São Paulo – No Japão, máquinas dotadas de inteligência artificial trabalham como atendentes de hotel. Elas registram a chegada e saída dos hóspedes, indicam pontos turísticos e cobram a fatura. Nos Estados Unidos, cozinheiros mecânicos fritam batatas e preparam sanduíches. Na China, carrinhos autônomos fazem entregas de mercadorias compradas pela internet. Em Cingapura, dispositivos eletrônicos varrem ruas e colocam o lixo para fora de casa. Na Europa, um mecanismo de alta precisão pinta quadros com maestria.
Os robôs estão chegando e vão transformar por completo o mundo do trabalho. Isso, afinal, é bom ou ruim? Por mais que inúmeros estudos tenham sido produzidos nos últimos anos, não há consenso sobre o real impacto que a tecnologia provocará na sociedade. E por uma simples razão: ninguém sabe com 100% de certeza o que os robôs serão capazes de fazer.
Muitas perguntas ainda estão sem respostas. A inteligência artificial vai superar a maioria das habilidades humanas? Os robôs serão totalmente confiáveis? As máquinas terão condições de realizar tarefas que exijam criatividade? As pessoas manterão o controle sobre os cérebros artificiais?
“Tudo isso é muito impreciso”, diz o engenheiro eletrônico chinês Wan Ling, especialista em inovação e que, recentemente, participou de um fórum para debater o assunto, em São Paulo. “Apenas uma coisa é certa: os profissionais de quase todas as áreas terão que se adaptar às mudanças que a tecnologia trará. Quem não estiver disposto a reaprender a maneira de trabalhar ficará pelo caminho.”
A tecnologia abre possibilidades impensáveis até pouco tempo atrás. Em Tóquio, no Japão, uma cafeteira associou habilidades humanas com as máquinas – e o resultado é extraordinário. O lugar conta com robôs garçons que são controlados remotamente por deficientes físicos. Segundo Kentaro Yoshifuji, diretor-executivo da Ory Lab Inc, a ideia é incluir no mercado de trabalho pessoas que, normalmente, têm dificuldade para encontrar um emprego.
Os robôs, com 1,2 metro de altura e 20 quilos, são controlados por computadores ou tablets. “Quero criar um mundo em que pessoas que não movem seus corpos possam trabalhar também”, disse Kentaro Yoshifuji. Segundo ele, o projeto será ampliado para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio’2020.
Se a tecnologia cria oportunidades de trabalho, é inegável que ela impõe desafios. Recentemente, a americana Ford apresentou um robô desenvolvido pela empresa de robótica Agility Robotics, para trabalhar junto com os veículos autônomos. Com formas humanas, o robô Digit se movimenta com enorme agilidade e foi criado para entregar encomendas na porta do cliente.
Segundo a Ford, o Digit é capaz de levantar pacotes de até 18 quilos, subir e descer escadas, andar em terrenos irregulares e sofrer esbarrões sem perder o equilíbrio. Por enquanto, ele está em fase experimental, mas não vai demorar para ser colocado no mercado e começar a substituir entregadores de carne e osso.
A sociedade moderna sempre foi fascinada por tecnologia e, ao longo da história, fez projeções quase sempre mirabolantes a respeito do futuro. A diferença é que, agora, essas projeções estão sendo realizadas. “Nos anos 1960, do século passado, sonhava-se com o dia em que um robô faria as tarefas domésticas”, diz o chinês Wan Ling. “Esse dia chegou. É hoje. E agora, o que será daqui pra frente?”
DESAFIOS
Poucos estudos sobre o tema são tão completos quanto o realizado anualmente pelo Fórum Econômico Mundial. Chamado de “Future of Jobs Report”, ele consultou empresas de diversas partes do mundo e de variados ramos de atividade, que, juntas, empregam 15 milhões de pessoas.
O relatório mais recente comprova o impressionante avanço da tecnologia no universo do trabalho. Em 2018, 71% das tarefas realizadas nos 12 setores cobertos pela pesquisa foram executadas por seres humanos e 29% por máquinas. Até 2022, espera-se que essa distância seja menor, com 58% do trabalho feito por pessoas e 42% por robôs. O estudo concluiu que até mesmo atividades que exigem interação e raciocínio começarão a ser automatizadas.
