiro, ele deve inserir os dados da conta em que deseja receber o recurso.
O banco oferece, ainda, a opção do cartão de crédito com um programa próprio de pontuação, em que os pontos são chamados de átomos – uma alusão ao nome do banco, que tem na letra C o símbolo do carbono e no 6 o seu número atômico.
Para a pessoa física, o banco já está oferecendo CDBs (o certificado de depósito bancário) com remuneração a partir de 100% do CDI (o certificado de depósito interbancário).
A forma encontrada para expandir os negócios entre as empresas foi por meio de agentes autônomos. Até agora, 130 deles já passaram por treinamentos (outros 800 estão à espera) e farão o contato presencial com esse público.
O público-alvo são pequenas e médias empresas com faturamento de R$ 500 mil a R$ 50 milhões por ano. Já no caso de MEIs (os microempreendedores individuais), a conta é aberta no aplicativo. O banco também vai oferecer as maquininhas de cartão a crédito, sem custo para quem passar acima de R$ 5 mil por mês em gastos.
MÚSICA ENCOMENDADA
A campanha de lançamento do C6 começou de forma subliminar, quando o banco decidiu encomendar uma música aos artistas Zeeba, Isadora e Mariana Dias, a It’s your life, baixada nas plataformas de streaming e executada durante a Game XP, maior evento de games do país, no mês passado, no Rio de Janeiro. Agora, com a apresentação oficial, além de associar a música ao banco, serão feitas ações na internet e na TV fechada.
As fotos da campanha foram feitas por Bob Wolfenson, conhecido pelas imagens para editoriais de moda, com a intenção de reforçar a proposta da instituição financeira de estar associada a um estilo de vida jovial. Apesar de usar jovens descolados na campanha, Calicchio diz que o banco não pretende atender a um nicho e que essa proposta serve para mexer com as aspirações de quem se identifica com a proposta. “O fato de ser um banco com vários serviços gratuitos mostra que queremos ir além e atender também quem procura esse tipo de vantagem. Um bom produto, que é de graça, penetra onde houver necessidade.”
Essa preocupação em ser uma instituição financeira abrangente está presente na interface do aplicativo, que envolveu a participação de 3.300 pessoas durante os testes, além de pesquisas realizadas na sede do banco, no Jardim Paulista (Zona Sul da capital), com 260 participantes, e 1.200 desenhos de telas para melhorar as ações dos usuários. Nessa fase de busca do melhor desenho de app, as fontes foram as mais diversificadas. Serviram para as pesquisas dos especialistas em Tecnologia da Informação (TI) e usabilidade aplicativos da Bíblia, iFood, Google Maps, Waze e Instagram, por exemplo.
TIME DO MIT
O time de tecnologia e segurança contou também com um reforço adicional vindo de uma equipe de especialistas do MIT (Massachusetts Institute of Technology), conhecida instituição de ensino dos Estados Unidos, por meio de visitas ao C6 e consultoria remota.
O C6 Bank começou a rodar com um aporte de R$ 500 milhões e Calicchio admite a necessidade de novos investidores à medida que a instituição crescer e, consequentemente, a demanda por recursos aumentar.
APESAR DA ECONOMIA
O banco passa a operar comercialmente em um momento ainda muito delicado da economia brasileira. Ontem, o Banco Central (BC) divulgou que a taxa de endividamento em relação à renda acumulada em 12 meses chegou em maio a 44,04%, o maior nível em três anos. Em maio do ano passado, esse número estava em 41,9%. Além disso, o país ainda não dá sinais de que vai reverter o alto índice de desemprego, o que compromete a renda das famílias e também afeta a expectativa de consumo. Apesar da fase difícil, Calicchio não considera que haja uma contaminação nos planos. “Os dados macroeconômicos não influenciaram o banco desde a sua concepção. O fato de decidirmos nos colocar em uma posição de iniciar um projeto ambicioso, que demandasse tamanho esforço, é a prova mais do que evidente de quanto acreditamos no país e na capacidade da população de alterar o seu curso”, diz o banqueiro.