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Estado de Minas Entrevista: Thierry Fournier - Presidente da Saint-Gobain para a América Latina

A retomada do crescimento deverá vir em 2020

Longas filas de espera refletem a estratégia adotada pela empresa nos últimos anos, de consolidar a marca sobre a reputação de bom atendimento e da qualidade dos produtos


07/08/2019 06:00 - atualizado 07/08/2019 07:53



(foto: Saint-Gobain/Divulgação )
(foto: Saint-Gobain/Divulgação )
São Paulo – 
O executivo francês Thierry Fournier, CEO do Grupo Saint-Gobain para a América Latina, comanda uma companhia tão diversificada quanto longeva, fundada em Paris, na França, em 1665. Sob seu comando estão marcas como Brasilit, Carborundum, Isover, Norton, PAM, Placo e Weber, além da rede varejista de materiais de construção Telhanorte e a maior fabricante de vidros automotivos do mundo, a Sekurit.

Com 57 fábricas no Brasil, 17 mil funcionários e mais de R$ 8,5 bilhões em vendas, Fournier dirige um conglomerado que é uma espécie de termômetro de toda a atividade econômica.

Para ele, o aguardado reaquecimento da economia, diante dos atrasos em aprovar reformas importantes, só ocorrerá em 2020.


Para muitas empresas, a transformação digital é um processo mais desafiador do que para outras, principalmente quando se trata de companhia tão antiga como a Saint-Gobain. Como isso tem sido feito?
Tem razão. Em uma empresa tão antiga, com mais de 350 anos de existência, é difícil mudar tudo de um dia para o outro. A jornada é longa. Começamos essa caminhada recrutando um profissional totalmente diferente, alguém que veio do mundo digital. Não vou citar nomes, porque não é isso o mais importante. Pedi para essa pessoa fazer cinco coisas.

Quais foram os pedidos?
Em primeiro lugar, falar com todos os nossos funcionários para explicar o que é digital no nosso mundo de hoje. Ele orientou desde os diretores-gerais até os operadores de linha em cada fábrica nossa no país. Foi um treinamento com cerca de 15 mil pessoas, durante dois anos e meio, justamente para explicar as redes sociais, e-commerce, a inspiração pelo digital, tudo isso que hoje conhecemos bem. A segunda missão foi explorar todas as ferramentas digitais possíveis para aprimorar nosso desempenho dentro e fora das fábricas. A terceira missão, posicionar nossas marcas nas redes sociais, junto com Instagram, Facebook, Twitter e tudo mais. Com isso, melhoramos bastante nossa relação com os clientes, com fornecedores e mesmo com colaboradores. A quarta missão foi usar melhor o sistema CRM, da Salesforce, alavancar melhor essa ferramenta. E, finalmente, a última missão, talvez a mais importante de todas, foi identificar com nossos clientes onde faria sentido interagir com nossa ferramenta digital. E tivemos resultados espetaculares. Mas isso tudo levou mais de 5 anos.

Qual foi a lição tirada desse longo processo de digitalização?
A mensagem que posso deixar é que as empresas, independentemente da área de atuação, idade ou porte, precisam de um plano, de pessoas certas para fazer o trabalho. Quem não é especialista nisso não vai conseguir virar a chave sozinho. Além disso, a transformação digital exige paciência, dedicação, resiliência. Não é simples nem fácil.


Qual é a maior dificuldade?
É entender como a sua transformação se encaixa com a necessidade dos clientes, das empresas parcerias e dos consumidores. Muitas empresas acham que digitalizar é só mudar coisas dentro de suas empresas, sem olhar para fora. Aí elas ficam pelo caminho. Quando se olha de perto as demandas de cada um, os pontos de vista são sempre diferentes. Realmente, entender como o cliente está caminhando é a parte mais difícil.
A crise dos últimos anos na economia brasileira afetou muitos setores em que a Saint-Gobain atua, como automotivo e construção civil. A crise prejudica ou acelera as transformações?
Nem prejudicou nem ajudou. A situação do mercado se resolve com táticas. Ou seja, quando a demanda cai, se ajusta o ritmo da produção, a capacidade produtiva, os preços e custos. Mas isso não tem nenhum impacto sobre a estratégia de longo prazo. A transformação digital é uma estratégia a longo prazo. Queira ou não, vai ocorrer.

A sobrevivência da empresa depende do sucesso dessas estratégias?
Vou responder olhando um pouco para o passado. A nossa empresa tem 354 anos de história. Desde o começo, a gente inventa o futuro. Não ficamos esperando as coisas acontecerem para depois ver o que temos de fazer. Estamos inventando o futuro desde 1665. Atualmente, estamos enfrentando a transformação digital, a indústria 4.0, esse tipo de coisa. Mas já enfrentamos duas guerras mundiais, enfrentamos a Revolução Francesa, enfrentamos a primeira revolução industrial, a segunda revolução industrial, a terceira revolução industrial e vamos enfrentar a quinta, a sexta, a oitava, a vigésima terceira. O segredo é nunca pensar que você já chegou ao seu ponto máximo, ao ápice. A longevidade de toda empresa é se reinventar o tempo todo, se antecipar, antes que o mundo mude de novo.

Mas como se antecipar em meio a transformações tão rápidas como as que estão ocorrendo?
A revolução digital está rápida e vai ficar cada vez mais veloz no futuro. Essa velocidade impõe a todos nós uma nova maneira de pensar, de aprender e se organizar. A forma de liderar será outra. Vai sobreviver quem estiver aberto e preparado para rever sua liderança. Hoje, não dá para saber tudo o que está ocorrendo numa empresa. O CEO, o diretor, os líderes têm que saber escalar seu time, gente que saiba mais do que ele, que seja melhor que o presidente. Não é mais como antigamente.


Por que a Saint-Gobain construiu um centro de pesquisa no Brasil? A ideia é diversificar os negócios em outros setores?
Não. Construímos por necessidade. Como 80% de nossas vendas são voltadas ao mercado local, precisamos de soluções e tecnologias locais. Uma placa de gesso fabricada no Brasil é diferente de uma placa de gesso fabricada e vendida em Miami. A mesma coisa vale para a fibra de vidro, a argamassa, entre uma infinidade de itens. Então, precisamos ter produtos adaptados à realidade do mercado em que a gente atua. Ter um centro de pesquisa nos ajuda a acelerar o desenvolvimento de produtos locais. É algo que ajuda bastante. Estou feliz com esse centro, que já comemorou o terceiro aniversário e que está na velocidade de cruzeiro em muitos projetos.

Por vender 80% da produção no mercado interno, como o senhor avalia a situação econômica do país?
O primeiro semestre foi muito bom. Esteve alinhado com o que estávamos esperando. Sabíamos que, após a eleição presidencial, haveria uma euforia nos mercados, uma onda de otimismo que ia beneficiar a atividade econômica. Ocorreu dessa forma. Mas sabíamos que o otimismo com o novo governo não ia durar o ano inteiro. Com isso, já estava nas contas um primeiro semestre mais aquecido e um segundo semestre mais duro. É exatamente o que está ocorrendo. Houve atraso na aprovação da reforma da Previdência, e ainda dependemos das reformas política e tributária. Mas agora, todas as discussões já estão na mesa.

Então uma retomada consistente da economia não virá neste ano?
Como a o segundo semestre vai ser um pouco difícil, a retomada do crescimento vai ocorrer em 2020. As contratações e os investimentos só voltarão a ocorrer quando o mercado enxergar o crescimento pela frente.

O plano de investimentos da Saint-Gobain mudou?
Não. Investimos no Brasil 100 milhões de euros por ano. Houve ano em que investimos 150, 200 milhões de euros, mas a média é algo em torno de R$ 500 milhões. Nunca paramos de investir em novas fábricas, em novas linhas, em novos processos e aumento de capacidade.


Dos setores em que a Saint-Gobain atua, quais terão recuperação mais rápida e quais vão demorar mais para reagir?
O setor automotivo, as vendas de carro no Brasil estão indo bem, crescendo entre 10% e 12% no acumulado do ano. O setor só não está melhor porque o Brasil exporta muito para a Argentina e, lá, as vendas de veículos despencaram. Já no setor da construção, podemos ver que os projetos estão de volta às mesas dos arquitetos e dos investidores. Há muitos projetos novos. O problema é que, para a Saint-Gobain, esse crescimento vai demorar mais para ser sentido. Como nossos produtos são voltados a fases de acabamento, só vamos sentir o reaquecimento a partir do ano que vem.

Como francês, qual é a sua visão do acordo de livre-comércio do Mercosul com a União Europeia?
De uma forma geral, estou um pouco pessimista em relação aos impactos iniciais. Atualmente, o Brasil é um dos países mais fechados e protegidos do mundo na questão comercial. Como consequência disso, a indústria não investe para ser competitiva lá fora. Não está em condições de competir com os gigantes internacionais. E a nossa competitividade vem piorando a cada ano. Por outro lado, o acordo será positivo no longo prazo. Uma economia aberta é sempre melhor do que uma economia fechada. Obriga todos a serem competitivos.

Como abrir a economia sem prejudicar as empresas?
O acordo do Mercosul com a União Europeia tem, por trás, muitas coisas políticas. Não tem só objetivos econômicos. Mas não vou entrar nas considerações políticas. O fato é que vai ser difícil para todo mundo no começo, mas, no final, vai ser bom para o Brasil, para a Argentina, para o Mercosul e para a Europa.



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