Se depender da vontade das empresas, a participação das máquinas vai aumentar. De acordo com o levantamento do Fórum Econômico Mundial, 85% das companhias terão ampliado o uso de tecnologia em seus negócios até 2022 e entre 23% e 37% delas (dependendo do setor de atuação) planejam investir em robôs nos próximos anos.
O dado mais preocupante do relatório diz respeito ao impacto da tecnologia no mercado de trabalho. Ele aponta que 75 milhões de empregos – mais do que toda a população da França – poderão ser substituídos por mudanças decorrentes da adoção de novas tecnologias.
Em um cenário em que se discute a possibilidade de uma recessão global, o número não poderia ser mais alarmante. Nos ambientes de crise, as empresas obviamente contratam menos. Se a tecnologia roubar postos de trabalho, como milhões de pessoas vão se sustentar, considerando um cenário de declínio econômico?
A resposta é controversa. O próprio relatório do Fórum Econômico Mundial destaca que a inovação vai abrir oportunidades. Profissionais como cientistas de dados, desenvolvedores de softwares e aplicativos, especialistas em comércio eletrônico e mídias sociais terão vagas garantidas no futuro próximo. A questão é saber se as oportunidades criadas serão suficientes para ocupar o espaço dos empregos perdidos.
EMPREGO
Outro estudo, desta vez realizado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), uma das universidades de referência dos Estados Unidos, concluiu que a probabilidade de que robôs, automação e inteligência artificial destruam forças de trabalho tem sido superestimada por analistas.
Segundo o MIT, fatores como políticas tributárias e crises econômicas costumam ser mais devastadores para os empregos do que o avanço tecnológico. O Brasil, com seus mais de 12 milhões de desempregados, é exemplo disso. O desastre das políticas econômicas nos últimos anos foi mais nefasto para o mercado de trabalho do que, obviamente, qualquer inovação introduzida pelas empresas.
O ponto, diz o MIT, é outro: os empregos podem até continuar existindo, mas a qualidade da remuneração tende a piorar. Com a tecnologia, apenas os profissionais com boa formação terão ganhos crescentes. Os outros, não.
O levantamento do MIT mostrou que, nas últimas quatro décadas, a produtividade do trabalho – o que é reflexo direto do avanço da tecnologia – aumentou 75% nos Estados Unidos, mas a remuneração dos trabalhadores cresceu apenas 12%. Fenômenos assim afetaram a mobilidade social do país.
De acordo com o relatório, 92% dos americanos nascidos em 1940 ganharam mais dinheiro do que seus pais, mas apenas metade dos que nasceram em 1980 vão superar os familiares. A única maneira de evitar isso – e de acompanhar o desenvolvimento tecnológico – é estudar sempre, e cada vez mais. No futuro do trabalho, a educação é o melhor caminho.
enquanto isso...
... Brasil patina em ranking de inovação
A julgar pelos rankings internacionais de inovação, o Brasil está muito longe de atingir um patamar de desenvolvimento tecnológico que cause impacto no mercado de trabalho – para o lado positivo ou negativo.
Em um dos estudos mais recentes, realizado pela consultoria Boston Consulting Group, em parceira com a National Association of Manufacturers e o Manufacturing Institute, instituições ligadas à indústria americana, o Brasil ocupa um discreto 66º lugar entre 129 nações pesquisadas.
O problema é que, em vez de avançar, o país recuou algumas casas. Em 2018, estava na 64ª posição. Uma das razões para o declínio foi a crise econômica dos últimos anos, que obrigou as empresas a reduzir investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
Na América Latina – região do globo com históricos problemas econômicos –, o Brasil aparece apenas no 5º posto e, entre os Brics, é o último colocado.
Mas há sinais positivos. Segundo o IDC, instituto que faz pesquisas na área de tecnologia da informação, em 2019, os investimentos nesse segmento deverão crescer 10,5% no Brasil, contra uma média mundial de 4,9%.