As academias de ginástica estão tendo que malhar para enfrentar a crise que reduziu a renda da população e o aumento da concorrência com a chegada de redes de baixo custo, a implantação de salas de musculação em clubes e condomínios residenciais e a instalação de aparelhos em praças públicas. Além da enorme legião de brasileiros que correm nas ruas. Um mercado que movimenta US$ 2,1 bilhões em todo o país, com 34,5 mil academias e 9,6 milhões de alunos/atletas, segundo dados do IHRSA Global Report 2019, passou por uma forte transformação nos últimos anos. De 2015 para 2017, o número de academias cresceu 11,3%, o de clientes aumentou 8,86%, mas o faturamento teve queda de 12,5%. A explicação é simples: a crise levou mais pessoas a buscar preços menores, enquanto o surgimento das low cost (baixo custo) permitiu que mais brasileiros buscassem as academias para se exercitar.
“A crise afetou o mercado de maneira geral. O Brasil é um país com um número de academias relativamente alto, mas com número muito baixo de praticantes por unidades”, afirma o presidente da Associação Brasileira das Academias (Acad Brasil), Gustavo Borges. Ele lembra em enquanto no Brasil cerca de 4,5% da população se exercita em academias, nos Estados Unidos esse índice chega a 19%. Apesar da baixa penetração, dados do International Health, Racquet & Sportsclub Association (IHRSA) mostram que o Brasil é o segundo do mundo em número de academias e o quarto em clientes, embora não esteja entre os 10 maiores em faturamento (é o 14º). Tratando-se apenas da América Latina, o Brasil ocupa a primeira posição no ranking em todas as categorias.
Os dados do ranking confirmam as mudanças ocorridas nos últimos anos. O Brasil se manteve como o segundo maior país em número de academias e o quarto em clientes, mas caiu duas posições e está em 13º em faturamento, superado por Itália e Espanha no ano passado. “O mercado cresceu muito na questão das low cost. Então, você vê a Smart, Biortimo, Selfit. Blufit e tal que tiveram crescimento, porém quando você coloca isso no mercado de forma geral, ele tem um impacto grande, mas muitas academias fecharam”, diz Gustavo Borges, sem ter números desse impacto.
Uma das que fecharam as portas foi a mineira Hugo Soares, que durante cerca de 30 anos funcionou no Bairro Funcionários, em Belo Horizonte. “Refúgio” de muitos praticantes de exercícios físicos, a academia não resistiu à crise econômica e à concorrência das low cost. “O grande vilão foi o período, porque assumimos no primeiro semestre de 2014 e a gente mudou o nome, mas foi um período de dificuldade econômica e o valor do aluguel ficou muito alto”, relata Júlio César Meireles das Graças, um dos sócios da Hugo Soares antes do fechamento.
Júlio lembra que também no início de 2014 chegaram a Belo Horizonte a Malhação e a Smart Fit, academias de baixo custo. “Conseguimos manter aquele aluno que gostava de malhar na academia, uma academia mais simples, mas eu acho que seria possível sobreviver se o custo não fosse tão alto”, avalia Júlio César. Segundo ele, academias como a Smart fit atraem “a galera mais independente, mesmo que a prestação de serviço seja um diferencial, os que treinam sozinhos e precisam só do espaço são atraídos pelo custo menor”, destaca o ex-sócio da Hugo Soares.
Com preços mais baixos e equipamentos mais modernos, as low cost invadiram o país nos últimos 10 anos. Hoje, essa modalidade de negócio já representa 13% das instituições de ginástica do país, com Smart Fit e Bluefit sendo as maiores desse segmento. A primeira tem cerca de 550 unidades no Brasil e em vários países, e a segunda conta com pouco mais de 60 unidades no país, incluindo duas em Belo Horizonte, nos bairros Prado e Buritis. Já a Smart tem 15 unidades na capital mineira.
Apesar da chegada das low cost, o número de academias em Minas cresceu. Dados do Conselho Regional de Educação Física da 6ª Região (CREF) mostram que em todo o estado as unidades de atividades físicas passaram de 3.179 em 2018 para 3.307 no primeiro semestre dese ano. Pelos números do Conselho Federal de Educação Física, há mais de 55 mil estabelecimentos no país registrados no conselho e Minas seria o sexto maior em unidades. Já pelos números da Acad Brasil, Minas é o segundo no ranking nacional, com 4.065 academias de ginástica. A diferença se deve a critérios de registro em uma e outra entidade.
