Ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento durante o regime militar, Antonio Delfim Netto, avalia que o atual governo tem um lado "iluminado", onde tem sido feito o manejo correto da economia, mas que contrasta com um lado "sombrio". Ele afirma que faz falta um projeto para o País, que tem andado em círculos nos últimos 40 anos, apesar de avanços. Ainda assim, ele diz acreditar que o futuro para o Brasil, como destino de investimento internacionais, pode ser promissor. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual balanço pode ser feito desse primeiro ano de governo Bolsonaro na economia?
A área econômica tem ideias muito boas. As propostas do (ministro Paulo) Guedes são muito boas e a orientação também. Infelizmente, ele tem tido uma grande dificuldade, porque o governo tem dois lados: tem um lado sombrio e tem um outro que é iluminado. O lado sombrio tem feito muito estripulia, mas não tem conseguido atrapalhar de forma eficiente o lado iluminado. Mas o lado iluminado precisa dessa compreensão de que precisamos mobilizar os recursos para produzir o desenvolvimento do Brasil.
Qual seria o caminho para o País se desenvolver?
Não há nenhuma condição de se fazer isso sem entender que toda sociedade tem um dilema fundamental, que é produzir a sua autossuficiência. Mas isso implica em uma outra coisa: o que é produzido pode ser consumido ou investido. O que se consome, desaparece; o que é investido retorna para o estoque de capital, aumenta a produtividade e se reflete em mais desenvolvimento.
A crise política ainda atrapalha a recuperação da economia?
A sociedade que queremos deve buscar a igualdade de oportunidades, esse é o objetivo que está na Constituição de 88, que as pessoas insistem em ignorar. A Carta tem muitos exageros. Ela precisaria, realmente, de uma curetagem, tirar de lá tudo o que não é princípio ou direito, para permitir que a sociedade fosse se ajustando à mudança dos tempos. Os tempos mudam, não se pode imaginar uma Constituição que inclua tudo. O objetivo é insistir em uma sociedade onde os maiores valores são a liberdade e a igualdade de oportunidades, porque não adianta nada ser livre sem igualdade de oportunidades, não adianta dizer que quem nasceu num lar rico e quem nasceu na pobreza têm a mesma liberdade.
Havia muita expectativa no início do ano de uma retomada mais forte da economia, mas o crescimento ainda deve ser tímido. O sr. está otimista com o Brasil dos próximos anos?
Um sujeito com 91 anos, como eu, que for pessimista é um imbecil. Nós não temos competência para impedir o Brasil de crescer. Temos feito muita força, mas não temos tido sucesso.
Falta um projeto para o Brasil?
O Brasil, hoje, não se pensa. Na verdade, faz ao menos 50 anos que o País não se pensa. Nos anos 80, o Brasil tinha uma das indústrias mais sofisticadas do mundo. Quem diz isso não sou eu, mas os relatórios mais importantes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. O Brasil tem ficado nos últimos 40 anos em um estado de subdesenvolvimento, que não é absoluto, mas relativo. O País crescia a uma taxa bastante razoável, mas perdeu o caminho.
O governo tem se esforçado para que o Brasil entre na OCDE, organização conhecida como um clube de países ricos. Faz diferença ser sócio desse clube?
Isso é irrelevante. É muito bom entrar na OCDE, é um clube interessante, mas não é isso que vai produzir o desenvolvimento. O que vai desenvolver o País é a consciência nacional de que há limites que devem ser atingidos, os princípios e os direitos estão estabelecidos, mas isso não cria recursos. Os recursos são os que nós temos aqui, no País, e que estamos utilizando mal. O Brasil está investindo muito pouco e não tem nenhuma outra solução para o Brasil, a não ser voltar a investir.
Investir de que modo?
O Brasil tem oportunidades maravilhosas de investimentos, com taxas de retorno imensas, de 6%, 7%, para os próximos 30 anos. E o mundo está com taxas de juros negativas. O resto do mundo está à disposição do Brasil, se ele tiver o mínimo de inteligência. E mais do que isso: é visível a situação instável em que estão os outros países. Quem é que pode acreditar na estabilidade do Oriente Médio? Quem pode acreditar que os países ricos tenham um suprimento razoável de energia sem o controle do (presidente da Rússia, Vladimir) Putin?
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
ECONOMIA