São Paulo – Na quarta-feira da semana passada, chegou ao fim o prazo de trégua entre a Aeroportos Brasil Viracopos (ABV) e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Durante 30 dias, período no qual a Justiça determinou que as ações contra a concessionária fossem suspensas, houve vários encontros entre os executivos da administradora do Aeroporto de Viracopos, no interior de São Paulo, representantes do órgão regulador e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Quem conta é Gustavo Müssnich, presidente do consórcio formado por TPI – Triunfo Participações e Investimentos, UTC Participações e a francesa Egis Airport Operation, que tem ainda a Infraero como sócia. As horas consumidas em reuniões não foram suficientes para apaziguar a relação entre os envolvidos em várias disputas judiciais.
Enquanto se discutem valores de outorga e descumprimento de contrato, a ABV administra as dificuldades que vêm a reboque do pedido de recuperação judicial, feito em maio de 2018, e que ainda não teve seu plano de ação aprovado pelos credores – entre eles, os principias, a Anac e o BNDES.
Há alguns cenários possíveis envolvendo o futuro da ABV. Um deles é a devolução da concessão à União. Nesse caso, a Anac poderia licitar novamente a administração do aeroporto. Em agosto, foi publicado o Decreto-lei 13. 448/2017, que regulamenta a devolução de concessões de empreendimentos aeroportuários, ferroviários e rodoviários do Brasil. Se tiver de devolver Viracopos ao governo federal, a ABV exige receber de volta tudo que investiu no aeroporto, que tem força principalmente no transporte de cargas.
O governo tem defendido a opção de relicitar Viracopos. A concessionária aceita discutir sobre essa base, mas apresenta um estudo no qual traça, a partir de uma série de cenários, quais seriam os ganhos e as perdas do governo. A relicitação, afirma Müssnich, é o pior cenário para os cofres públicos, pois, segundo o executivo, resultaria em outorga anual da ordem de R$ 23 milhões, a serem repassados à União.
Em valores atualizados, a outorga anual é de R$ 208 milhões. Se a Anac revisse o acertado entre as partes em 2012, ano do leilão do aeroporto paulista, e atendesse às reivindicações da concessionária e de algumas decisões da Justiça, o valor a ser pago pela ABV seria de R$ 73 milhões por ano, desde que fosse definido um novo modelo, prevendo o reequilíbrio contratual.
Com o fim do prazo dado pela Justiça, que suspendeu as ações tanto por parte da Anac quanto da própria concessionária, a esperança para os atuais controladores de Viracopos está no Decreto federal 10.025, publicado no fim de setembro, que possibilita que litígios entre administração pública federal e setor portuário, além de transporte ferroviário, rodoviário e aeroportuário, sejam negociados em câmaras de arbitragem, com o objetivo de dar celeridade às negociações.
Nesta semana, os advogados da ABV encaminham à Justiça pedido para que a disputa com a Anac passe a ser feita no ambiente arbitral, mas, para que isso ocorra, a agência terá de concordar com a nova esfera de discussão. Isso, porque o decreto foi publicado depois do contrato de concessão de Viracopos e seria necessário ajustar o documento.
Tudo isso ocorre a pouco mais de um mês da data prevista para a assembleia de credores, marcada para 16 de dezembro, que terá como pauta a aprovação do plano de recuperação da ABV. Se a Anac não concordar com a proposta, reflexos serão sentidos entre os outros credores da concessionária de Viracopos.
Com o término do prazo dado pela Justiça para a suspensão de ações contra Viracopos, o que esperar?
Durante esse período, houve semanalmente encontros entre BNDES, Anac e representantes da concessionária. Foram sanadas várias dúvidas, mas não se chegou a um acordo. Não consigo compreender o porquê de uma postura tão rígida. As conversas vinham caminhando bem, tanto com a Anac, quanto com o BNDES. De uma hora para a outra, o tom mudou e os representantes do governo passaram a se recusar a discutir taxa de juros e prazo de amortização para falar sobre a relicitação. Agora, deve ocorrer, nos próximos dias, audiência no TJ-RJ em que será informado que o prazo não foi suficiente para a concessionária superar suas pendências e uma nova audiência conciliatória poderá ser marcada em 30 dias.
