São Paulo – O ano ainda não terminou, mas Eduardo Miron, CEO da Marfrig Global Foods, pode dizer que o calendário de 2019 foi marcado por alguns fatos importantes para a multinacional brasileira. Como, por exemplo, a tentativa de costurar uma fusão com a BRF, anunciada no fim de maio. As conversas não avançaram, segundo o executivo, que está no cargo há pouco mais de um ano, por diferenças no tipo de controle das duas companhias.
Outro fato que chacoalhou a companhia foi o anúncio, no mês passado, do lançamento do hambúrguer feito a partir de plantas, em parceria com a ADM e vendido para as lojas do Burger King. A partir dessa primeira experiência, Miron faz planos para levar uma linha de produtos para o varejo, aumentar o portfólio e até, quem sabe, exportar. Mas não há pressa para isso, diz o executivo.
Este ano será marcado também pelo início da produção de carne com emissão zero de carbono. Investir nesse tipo de manejo poderá ajudar a descolar a imagem da empresa dos problemas que o Brasil vem enfrentando junto à comunidade internacional no capítulo da sustentabilidade. Na sequência, trechos da entrevista concedida por Miron
O que pesou na decisão de desistir da união com a BRF?
Fizemos um comunicado sobre um estudo em conjunto entre as companhias, não de uma operação. Seria analisada uma série de fatores que facilitariam e dificultariam a operação. No fim, percebemos que alguns fatores não levariam à conclusão de um potencial negócio. Um deles é que são empresas diferentes em termos de governança. A Marfrig tem como modelo o investidor de referência e, no caso da BRF, é de controle difuso. Não foi possível vencer os obstáculos e comunicamos isso ao mercado. Muito do que temos feito como transparência, como a venda da Keystone e o estudo sobre a BRF, tem sido visto de forma diferente (pelo mercado), mas nós entendemos que é a forma correta. O mercado não está acostumado a esse nível de transparência, mas achamos que é a forma correta. Encerramos as conversas de forma profissional e hoje não existe mais nada acontecendo nesse sentido. O relacionamento entre as duas empresas continua excepcionalmente bom. Os hambúrgueres da Sadia são feitos pela Marfrig.
Por outro lado, o interesse em juntar forças com uma grande empresa produtora de proteína suína e de aves significa que a Marfrig tem essas proteínas no radar?
O objetivo é cumprir o nosso plano estratégico e o valor agregado é um ponto importante. Tudo que produzimos nos EUA tem valor agregado. No Brasil, saímos com o hambúrguer vegetal, em parceria com a ADM, para o Burger King, que é algo com valor agregado. Nós nunca paramos. A conversa com a BRF não fez com que parássemos essa estratégia. Vamos continuar buscando operações que agreguem valor para nós. Hoje, vale lembrar, somos o maior produtor mundial de hambúrguer.
A experiência com o hambúrguer de planta pode abrir novas portas para a Marfrig quanto ao seu mix de produtos?
Essa tecnologia vai continuar avançando. Vale a pena analisar o que esse acordo (com a ADM) significa e onde pode nos levar. Estamos com uma combinação extremamente poderosa com a ADM, reconhecida pela parte de desenvolvimento, e com acesso a matérias-primas. Para a escala, isso é importante. A Marfrig entra no mercado de hambúrguer feito de plantas com sua capacidade global de produção e acesso aos melhores clientes. Essa combinação leva à consistência de entrega do produto. O início por meio do hambúrguer de planta é uma obviedade. Mas não vamos parar aí.
O que mais vem por aí?
Existe o potencial para novos produtos que esperamos que seja explorado. Todos estão motivados. Esse mercado de produtos à base de vegetais atingiu um nível de maturidade e vai continuar crescendo. Eles terão bastante sucesso no Brasil, como mostram as vendas, que estão indo muito bem. Não só temos a capacidade de produzir no Brasil, mas de vender no varejo e aproveitar o potencial de exportação. O primeiro passo é termos a estrutura bastante forte. Há iniciativas que pecam no mercado pela falta de robustez. Os nossos parceiros são extremamente fortes e o que alcançamos é resultado de estudos de vários anos. Até o fim de 2019, vamos continuar explorando o produto hambúrguer feito com vegetais, que ainda é recente, para então pensar em atacar os canais de varejo e de exportação.
O que representa no dia a dia o volume de carne bovina exportado para a China e qual é o potencial? A disputa comercial entre EUA e China pode ter algum reflexo?
