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Estado de Minas ENTREVISTA / LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

'Tem que privatizar tudo', diz ex-presidente do BNDES

Para o economista, a crise ficou definitivamente para trás e o PIB ganhará tração neste terceiro trimestre


postado em 03/10/2019 06:00 / atualizado em 03/10/2019 07:53

Para o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, o Brasil tem que privatizar tudo fazer frente aos gastos sociais(foto: Evelson de Freitas/Estadão Conteúdo/Divulgação )
Para o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, o Brasil tem que privatizar tudo fazer frente aos gastos sociais (foto: Evelson de Freitas/Estadão Conteúdo/Divulgação )


São Paulo –  Luiz Carlos Mendonça de Barros tem sido uma das vozes mais otimistas a respeito da economia do país. Graduado em engenharia de produção pela USP e doutor em economia pela Unicamp, este paulista de 76 anos acha que a crise ficou definitivamente para trás.

Enquanto muitos de seus colegas acreditam que a retomada continuará em ritmo lento, ele crava que o PIB ganhará tração no terceiro trimestre, o que levará a economia a crescer 2,5% no ano que vem. Ele atribuiu o desempenho ao trabalho feito pelo ministro Paulo Guedes, à agenda de reformas tocada pelo governo e à recuperação do consumo, que tem dado sinais de fôlego renovado.

“Quando se olha para o Brasil, fica evidente que houve ajuste nos fundamentos da economia”, diz Mendonça de Barros. “Isso quer dizer o seguinte: estamos no início de um ciclo de recuperação.”

Ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e um dos principais articuladores econômicos do governo Fernando Henrique Cardoso, ele defende, na entrevista a seguir, a privatização das estatais, diz que o cenário do emprego não é tão ruim quanto afirmam os pessimistas e analisa os setores com maior potencial de crescimento. Confira sua entrevista exclusiva aos Diários Associados.

O senhor tem demonstrado otimismo em relação à economia brasileira. O que sustenta suas projeções?
Quem olhar para os números vai enxergar uma melhora. Nesta semana, saiu o dado da produção industrial, que cresceu 0,8% em agosto. O mercado esperava uma alta de 0,3%. É verdade que está caindo 2,3% em 12 meses, mas já melhorou. Mas não me considero otimista sempre. O problema é que os mais pessimistas são, geralmente, os economistas mais novos, que acham sempre coisas para criticar. Esse pessoal, que costumo chamar de “economistas dos fundos da Faria Lima” (centro financeiro da capital paulista), precisa fazer uma autocrítica nesse sentido. As coisas estão andando melhor do que o esperado.

Qual a relação entre a idade e ser pessimista?
Porque esse pessoal é de uma escola em que tudo é expectativa para eles. Não basta ficar olhando para o déficit sem entender a dinâmica e o metabolismo da economia. Quando se olha para o Brasil, principalmente depois da crise, fica evidente que houve ajuste nos fundamentos da economia. Isso quer dizer o seguinte: estamos no ponto de início de um ciclo de recuperação.

Mas existem problemas sérios que resistem à melhora do cenário econômico. É o caso dos índices de desemprego, que continuam altos.
Em vez de ficar lamentando o desemprego, o país deveria olhar para os milhões que estão empregados. O número de desempregados é grande, quase 12 milhões de pessoas, mas há 95 milhões de brasileiros empregados. São eles que ganham seus salários, gastam no comércio e serviços, e movimentam a economia. O coitado que está meio fora do mercado formal está fazendo bico e cortando despesas. Em agosto, o Brasil criou uma taxa anualizada de 500 mil empregos. Não interessa se são empregos de boa qualidade ou não, o que interessa é que o cara terá uma renda daqui pra frente. Por isso, esses caras dos fundos da Faria Lima precisam pensar direito antes de fazer projeções.

Quais são seus outros argumentos para enxergar a economia com tanto otimismo?
Tenho um kit de dados que compõe esse otimismo e que me ajuda a medir em que ponto do ciclo econômico estamos. Porque o ciclo econômico de mais curto prazo, ele é muito fácil de medir. Basta contrapor os indicadores de hoje com dados de 2011 ou 2012.

Mas, se compararmos o desemprego de hoje com o daquela época, está muito pior.
Sim. O desemprego em 2012 era de 6%, que, para o Brasil, é quase pleno emprego. O salário subiu, os sindicatos estavam com toda força. Atualmente, estamos com 12%. Você tem aí uma capacidade ociosa de mão de obra muito grande. Por outro lado, enquanto é pior do ponto de vista do empregado, é melhor hoje em dia para o empregador. O ambiente cria empregos não formais, o que reduz aqueles custos trabalhistas e impostos que o emprego formal tem. Do ponto de vista de custo para o empregador, o cenário é muito mais favorável hoje.

O que mais há no seu kit de dados?
Além do custo menor para se empregar, outro ponto é a inflação. Por causa da recessão, estamos com a inflação no chão. E essa desinflação permitiu que se criasse uma expectativa de dois, três anos de inflação abaixo da meta, enquanto que a inflação na época da Dilma estava pegando fogo. Outro dado importante para a economia brasileira é a conta-corrente. O Brasil não tem poupança interna, a poupança vem de fora. Quando você fica um longo período tomando dinheiro da poupança de fora, você começa a pagar juros, piora a conta-corrente, e as pessoas passam a ter medo da cotação do dólar. E aí para a entrada de capital, que foi um dos aspectos que fizeram a economia brasileira levar aquele tremendo tombo. E a conta-corrente agora está muito baixa, piorou um pouco.

Se há indicadores bons, por que a confiança não retorna?
Uma das razões é a mídia. Vocês sempre preferem divulgar mais a informação negativa do que a positiva. O que saiu na mídia nos últimos dias? Que a conta-corrente está muito baixa.

Mas não é verdade?
É verdade, mas piorou porque as exportações caíram em função dessa crise mundial de comércio. É um número muito pequeno comparado, por exemplo, com o volume de capital estrangeiro que está entrando. Quando se joga a entrada de capital estrangeiro, ainda tem um número positivo muito grande.

"O setor de consumo, o imobiliário e automóvel, tudo que depende de consumo vai subir, e já está subindo. Se você olhar as vendas do comércio, já estão crescendo 2,5% 
ao ano”

O senhor acredita que a retomada da confiança é o fator principal que vai reaquecer a economia?
Sim, vai acelerar a economia. A recuperação vem pelo consumo das famílias. Outro dado importante que tenho citado é que o crédito para pessoas físicas está crescendo 15% ao ano. Com o juro mais baixo, os grandes bancos já estão disputando a tapa os clientes para crédito imobiliário, por exemplo. Uma confiança maior do empregado, do consumidor, com expansão de crédito e com juro barato como está agora, vai acelerar a recuperação.

Qual a sua projeção de crescimento para 2019?
Vamos crescer 1,4% no ano, como resultado principalmente do último trimestre, que deverá crescer no ritmo de 2% a 2,5%. Para 2020, a minha projeção é de 2,5%.

O dólar acima de R$ 4 preocupa?
O dólar está nesse patamar porque, com a redução de juros no Brasil, há um movimento de retirada de moeda por parte do investidor estrangeiro, que estava aqui aplicando na Selic. A desvalorização da moeda é positiva, porque beneficia o exportador. Na minha leitura, está tudo correto, como a teoria manda. Isso já ocorreu no governo do presidente Michel Temer, quando chegamos a crescer 2,5% na margem. O problema do Temer foi aquela questão da JBS. Agora, se não houver nenhum fator externo, as coisas devem melhorar.

Embora a Selic esteja em 5,5%, o patamar mais baixo da história, o juro ao consumidor na ponta demora a cair. Isso pode prejudicar a recuperação do consumo das famílias?
O problema é que temos um sistema bancário muito monopolizado. Mas, veja: a concorrência está chegando. O Bradesco e o Itaú anunciaram nesta semana a redução dos juros para o crédito imobiliário. Que, aliás, é outro setor que está puxando a economia. Basta olhar o jornal que você vê anúncios de lançamentos de prédios. Esse é o processo natural de uma economia em retomada, principalmente agora, com o Paulo Guedes no governo. Está todo mundo vendo que ele está tentando a economia fiscal, o que é muito bom. É por isso que acho que o analista precisa ter um pouco de coragem. Sempre digo: tem que tomar um copo de uma boa cachaça de Januária, e olhar para a frente.

Quais setores da economia vão brilhar neste ano além do agronegócio, que tradicionalmente tem puxado o PIB?
O setor de consumo, o imobiliário e automóvel, tudo que depende de consumo vai subir, e já está subindo. Se você olhar as vendas do comércio, já estão crescendo 2,5% ao ano. O analista tem que identificar o setor e acompanhar tudo. Por exemplo: a indústria, na posição anual, espera aprofundar a queda de 2,5% para 3%. É ruim, mas quando você vai para o mensal, a indústria subiu 0,8%. Esse mensal é que vai para o PIB no terceiro trimestre.


"Em agosto, o Brasil criou uma taxa anualizada de 500 mil empregos. Não interessa se são de boa qualidade ou não, o que interessa é que o cara terá uma renda daqui pra frente”



O senhor acha que as privatizações, conforme planejadas por Paulo Guedes e por Salim Mattar, vão conseguir atrair os investimentos que o país precisa?
As privatizações demoram, porque não é uma coisa talvez nem para o ano que vem. Esse sinal das estradas foi muito positivo, porque saiu com deságio, houve briga entre os consórcios e saiu com deságio de quase 40%.

O tema da privatização ainda é sensível para diversos setores da sociedade. O que senhor pensa a esse respeito? 
Tem que privatizar tudo. O governo tem uma responsabilidade de gastos sociais que é incompatível com a posição dele de investir em empresas. Repito: tem que privatizar tudo. 
 


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