A recente alta do dólar, que chegou a bater o recorde de sua cotação nominal, – ou seja, sem descontar a inflação –, ao fechar a R$ 4,26, indica que alimentos e bebidas devem ficar mais caros para o consumidor já pressionado pelos aumentos de preços típicos do fim de ano.
Enquanto artigos demandados para as ceias de Natal e Ano-novo, como vinhos e castanhas, conseguiram desembarcar no país antes da valorização da moeda americana, novas remessas tendem a encarecer. Da mesma forma, itens comuns na mesa do brasileiro, a exemplo do pão francês, que depende do trigo importado pelo Brasil, começam a sofrer alterações.
Caso a moeda americana continue valorizada, a dona de casa deve ficar atenta para possíveis altas nos próximos meses, especialmente de produtos dependentes de matérias-primas ou insumos importados. Na contramão dessa tendência, os exportadores é que são beneficiados, com a oportunidade de vender mais caro para o mercado internacional.
A indústria da panificação, que sofre os efeitos de outras despesas que ficaram mais altas, teme fortes oscilações positivas no câmbio. O presidente da Associação Mineira de Indústria da Panificação (Amipão), Vinícius Dantas, diz que, além do câmbio, outro problema é a falta de oferta de trigo na Argentina, devido à crise econômica no país vizinho.
Cerca de 50% do trigo consumido no Brasil é importado, sendo que aproximadamente 70% do grão que vem do exterior é argentino. Variações na cotação do dólar afetam a oferta dos derivados de trigo no país.
Houve também recentes reajustes nas tarifas de energia elétrica e gás que alimentam os fornos das padarias, fator que deverá contribuir para deixar o pão de sal mais caro. “A tendência é de aumentarem os preços nas padarias, mas o mercado consumidor é que vai ditar a possibilidade ou não de repasse (dos custos para o consumidor)”, afirma Vinícius Dantas.
O presidente da Amipão acredita que se a moeda americana continuar se valorizando, o aumento nos preços deve ser de cerca de 0,5%. Porém, diz não ver o dólar em alta por muito tempo. A crença dele é de que o Brasil “vive muito ainda na especulação financeira”.
Requisitados nas festas de fim de ano, os vinhos podem seguir a mesma curva de valorização nas prateleiras do varejo. O sócio-diretor da Casa do Vinho, revendedora de bebidas de Belo Horizonte, André Martini, garante que os preços dos produtos não vão mudar para o Natal, já que os estoques estão prontos. “Em respeito ao consumidor, temos que manter”, diz.
No entanto, o comerciante conta que trabalha com faixa de oscilação do câmbio na qual é possível operar sem aumentar os preços. “Muita vezes reduzimos margem para que o aumento seja menor”, afirma. Ele não se arrisca a prever o comportamento dos preços das garrafas que ainda estão no trajeto do fornecedor para a loja. Martini explica que os vinhos, assim como outros produtos importados, são afetados com atraso pelas variações no câmbio. O período entre a compra no exterior, o transporte e a liberação dos produtos normalmente é de 65 a 100 dias.
Ao chegar no Brasil, todos os impostos são calculados sobre a mercadoria, com base na cotação do dia, o que torna imprevisível o valor de fechamento da compra total. Por essas razões, o comerciante não tem um planejamento em relação a isso. “A previsão de câmbio não é uma coisa que tem muita lógica no Brasil. Fico preocupado, mas não tenho bola de cristal”, justifica Martini.
Alta contínua
O consultor financeiro e professor da faculdade Uni Horizontes, Paulo Vieira, explica que, com o dólar mais caro, os importadores pagam mais para adquirir insumos do exterior. Assim, é necessário repassar os custos para o consumidor, o que encarece os produtos. “Alta contínua e persistente do dólar deve levar a inflação”, conclui. Nesse caso, artigos que dependem de fornecimentos que vêm do mercado internacional, e por isso cotados em dólar, ficam mais caros. É o caso do pão, que depende do trigo, e das vestimentas, que precisam do algodão.
A partir do momento em que os preços dos itens que dependem do dólar sobem, a tendência é que demorem a voltar ao patamar anterior. Vieira explica que os comerciantes pensam que se estão conseguindo vender é porque ainda há consumidores dispostos a comprar. Na análise do professor, por isso, a não ser quando há forte concorrência, os preços demoram a cair depois de um cenário de inflação. Além disso, ele destaca que vários fatores formam os preços, como os custos de matéria-prima e mão de obra, que podem seguir uma tendência contrária ao dólar.
'Quem garante os precos?'
O gerente do Empório Ananda, delicatessem instalada no Mercado Central de BH, Eduardo Carlos de Campos, diz que a alta do dólar não fez tanta diferença por enquanto. O comerciante afirma que já comprou boa parte do estoque encomendado para o Natal, e não deve alterar os preços. “Se não tivesse trabalhando em cima de estoque, com certeza ia passar aperto”, afirma. O problema serão as novas remessas, a exemplo da castanha portuguesa.
“Particularmente não tenho o que reclamar, estou vendendo bem”. Ainda assim, Eduardo não consegue garantir os preços da castanha portuguesa, já que ainda não encomendou a iguaria. Ele conta que ter percebido no Mercado Central aumento no preço do quilo do produto típico de fim de ano: de R$ 79 para R$ 89. Agora, ele não sabe o que esperar do câmbio. “É difícil prever esse negócio de bolsa. O presidente fala uma coisa e muda”, comenta.
O consultor financeiro e professor Paulo Vieira destaca uma série de razões para a recente alta do dólar. “O dólar não sobe por uma causa só”, diz. Tanto as incertezas da política brasileira, como a tramitação das reformas no Congresso, a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China e a crise na Argentina influenciaram na valorização do dólar e a consequente desvalorização do real. Como no Brasil o câmbio é flutuante, a cotação da moeda é determinada pelo mercado. Quer dizer, quanto menos dólares estiverem disponíveis no país, mais caro é comprar a moeda americana.
“Houve muita saída de dólar do Brasil nas últimas semanas. O investidor corre para onde acha que é mais seguro”, explica Paulo Vieira. Dois meses atrás, em 8 de outubro, o dólar fechou o pregão cotado a R$ 4,08. Depois de um período estável, em novembro as altas se tornaram mais expressivas. Isso ocorreu até que em 27 de novembro alcançou a cotação nominal mais alta desde a implementação do Plano Real, que foi de R$ 4,26.
A partir daí, a tendência foi de desvalorização da moeda americana. Paulo Vieira acredita que, no curto prazo, o dólar deva recuar um pouco, mas nada muito acentuado. “Estamos no final do ano, época de uma natural demanda mais aquecida por dólares”, afirma. Já entre seis meses e um ano, o consultor financeiro aposta em que a moeda americana deve se estabilizar em torno de R$ 4. “Até porque acredito que se houver uma pressão de alta muito forte, o Banco Central também atuará forte”, argumenta.
Exportador surfa em altas ondas
Vista com receio pelos importadores, a alta do dólar favorece as exportações. A coordenadora da assessoria técnica da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), Aline Veloso, trata a valorização da moeda americana como “oportunidade” para a pauta de exportações do estado. “Quando o real está depreciado, podemos ter ganhos maiores ao exportar o produto”, explica, já que o comprador estrangeiro tem que desembolsar menos dólares para adquirir o que é produzido dentro do Brasil.A coordenadora da Faemg dá como exemplo o café, que teve aumento na receita de exportação ao longo dos 10 primeiros meses do ano. Segundo ela, de janeiro a outubro de 2019 o grão rendeu US$ 2,8 bilhões em vendas para 88 países, crescimento de 17,1% em relação ao mesmo período de 2018.
Aline Veloso não vê uma relação direta entre aumento das exportações e o encarecimento dos produtos no mercado interno, como vem ocorrendo com as carnes de boi e porco. “Há uma relação indireta, mas não dá pra afirmar como vai mudar o preço. Esses são produtos (como o café) que a gente já exporta”, comenta. Em relação à recente alta nos preços das carnes, ligada a uma forte demanda da China, Aline explica que o caso “não foi 100% por causa da exportação”, já que outros fatores internos também contribuíram.
Porém, mesmo com o cenário de valorização do dólar, ela explica que o faturamento das exportações mineiras de produtos agropecuários – que é responsável pela maior parte das exportações estaduais – caiu nos 10 primeiros meses de 2019 em relação ao mesmo período do ano passado. Este ano, até outubro Minas exportou o equivalente a US$ 6,39 bilhões, valor que representa recuo de 2,5% na comparação com a cifra apurada em 2018.
A coordenadora da Faemg aponta que o motivo está na queda de preços das commodities (preços agrícolas e minerais cotados no exterior) como os do café, soja e açúcar , produtos que figuram na lista dos campeões das exportações do estado.
* Estagiário sob a supervisão da subeditora Marta Vieira
* Estagiário sob a supervisão da subeditora Marta Vieira