A Reforma Trabalhista causou polêmica quando proposta, continuou gerando durante a tramitação e segue sendo questionada após virar lei. Entidades como o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) refutam pontos da norma e levaram as questões ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs).
Atualmente, há 13 ADIs tramitando na Corte, criticando tópicos como a jornada intermitente e a limitação da indenização por danos morais. Antes mesmo de a reforma entrar em vigor, ações discutiam se as novas regras estavam de acordo com a Constituição Federal. Até o momento, duas temáticas foram julgadas pelo STF: a possibilidade de gestantes e lactantes trabalharem em locais considerados insalubres, exceto em caso de atestado médico; e o fim da contribuição sindical obrigatória. As demais ainda estão pendentes de julgamento.
Um dos pontos questionados pelas ADIs é referente à jornada 12x36 – que consiste em 12 horas de trabalho seguidas por 36 de descanso. Esse tipo de turno era permitido por meio de acordo coletivo entre empregador, empregado e sindicato da categoria. Agora, essa modalidade, que é muito comum nos setores de saúde e segurança, pode ser acertada em acordo individual escrito entre funcionário e patrão, sem participação da entidade sindical. A técnica em enfermagem Francinalda Menezes da Silva Rodrigues, de 43 anos, sentiu no bolso os impactos da Reforma Trabalhista. Ela atua das 19h às 7h em um hospital de Taguatinga. Para ela, a participação da entidade de classe nas negociações faz falta para a categoria.
“Todos os anos, o sindicato negociava um aumento para o nosso salário. Agora, isso não ocorre mais”, conta. Além disso, ela explica que, antes, recebia um valor extra por trabalhar em feriados e fins de semana, o que mudou depois da aprovação da nova lei. “Com a Reforma Trabalhista, tiraram isso da gente. Doeu muito no nosso bolso. Todo mundo reclama até hoje”, lamenta.
Delmiro Jardim Macedo, de 50, trabalha em jornada 12x36 há seis anos. Ele é porteiro em um prédio residencial, onde fica das 7h às 19h. Antes, trabalhava à noite, também como porteiro. O maranhense conta que gosta da rotina. “É bom porque tenho tempo para aproveitar minha família”, diz. “Para mim, é muito tranquilo e prático.” Antes, ele atuava em jornada regular, de oito horas por dia, na área de vendas, mas admite que prefere a modalidade 12x36.
“Depois que minha filha nasceu, preferi trabalhar 12 horas direto do que todos os dias porque tenho um dia e meio de folga para ficar com ela.” O porteiro vê a mudança que a reforma trouxe em relação à jornada de maneira positiva. “No meu ponto de vista, ficou mais simples a negociação entre trabalhador e patrão.”
CONSTITUCIONALIDADE
A nova lei trabalhista limita a indenização por danos morais trabalhistas com base no valor do último salário do empregado. As ADIs 5870 e 6050, da Anamatra; 6069, do CFOAB; e 6082, da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), questionam a constitucionalidade desse ponto, alegando que fere princípios da Carta Magna, como reparação integral do dano e isonomia. Isto é, igualdade jurídica entre todos os cidadãos. “Não se pode ter um teto no valor que o magistrado define para indenização por dano extrapatrimonial porque a Constituição prevê que as reparações do dano têm de ser as mais integrais e plenas possíveis”, explica a presidente da Anamatra, Noemia Porto.
“A gente defende que é inconstitucional a tarifação do sofrimento alheio, ou seja, você colocar um teto de indenização baseado no salário do trabalhador”, completa. De acordo com Noemia, a Constituição prevê reparação integral proporcional ao dano que a pessoa sofre. Por isso, a mudança é inconstitucional e viola direitos fundamentais. Segundo o presidente da Comissão de Direitos Sociais da OAB, Antônio Fabrício de Matos Gonçalves, a nova lei “viola o princípio da proteção do trabalho e proibição do retrocesso social”.
Na avaliação do secretário de Educação da CNTI, José Reginaldo Inácio, esse dispositivo da nova Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) impõe desigualdade na concepção do valor da vida humana. “A vida de um trabalhador que, porventura, recebe R$ 1 mil é totalmente inferiorizada em relação à vida daquele que recebe R$ 10 mil”, exemplifica. “A legislação torna ainda mais vulnerável a condição humana, pois desrespeita a dignidade do ser humano até no momento da morte”, opina.
Ministro apoia a nova lei
A ADI 5994, que trata do estabelecimento de jornada 12x36, sem a presença de entidade de classe nas negociações, está sob relatoria do ministro Marco Aurélio Mello, do STF. Questionado sobre a temática, ele explicou que ainda não a apreciou. “Não posso falar sobre o tema.” O ministro acredita que os pontos da Reforma Trabalhista questionados em outras ações diretas de inconstitucionalidade já avaliadas por ele não continham ilegalidade. “Eu falo sobre o que eu já julguei até aqui. Entendo que o que é atacado nas ADIs já apreciadas não tem conflito com a Constituição. É o que eu tenho sustentado no plenário”, afirma.
Em geral, Marco Aurélio Mello é favorável à nova lei trabalhista. “A reforma como um todo eu entendo como muito positiva, tanto que houve uma diminuição substancial das ações trabalhistas nos tribunais”, diz. Na época em que tramitou no Congresso, a revisão da CLT se embasava em argumentos, como a promessa de geração de empregos. No entanto, o cenário nacional continua sendo de forte desemprego.
Para Marco Aurélio, não é possível atribuir o problema à reforma. “Aí depende da retomada do desenvolvimento. É muito difícil, para uma sociedade proporcionar empregos, considerado o aumento da população que tivemos. Foi um crescimento vertiginoso”, ressalta.
*Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa