Nem mesmo as despesas com a morte perdoam as famílias endividadas. Dois grandes cemitérios da Região Metropolitana de Belo Horizonte estão enfrentando altos índices de inadimplência dos clientes. No Parque da Colina, que fica no Bairro Nova Cintra, na zona Oeste da capital, 35% dos concessionários de sepulturas têm pagamentos pendentes e esse número cresce cinco pontos percentuais por ano. A empresa cobra taxa de manutenção anual de R$ 300. A situação é ainda mais grave no cemitério Parque Belo Vale, em Santa Luzia, na Grande BH, onde as dívidas alcançam 55% da clientela. Para manter os jazigos, é preciso pagar $ 290 por ano, em duas parcelas semestrais.
O diretor de operações dos cemitérios, Roberto Toledo, explica que a inadimplência se tornou um problema há 10 anos. Ele aponta uma série de fatores que contribuem para esse quadro. Em parte, os cadastros de muitos clientes estão desatualizados, o que impede a cobrança devida. Por outro lado, Toledo acredita que a taxa cobrada pelo cemitério não é prioridade no orçamento das famílias. “Mas, quando precisa é o bem mais valioso”, diz.
No próximo sábado, quando é celebrado o Dia de Finados, a empresa que administra os dois cemitérios decidiu fazer um mutirão de atedimento no Parque da Colina para regularizar o cadastro e renegociar as dívidas dos clientes. A data é estratégica tendo em vista a alta procura pela regularização dos jazigos. A previsão é de que até 30 mil pessoas estarão no cemitério em 2 de novembro.
Nos cemitérios Bosque da Esperança, em Venda Nova, na região Norte de BH, e Parque Renascer, de Contagem, na região metropolitana, se a inadimplência não consiste em problema grave, os atrasos de pagamento têm sido registrados. De acordo com o gerente administrativo-financeiro dos cemitérios, Auro Monteiro, o número de clientes que estão devendo “é praticamente zero”. Porém, há atrasos, seja por dificuldade financeira, seja por esquecimento por parte dos concessionários.
Segundo Monteiro, as pendências são resolvidas por meio de contato com as famílias. Quando isso ocorre, a empresa cobra adicional de 2% sobre a taxa de manutenção semestral de R$ 147,90.
De acordo com o Sindicato das Empresas Funerárias e congêneres na prestação de serviços similares do Estado de Minas Gerais (Sindinef), a média histórica de inadimplência nos cemitérios particulares brasileiros é de 40%. O secretário-geral do sindicato, Haroldo Felício, avalia que esse é um problema observado “há muito tempo”. “A relação com o cliente é muito longa. O jazigo fica com a família por 50, 100 anos”, explica. Por isso, é muito comum que os dados cadastrais fiquem desatualizados. Dessa forma, boa parte das pessoas não pagaria por não receber a cobrança.
O secretário-geral do sindicato ainda garante que os cemitérios particulares não retomam a posse dos jazigos em caso de inadimplência. “Temos direito de retomar, mas seria uma atitude muito radical”, diz. O Sindicato dos Cemitérios e Crematórios particulares do Brasil (Sincep) preferiu não se manifestar sobre os níveis de inadimplência verificados nos cemitérios da Região Metropolitana de BH. A presidente do sindicato, Gisela Adissi, informou não ter números oficiais sobre a inadimplência.
Despesa adiada Estimativas da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH) mostram que o número de pessoas endividadas na faixa acima de 65 anos na capital aumentou 11,69% em agosto em relação ao mesmo período do ano passado. Segundo o economista da CDL/BH Gilson Machado, os altos níveis de inadimplência nos cemitérios da cidade podem estar relacionados, em parte, a esse índice.
Ele afirma que a procura por serviços funerários normalmente é maior entre as pessoas de meia-idade ou mais. Como quem está nessa faixa etária têm um custo de vida mais alto, principalmente os gastos com saúde, a renda fica comprometida.
Na análise de Machado, outro fator que compromete a renda das pessoas dessa faixa etária é uma mudança de hábito. “Muitos filhos estão voltando para casa dos pais, o que sobrecarrega o orçamento”, diz. Para o economista, esses fatores contribuem para que serviços e dívidas de menor urgência, como a taxa de manutenção de cemitério, fiquem em segundo plano dentro do orçamento. “Eles procuram pagar as despesas necessárias para sobreviver”, explica.
O consultor financeiro Erasmo Vieira concorda com essa avaliação. “É um serviço de menor urgência, mas é um indício de que o orçamento das famílias está muito comprometido”, diz. Vieira acredita que a falta de planejamento financeiro é um dos fatores que explica a inadimplência em geral. “O cemitério é um compromisso de longo prazo, e a pessoa ainda vai agregando outros gastos”, explica. Por isso, o consultor defende que o planejamento financeiro é essencial. “Principalmente neste momento de aperto da economia”, completa.
(*) Estagiário sob a supervisão da subeditora Marta Vieira