A China é um destino muito importante para o Brasil e para a América do Sul. A Marfrig é a empresa mais bem posicionada para exportar para a China por ter o maior número de plantas aprovadas (depois de inspeções) em toda a região, num total de 11, sendo cinco no Brasil, quatro no Uruguai e duas na Argentina. A representatividade é grande e tem crescido. Hoje, no Brasil, se pegar o total do abate, por volta de 50% desse volume está autorizado a exportar para a China. No caso da Argentina, passa de 50%, e no Uruguai fica entre 65% e 70%. Portanto, é um destino relevante. Para uma região que tem a exportação como um canal muito importante, contar com a capacidade de exportação é fundamental. No nosso caso, estamos muito bem posicionados com operação na América do Norte, que não depende da exportação para a China. Cerca de 50% dessa produção é destinada ao mercado interno americano e 10% para exportação. Por isso, a guerra comercial não tem efeito na operação. Nosso mercado é de alta qualidade e não vejo risco de boicote à produção brasileira.
O aumento da produção de carne no Brasil está condicionado ao crescimento da área de pasto ou há como crescer apenas com ganhos de produtividade?
Não tenho dúvida de que o caminho é o do aumento da produtividade no mesmo local onde já se produz para gerar mais carne. O caminho é o da sustentabilidade. Toda a indústria está engajada na pauta de crescimento sustentável e a Marfrig tem sido líder nesse movimento. Tem uma série de iniciativas para preservação de áreas protegidas. A Marfrig nos últimos sete anos atendeu a 100% dessa questão do bioma. Até o fim do ano, devemos começar a produção de carne com zero carbono, e, em 2020, devemos avançar em outras inovações, como carne de baixo carbono.
Quem são os parceiros da Marfrig nessa estratégia?
É um investimento que estamos fazendo na inovação, em uma parceria inédita com a Embrapa, que vai nos permitir produzir ainda em escala pequena, em um projeto-piloto que vem sendo desenvolvido com um produtor. Esses produtos terão um selo e pretendemos a partir daí explorar um nicho. Além disso, temos trabalhado na parte de monitoramento da produção, com o apoio de auditoria. Não compramos carne de lugares sem produção sustentável, que venha de algum bioma, de área ilegal ou que envolva o trabalho análogo a escravo.
A empresa prepara alguma campanha para manter a reputação internacional de seus produtos e evitar o boicote à carne brasileira?
Nós não estamos em nenhum movimento que envolva uma campanha com esse objetivo. Sabemos que o governo brasileiro está em um processo de esclarecimento, promovendo viagens para mostrar os dados sobre o país em vários mercados. O Brasil é o país que tem de ser reconhecido por tudo que faz na área ambiental. É papel de todos comunicar de forma apropriada tudo que está acontecendo. No nosso caso, acontece com todos os nossos clientes e mercados onde operamos. Não é por acaso que somos líderes na parte de exportação para países rígidos quanto à qualidade, além de muito críticos.
Como é feito o trabalho de comunicação?
A indústria e a Marfrig fazem um trabalho constante de comunicação. Por exemplo, emitimos o primeiro bond (título) sustentável no Brasil, que tem a participação de investidores com ações sustentáveis no país. É uma forma aberta de mostrar os esforços em direção à sustentabilidade. Boicotamos aqueles que não estão seguindo as regras. As empresas e o governo têm responsabilidade no sentido de desenvolver a produção sustentável. Temos uma série de trabalhos, como o assessoramento dos produtores para que melhorem as suas práticas.
A economia brasileira causou frustração em relação aos planos que a companhia tinha para este ano?
Todos nós esperávamos que tivéssemos um crescimento maior, olhando o PIB como indicador. Por esse aspecto, estamos, sim, frustrados porque esperávamos uma reação maior do que tem acontecido. Temos alguma flexibilidade entre exportação e mercado doméstico. A exportação está tão forte que ajuda a minimizar a fragilidade do mercado interno. Também nos ajuda o foco em produtos com maior valor agregado, com o qual atendemos, por exemplo, o segmento de food service. Mas, independentemente de tudo isso, o crescimento doméstico é frustrante. As coisas estão melhorando, mas ainda em um ritmo muito lento.
O que você espera para o próximo ano?
Existem razões para ficarmos mais otimistas. As reformas estão sendo discutidas e devem ser aprovadas. É fato que se esperava que essas discussões fossem mais rápidas e mais fáceis do que estão sendo. Mas, conforme avançarem as reformas e os planos de investimentos por parte do governo, por meio de vendas de ativos, principalmente na área de infraestrutura, teremos todas as chances de melhorar a geração de empregos e ter um crescimento melhor do que devemos ter em 2019. A expectativa é que tanto o desemprego quanto o PIB apresentem melhoras razoáveis. Os níveis atuais não estão adequados para um país com tanto potencial.