“Com o problema econômico do país, vem aumentando a quantidade de pessoas que frequentam academias de rua ou as academias mais baratas. Abriu uma academia low cost em um shopping com equipamentos no padrão de uma rede grande, muito boa, que no primeiro mês tinha 2 mil alunos. As pessoas estão se exercitando, mas buscam espaços públicos ou custo menor”, afirma Bia Bicalho, do conselho de ética do CREF em Minas.
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Gustavo Borges, presidente da Associação Brasileira das Academias (Acad Brasil)
GRANDES EMPRESAS
FECHADAS
Essa realidade afetou a academia do empresário Rodrigo Lopes, na Savassi, em Belo Horizonte. Segundo ele, a unidade, que leva seu nome, começou a sentir a crise a partir de 2014, com a perda de clientes. Ele lembra que grandes empresas fecharam na região a partir dessa época, o que impactou os negócios na região. De uma média entre 450 e 480 alunos em 2014, a Rodrigo Lopes caiu para algo entre 280 e 300 alunos hoje. “Os alunos querem o melhor benefício pelo menor custo, mas o mercado convive com a academia de baixo custo, que atrai mais o público jovem, mas entre os de meia-idade elas não ameaçam”, diz Rodrigo Lopes, que mantém a academia há 15 anos com o pai, Décio Lopes.
Com preços que variam entre R$ 80 e R$ 120, a Rodrigo Lopes tem alunos em pacotes de empresas e também por intermédio do Gympass, aplicativo que dá acesso às academias cadastradas a partir de uma mensalidade cobrada do cliente e uma taxa paga por aulas. Hoje, o aplicativo responde por 40% a 50% dos alunos da Rodrigo Lopes, que está oferecendo a possibilidade de aulas semanais pagas por cada dia de atividade com a assistência de um profissional para acompanhar o treino. “A ideia é permitir que pessoa que saiu por motivo financeiro ou falta de tempo possa dar continuidade à sua preparação física com essa opção”, diz o empresário que adotou o novo plano com intenção de aumentar o número de alunos na academia.
Apesar da crise e das transformações, tanto o número de academias quanto o de praticantes de atividades físicas continua aumentando. Para Rubens José Amaral, professor de economia da UNA, o brasileiro que teve acesso às academias no período de crescimento econômico tenta manter a atividade física. “Houve queda no preço dos serviços por causa da crise e da concorrência e as academias, para compensar, estão com pacotes para a terceira idade e os mais jovens no horário entre 10h e 15h, como forma de reduzir a ociosidade”, avalia Rubens José. “Não houve perda de mercado porque o mercado cresceu”, resume Bia Bicalho, do CREF.
Crescimento à vista
Enquanto as pequenas academias buscam reduzir a ociosidade oferecendo preços melhores para horários com menor número de alunos e planos mais acessíveis, as grandes investem para se ajustar e ampliar a fatia de mercado ou complementar a rede de atendimento na cidade. A Cia Athletica está investindo entre R$ 4 milhões e R$ 5 milhões até o fim do ano para repaginar toda sua área no Diamond Mall, onde está há 15 anos. Já a Bodytech acaba de concluir um investimento de R$ 7 milhões para inaugurar no Ponteio Lar Shopping a sua quarta unidade na Grande BH. As duas redes, que atuam no segmento de oferta completa de serviços com atendimento profissional para um público que vai das primeiras idades até os centenários, reconhecem a movimentação no mercado nos últimos anos, mas apostam no diferencial dos serviços.
“Estamos otimizando espaços que são de 15 anos atrás e hoje a gente vê muitos espaços físicos subutilizados e nós vamos ocupar uma área 25% menor, o que vai dar ganho de rentabilidade porque tinha espaços ociosos”, diz Eduardo Guarani, sócio-diretor da Cia Athletica em BH. “O mercado vem sofrendo uma revolução em função das low cost, que são as academias pequenas que cobram pouco. Para as grandes, a mudança é muito menor”, avalia Ana Gutierrez, sócia-proprietária da Bodytech em Minas e sócia da rede nacional, que conta com 104 unidades com as marcas Bodytech e Fórmula. Em 2018, a rede faturou R$ 485 milhões e para este ano a previsão é uma receita de R$ 533 milhões.
