São Paulo – Poucos desafios são tão urgentes para a humanidade quanto desenvolver fontes alternativas de alimentos. O aumento da população, a preservação do meio ambiente e questões éticas ligadas ao respeito aos animais têm levado cientistas a buscar novas dietas capazes de suprir a fome do planeta.
Nesse contexto, a substituição da carne tem sido a maior preocupação dos pesquisadores. Na última década, o mundo avançou muito no desenvolvimento de carnes vegetais, mas elas também podem afetar o meio ambiente, na medida em que exigem grandes quantidades de terra para o plantio das sementes.
A nova frente das pesquisas nessa área são as carnes produzidas em laboratório, chamadas no mercado de “carnes sintéticas” ou, num sentido pejorativo, de “carnes fakes.” Para os cientistas, elas são conhecidas como “clean meat” (carne limpa) ou “cultured meat” (carne de cultura).
Uma pesquisa recente feita pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, identificou 30 empresas no mundo que se dedicam exclusivamente a recriar, por meio de células e membranas animais, carnes idênticas às consumidas hoje em dia – mas com a vantagem de não causar sofrimento a nenhum animal.
“Sempre haverá pessoas criando e comendo animais”, disse em uma palestra nos Estados Unidos o cardiologista Uma Valeti, fundador da startup Memphis Meats, uma das principais empresas de carnes sintéticas do mundo. “Mas, pela primeira vez na história da humanidade, estamos perto de oferecer em larga escala um bife suculento, igualzinho à carne da vaca que estava pastando no campo, mas que foi 100% criado em laboratório.”
Valeti diz que não entrou nesse ramo apenas para minimizar a dor imposta aos animais. “Claro que isso conta, mas o que me motivou de verdade é a questão maior que está por trás disso, que é a preservação do planeta”, afirma o executivo. Ele lembra que tem recebido cada vez mais entusiastas do tema. Antes, suas palestras eram vistas apenas por “nerds e hippies.” Agora, tem sido cada vez mais comum encontrar executivos de grandes corporações.
A Memphis Meats conta com investidores pesos-pesados, como Bill Gates, fundador da Microsoft, e Richard Branson, criador da Virgin. Uma das maiores empresas de alimentos do mundo, a americana Cargill também desembolsou algumas dezenas de milhões de dólares na Memphis Meats, na tentativa de se aproximar de uma atividade que pode se tornar o grande negócio do futuro.
O fundador da Memphis Meats virou uma estrela pop das carnes sintéticas. Nos seminários, ele apresenta uma série de indicadores que contam a favor de sua atividade, sempre com certa dose dramática. “Uma única vaca viva consome 11 mil galões de água por ano e, apenas nos Estados Unidos, a agricultura animal é responsável por 4% dos gases do efeito estufa”, diz ele.
Isso sem contar, sempre nas palavras do empresário, os excrementos do gado que poluem o solo e a proliferação de antibióticos que estão contribuindo para o surgimento de superbactérias. Ou seja, salvar o planeta passará certamente pela redução do consumo de carne viva – e a carne de laboratório surge justamente para ocupar esse espaço.
Os avanços têm sido notáveis nessa área. No início de outubro, a israelense Aleph Farms informou que conseguiu produzir carne na Estação Espacial Internacional, a 400 quilômetros de distância da Terra. Segundo a empresa, o seu método de produção de bifes baseia-se na imitação, sob condições controladas de laboratório, do processo natural de regeneração de tecidos musculares que ocorre dentro do organismo da vaca.
“Esse experimento marca um primeiro passo significativo para garantir a segurança alimentar das próximas gerações, preservando nossos recursos naturais”, disse Didier Toubia, fundador e presidente da Aleph Farms. “Nosso trabalho permite o acesso incondicional a carne segura e nutritiva, com a vantagem de utilizar recursos mínimos.”