Até que seja marcada essa nova audiência, a ABV poderá tomar alguma providência contra a Anac?
Nós não vamos fazer isso em demonstração de boa-fé; não faremos nada. Respeitarei o prazo da nova audiência para ver o que as partes acertam diante do juiz. Poderíamos, hoje, pedir o recálculo de R$ 1,9 bilhão de outorga que nos é devida. Isso nos garantiria o pagamento das outorgas que vencerão até 2023. Em vez de devedores, seríamos credores. Diante disso, a Anac nem poderia pedir a caducidade do contrato. Esse valor vem da diferença entre os R$ 169,2 milhões de valor de outorga com ágio, pago até hoje, e o valor sem o ágio, como determinou o juiz por considerar que houve descumprimento do contrato. Como Viracopos pagou o valor com ágio por sete anos, desembolsou, por ano, valor superior em R$ 70 milhões.
O que motivou o pedido de recuperação judicial da concessionária?
Fizemos projeções econômicas com base nos estudos do governo, vencemos o leilão e no primeiro dia de contrato o governo seguiu com uma sucessão de inadimplências. A mais grave foi a não desapropriação de um terreno. Isso tudo trouxe impacto econômico no contrato muito grande. Diante disso, não conseguiu pagar as nossas outorgas e iniciou-se uma série de desgastes com a Anac. Mais recentemente, tivemos uma liminar muito importante que determina que a concessionária só pague a outorga mínima.
A relicitação é uma alternativa com a qual a concessionária trabalha? Como isso seria viabilizado com a empresa em recuperação judicial?
A concessionária trabalha com a possibilidade de relicitação, inclusive porque, de certa forma, ela está sendo imposta. Mas não vejo essa alternativa como a de maior vantagem para o governo, enquanto erário público. A relicitação é a pior saída para os cofres públicos. Temos ferramentas mais adequadas para reequilibrar o contrato. Seria importante o governo fazer essa avaliação, porque tem o dever fidúciário com a coisa pública.
A empresa alega que teria direito a receber da Anac os valores investidos em Viracopos. Seriam R$ 3 bilhões, segundo o que já foi declarado. Esse valor é negociável?
O valor não seria negociável, é o que diz a lei. O decreto da arbitragem prevê que conflitos como esse possam ser resolvidos num tribunal arbitral. Queremos ir logo para a arbitragem. Devemos fazer isso no início desta semana. Teoricamente, a outra parte não teria muito o que se opor. Se levarmos adiante esse dispositivo, fica difícil voltar a judicializar a questão. Em vez de discutir com Anac, deixemos que uma banca de árbitros diga de quanto é o reequilíbrio que precisa ser feito no contrato.
A arbitragem pode ser o melhor caminho?
A arbitragem pode ajudar, mas, de qualquer forma, o governo já teria ferramental suficiente para evoluir nesse assunto. No limite, poderia ser o caminho adequado para superar as questões. Topamos ir para a arbitragem, o tribunal dirá de quanto vai ser a indenização e aí aderimos à relicitação. Antes disso não vamos aderir. Não dá para fazer isso sem saber quais serão as regras desse jogo.
Ainda há alternativas para evitar a falência antes de a Anac seguir com o processo de caducidade por descumprimento de itens no contrato de concessão?
Acredito que existam outras alternativas. Essa decisão provocaria prejuízo enorme para todos os envolvidos, incluindo o governo e os usuários. Acredito nas decisões judiciais que virão e que, no final, o bom senso vai prevalecer. Os números apontam que se a situação for analisada com racionalidade e bom senso econômico, sem visões subjetivas que atrapalhem a visão técnica, haverá motivos para superar essas dificuldades.