“Nossa previsão este ano, descontando a unidade do Ponteio, é um crescimento de 7,5% a 10%”, diz Ana Gutierrez em relação às academias na Savassi, Belvedere e Nova Lima. “Vamos ter um aumento de faturamento com novos clientes, com 20% mais clientes porque utilizamos a ociosidade. Não tem alteração de valor e tem os mesmos serviços”, afirma Eduardo Guarani, referindo-se à reestruturação que vai reduzir a área ocupada no shopping de 4 mil para 3 mil metros quadrados. A área vai atender aos cerca de 2,5 mil alunos da Cia com os mesmos serviços oferecidos antes. “Vamos trocar todo o card da academia, com equipamentos Technogym, de fabricação italiana, vamos trocar a sala de spine, com metade, ou um pouco mais da metade em equipamento, vamos ter a orange zone, com três modalidades e aula monitorada”, ressalta Eduardo Guarani. Com 16 unidades no país, a Cia Athletica de BH é uma das maiores da rede
Com 3.400 metros quadrados e capacidade para atender 1.800 alunos, a Bodytech do Ponteio vai oferecer exercícios com foco no desempenho cardiovascular. Tantom a Body quanto a Cia contam com piscina e outras atividades e aulas associadas ao exercício físico. Na Cia, os planos completos custam mais de R$ 500, enquanto na Bodytech há opções de R$ 135 mensais no plano anual para clientes de 12 a 25 anos que estudam em horários determinados e de R$ 230 mensais no plano anual para pessoas acima de 70 anos com atendimento especial na musculação. O tiquete médio da Bodytech, segundo Ana Gutierrez, gira entre R$ 300 e R$ 500.
AMBIENTE FAMILIAR
“A saúde é uma das últimas áreas que o brasileiro deixa de investir e hoje em dia a saúde é um ponto que as pessoas não deixam de cuidar. Hoje, a atividade física é prescrição médica”, lembra Ana Gutierrez. Para ela, o setor ainda tem muito para crescer no Brasil. “Não é crescer em cima dos 5% que praticam atividade física para dividir o pouco. As academias têm um mercado de 95% dos brasileiros para brigar por eles. A gente briga pelo pouco e não briga pelo muito”, afirma a empresária mineira. Ela conta ainda que o praticante mineiro de atividade física tem uma característica muito de família.
“O sonho de toda academia é ter um ambiente familiar, aconchegante”, afirma o psicoterapeuta Júlio César Sampaio, que há cerca de 30 anos frequenta as academias de Belo Horizonte. Ele conta que como usa o espaço para fazer os exercícios sem a necessidade de uma orientação mais específica de um profissional da academia, chegou a fazer um ano na Smart Fit, rede de baixo custo. “Os equipamentos são ótimos, mas eu não me adaptei com o ar-condicionado”, diz Júlio, que treinou na academia Hugo Soares até ela fechar e hoje é cliente da academia Rodrigo Lopes. “Lá todo mundo sorri para você, você cumprimenta todo mundo. E não é o caso da Smart”, diz Júlio Sampaio.
Brasil sedentário
O Brasil é líder mundial do sedentarismo, com 47% da população sem praticar atividades físicas suficientes para se manter saudável, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). A entidade diz que uma pessoal adulta precisa de 150 minutos de exercício por semana para não ser sedentária. No mundo, o sedentarismo atinge um quarto dos adultos, ou cerca de 1,4 bilhão de pessoas. Hoje, no Brasil, apenas cerca de 5% da população se exercitam. “O Brasil sempre foi um país muito sedentário. Então, a cultura de atividade física é muito ruim, a gente não tem isso dentro das escolas como uma disciplina séria, a gente não tem isso sendo propagado nas famílias numa cultura de casa, de investir mais em exercício do que em remédio”, observa Gustavo Borges, ex-atleta, medalhista olímpico e presidente da Associação das Academias do Brasil (Acad Brasil).