A Europa é um dos centros mais avançados na pesquisa de carnes sintéticas. Recentemente, cientistas da Universidade de Oslo, na Noruega, assumiram uma missão hercúlea: organizar o primeiro banco de células de animais do mundo. A ideia não poderia ser mais ambiciosa. De um lado, os pesquisadores pretendem mapear e salvar espécies ameaçadas de extinção. De outro, desenvolver o cultivo de carne em laboratório – o que vem sendo feito com sucesso.
Funciona assim: os cientistas isolam células de bovinos que têm a capacidade de se regenerar. A seguir, essas células são colocadas em grandes tanques biorreatores e recebem oxigênio e nutrientes como açúcar e minerais. Depois de alguma semanas, elas se transformam em tecidos musculares. Mais adiante, estão prontas para o consumo.
A promessa de carne cultivada em laboratório para substituir o gado ainda está longe de ser cumprida. Nenhuma empresa no mundo está pronta para produzir, in vitro, um volume de carne sintética capaz de abastecer supermercados e restaurantes. Por enquanto, os custos também são altos demais para fabricar um simples bife, mas a tendência é que eles diminuam à medida em que novas empresas e tecnologias surgirem no mercado. Uma aposta do mercado é que, até 2022, redes de supermercados comecem a vender carnes sintéticas.
Efeitos
Apesar de a carne produzida em laboratório ser provavelmente um caminho sem volta, a ciência não forneceu todas as respostas que envolvem o assunto. Até agora, não existem pesquisas abrangentes sobre os efeitos do consumo regular de carne que foi fabricada artificialmente, embora as empresas assegurem que elas são 100% seguras para a dieta humana.
Também pairam dúvidas sobre a regulamentação pelas autoridades. As carnes artificiais devem ser enquadradas nos mesmos critérios adotados para os grandes frigoríficos? Ou elas precisam de novos parâmetros? Alguns analistas chamaram a atenção para a questão ética. Se é possível fabricar um bife, quanto tempo levará para a humanidade criar um animal inteiro? Anos, décadas ou séculos? Ou isso nunca será possível? Mesmo se essas perguntas não forem respondidas – talvez nunca sejam –, a carne artifi cial cer tamente ganhará cada vez mais espaço.
Insetos e algas comestíveis
As carnes de laboratório não são a única aposta para a substituição dos alimentos tradicionais. Há uma corrente de cientistas que defende a inclusão de insetos na dieta habitual dos humanos. Segundo esses pesquisadores, insetos são ricos em proteínas, vitaminas e elementos minerais, o que os torna uma opção fundamental para pessoas que preferem o consumo de alimentos saudáveis.
Uma das líderes desse movimento é a chinesa Bugsolutely, criada em 2016 e que, desde então, lançou uma grande variedade de alimentos à base de insetos. Os mais conhecidos são os snacks Bella Pupa, que podem ser encontrados em supermercados na China, mas a ideia é levá-los para os Estados Unidos e Europa no início do ano que vem.
O Bella Pula é feito de bicho-da-seda. Segundo a empresa, ele tem o dobro de aminoácidos na comparação com carne de porco e frango, o dobro do ferro encontrado em um ovo e mais de dez vezes os valores de zinco e magnésio do que o leite.
Como as carnes de laboratório, os insetos também podem ajudar a preservar o meio ambiente. Estudos recentes mostram que as emissões de gases do efeito estufa provenientes da agricultura de insetos são 40% inferiores às emissões da pecuária. Os insetos, obviamente, também exigem um espaço para a produção muito menor do que o gado.
Nos Estados Unidos, estudos recentes mostraram o valor nutritivo de algas marinhas. Elas são ricas em potássio, ferro, cálcio, fibras, iodo e uma série de vitaminas. E com a vantagem extra de serem baratas para produzir.
No estado do Maine, o Kelp, como são chamadas as algas marinhas, se tornou a cultura preferida dos pescadores. Como não requer insumos, nem terra arável, água doce, fertilizantes ou pesticidas, seu cultivo é barato, o que tem atraído os olhares de grandes investidores.