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Estado de Minas CRISE

Crise na Argentina preocupa exportadores brasileiros

Empresas temem que colapso do sistema de crédito no país vizinho, com calote em dívidas de US$ 57 bilhões, reduza ainda mais as compras de produtos fabricados no Brasil


postado em 30/08/2019 06:00 / atualizado em 30/08/2019 07:43

Fabricantes de produtos da chamada linha branca estão preocupados com a crise na Argentina (foto: Jorge Gontijo/EM/D.A Press)
Fabricantes de produtos da chamada linha branca estão preocupados com a crise na Argentina (foto: Jorge Gontijo/EM/D.A Press)

São Paulo – O empresário paulista Jarrier Belmonte, dono da Colormaq, fabricante de produtos como máquinas de lavar, tanquinhos e depuradores de ar, acordou com uma notícia preocupante para as estratégias da empresa: a Argentina está a um passo de dar um calote em sua dívida, obrigando credores internacionais a reduzir juros e estender prazos de pagamento.]
A medida, conhecida como moratória, terá impacto direto na economia brasileira. No caso da Colormaq, a Argentina é o principal destino das exportações da empresa na América Latina. Embora os embarques representem apenas 5% do total produzido, os planos de expandir a presença da marca no mercado externo acabam ameaçados. “Queremos ampliar nossos negócios fora do Brasil, não reduzir”, diz Belmonte. “Estamos, inclusive, acertando os últimos detalhes de um plano de investimento de R$ 100 milhões para aumentar nossa capacidade de produção e atender à demanda dos países vizinhos e até da China”.
 
A empresa, sediada em Araçatuba, no interior de São Paulo, e com faturamento de R$ 650 milhões no ano passado, pretende construir uma nova fábrica e contratar mais 300 funcionários até 2021, segundo o empresário. “O aumento das exportações e o e-commerce são os pilares da nossa estratégia de crescimento para os próximos anos. Então, estamos sempre preocupados e atentos com o que acontece nos países com quem mantemos negócios”.
 
Para muitas empresas brasileiras, a Argentina tem um papel fundamental, respondendo por uma fatia gorda dos resultados. Soma-se a isso o fato de o mercado brasileiro seguir aos solavancos, com crescimento modesto do PIB. Exemplo disso é a fabricante de calçados Vulcabras Azaleia, dona da marca Olympikus. A companhia fechou o primeiro trimestre de 2019 com queda de 21,6% em relação ao resultado registrado no mesmo período de 2018, com vendas de R$ 26,2 milhões, contra R$ 33,4 milhões do balanço do ano passado. “No Brasil, muitos varejistas tiveram de arcar com estoques excedentes do fim de 2018, o que impactou o mês de janeiro”, explicou a companhia em comunicado sobre os resultados do período. “A reação positiva veio em março, porém, abaixo do ideal. O mercado externo, refletindo a crise argentina, foi o maior peso sobre os resultados de Olympikus”.
 
Diversos setores econômicos ligaram o sinal de alerta. Presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), José Ricardo Roriz Coelho detalha o que está em jogo. “A indústria do plástico vê com preocupação os efeitos econômicos do pedido de moratória na Argentina”, diz. “Em um momento em que o Brasil ensaia uma possível recuperação, o agravamento da crise em um importante parceiro comercial do Brasil pode impactar no resultado das empresas”.
 
O executivo lembra que a Argentina é o principal destino das exportações de produtos plásticos, representando 32% do volume total. Entre os principais itens estão artigos de transporte ou de embalagem, rolhas, tampas e cápsulas, além de tubos e seus acessórios. Na outra ponta, apenas 3% do volume de produtos plásticos importados pelo Brasil vem da Argentina.
 
Para Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), a moratória trará mais problemas para o Brasil. “As exportações de calçados brasileiros para a Argentina vêm caindo, ininterruptamente, desde o segundo semestre do ano passado, em função da crise econômica local”, diz.
 
“A moratória traz ainda mais incertezas para o mercado, mas sabemos que é uma medida urgente para aliviar a pressão sobre as reservas e também a galopante desvalorização cambial do peso argentino. Dentro desse contexto, e diante de um ano eleitoral, acreditamos que as quedas sigam ocorrendo, pelo menos até o fim de 2019”.
 
Apesar das quedas consecutivas, a Argentina segue como o segundo principal destino do calçado brasileiro no exterior, tendo importado, entre janeiro e julho, 4,6 milhões de pares, 28,5% menos do que no mesmo período de 2018.
 
Presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes enxerga um ponto positivo. “A moratória da Argentina termina com as especulações sobre a capacidade do país de cumprir o acordo”, afirma. “De um lado, obviamente isso é ruim. De outro, cria uma previsibilidade, abrindo espaço para a recuperação do país.”
 
Basta olhar para os números para entender que o temor dos empresários brasileiros se justifica. A Argentina é o principal parceiro comercial brasileiro na América Latina e o terceiro no plano mundial, atrás da China e dos Estados Unidos. Entre janeiro e maio de 2019, a pauta de exportações brasileiras era composta por 89,6% de produtos manufaturados, segundo dados do Ministério da Economia, enquanto do lado argentino, essa soma chegava a 73,7%.
 
Desde 2007, o Brasil é superavitário nas trocas com o país vizinho. A forte retração econômica argentina, no ano passado, fez com que a balança passasse a registrar um ligeiro déficit. Além disso, o calote da Argentina prejudica ainda mais a já fragilizada situação do Mercosul – bloco econômico criado em 1991 e formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. “Até mesmo a aprovação do acordo Mercosul-União Europeia fica mais complicada. Grande parte da dívida argentina está nas mãos de bancos espanhóis e franceses”, afirma o economista Paulo Henrique Campos, do Departamento de Estudos Econômicos da América Latina, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP).

FATOR ELEITORAL A moratória argentina tem um importante componente político-eleitoral. Em plena campanha para reeleição, o presidente Mauricio Macri pediu ao Fundo Monetário Internacional (FMI) prazos maiores para pagar a dívida bilionária do país com o organismo. Os vencimentos da dívida argentina acumulam cerca de US$ 57 bilhões e estão concentrados no próximo mandato, enquanto a maior parte da liberação do dinheiro já foi realizada durante o governo Macri. Por essa razão, o anúncio está em sintonia com as propostas defendidas pelos que defendem os candidatos da oposição.
 
Falaram a favor da renegociação o candidato Alberto Fernández, da chapa Frente de Todos – que tem como vice a ex-presidente Cristina Kirchner – e o ex-ministro da Fazenda Roberto Lavagna, da coalizão Consenso Federal. Os dois abriram mais de 15 pontos de vantagem sobre a chapa de Macri nas primárias partidárias argentinas, realizadas em 11 de agosto. O desempenho da chapa opositora deixou a impressão, segundo analistas, de que o país viveu um primeiro turno eleitoral antecipado.
 
Fernández e Lavagna reclamam que os vencimentos da dívida argentina estão concentrados no próximo mandato, enquanto a maior parte da liberação do dinheiro já foi realizada durante o governo Macri. A proposta da Argentina é a renegociação dos prazos previstos para pagar a dívida de um acordo assinado no ano passado. “Nosso objetivo é a estabilidade cambial e econômica da Argentina, dando as ferramentas necessárias para o próximo governo", disse Hernán Lacunza, ministro da Fazenda, em comunicado divulgado ao mercado.
 
Lacunza assumiu o Ministério dias atrás, após a renúncia do antecessor de Nicolas Dujovne. Após a fala dele, a pasta divulgou uma nota oficial sobre o tema. “Depois de ter cumprido estritamente todas as metas fiscais e monetárias do acordo com o Fundo, e para dar continuidade ao acordo em vigor, propusemos a este organismo internacional iniciar o diálogo, que deverá ser concluído no próximo mandato, para mudar o perfil dos vencimentos da dívida com o FMI”, diz o texto.
 
Em Washington, o FMI adotou uma postura cautelosa. A instituição informou que continuará ao lado da Argentina e que o país tomou um passo importante para preservar a liquidez e as reservas do Banco Central argentino, mas que analisará o impacto da proposta de Buenos Aires.
 
Para o economista argentino Orlando Ferreres, da consultoria econômica Ferreres e Associados, o pedido de maior prazo para o pagamento da dívida ao FMI não será resolvido de um dia para o outro. Segundo ele, o pedido argentino pode não ser algo fácil de ser atendido, já que dependerá da decisão dos países que lideram o fundo e colocam o dinheiro neste empréstimo para a Argentina.
Para o economista Matías Rajnerman, da consultoria econômica Ecolatina, fundada pelo ex-ministro Lavagna, a renegociação com o setor privado representa uma ruptura de contrato porque a Argentina não pagará aos investidores no prazo prometido. “A Argentina está dizendo aos que compraram títulos do país que vai pagar, mas não no prazo combinado. Na prática, é quebra de contrato.”




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