Mais da metade da população brasileira está endividada. Até novembro de 2019, 65,1% das famílias relataram ter algum tipo de dívida, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). No mesmo período do ano passado, o indicador era de 60,3%. O cartão de crédito foi apontado em primeiro lugar como um dos principais tipos de dívida por 78,8% das famílias, seguido por carnês e financiamento de carro.
A economista da CNC Marianne Hanson explica que estar endividado não significa inadimplência. “O crédito possibilita que muitas famílias tenham acesso ao consumo de bens e serviços que não conseguiriam pagar à vista e dos quais precisam imediatamente. Também há famílias que concentram os gastos no cartão. Logo, estar endividado não é a mesma coisa que estar inadimplente”, explica. “As dívidas com cartão de crédito vêm aumentando porque ele está substituindo outras formas de financiamento. O acesso fácil ao crédito e às opções de parcelamento são mais viáveis para muitas famílias”, indica a economista.
As elevadas taxas de juros do cheque especial também são o motivo de grande parte das dívidas acumuladas pelos consumidores. Até outubro deste ano, os débitos no cheque especial de pessoas físicas somavam R$ 26,53 bilhões, enquanto as dívidas de pessoas jurídicas nessa modalidade eram de R$ 10,06 bilhões. Os juros do cheque especial para pessoas físicas variam de 1,52% a 15,92% ao mês, ou 19,79% a 488,84% ao ano, segundo o Banco Central (BC). Atualmente, entre pessoas físicas e jurídicas, o cheque especial é utilizado por 81 mil clientes bancários.
Na semana passada, o BC limitou os juros do cheque especial a um teto de 8% ao mês e decidiu que os bancos vão poder cobrar uma tarifa mesmo de quem não usa, mas pretende manter aberta a linha de crédito. Isso significa que, a partir de 1º de junho, para ser obrigado a pagar essa tarifa basta ter um limite de cheque especial acima de R$ 500. Ou seja, mesmo que a pessoa não utilize o cheque especial, o banco poderá cobrar uma taxa. Apenas clientes que tiverem até R$ 500 de limite serão isentos.
Por mais que ofereça imediatismo de uso, o cheque especial, explica o professor do Departamento de Ciências Contábeis Jomar Miranda, deve ser evitado ao máximo por pessoas que são desorganizadas financeiramente. “Caso não tenha outra saída, o ideal é ficar com o dinheiro o menor tempo possível e procurar taxas menores, além de preferir o rotativo em vez do parcelado”, explica. Segundo o professor, pessoas que controlam as finanças pessoais e têm conhecimento sobre o que realmente precisam consumir normalmente não pegam o especial, e preferem se planejar.
PLANEJAMENTO
Uma rota de fuga do cheque especial é o bom uso do cartão de crédito. No parcelado – que divide o total da fatura –, as taxas de juros para pessoas físicas vão de 3,03% a 16,08% mensais, ou de 43,05% a 498,31% ao ano. Já no crédito rotativo para pessoas físicas os juros são maiores: de 0,68% a 19,93% por mês, equivalentes a 19,99% e 790,53% ao ano. O rotativo permite que, caso o cliente não pague a fatura, o débito passe para o mês seguinte com juros sobre o saldo devedor.
Quando bem utilizado, o cartão de crédito permite que o consumidor planeje a compra de bens duráveis e tenha acesso a uma linha de crédito rápida, além de oferecer outras vantagens. Até o fim do ano passado, havia 98,7 milhões de cartões de crédito ativos no país. Em outubro de 2019, o saldo dos débitos para pessoas jurídicas era de R$ 11,30 bilhões e o de pessoas físicas alcançava R$ 251,29 bilhões, segundo o BC.
O cartão de crédito oferece a possibilidade de parcelamento sem juros, que pode ser melhor aliado do que o cheque especial em situações de emergência. Além disso, os programas de milhas e pontos que alguns bancos oferecem permitem ao cliente obter passagens aéreas, hospedagens, produtos e outras vantagens. Outra vantagem de alguns cartões são descontos em lojas, restaurantes e cinemas.
De acordo com o coordenador do MBA em gestão financeira da Fundação Getulio Vargas (FGV) Ricardo Teixeira, mesmo com as facilidades o cartão de crédito deve ser utilizado com atenção. Não é apropriado ultrapassar a renda mensal em gastos no cartão, pois, em caso de atraso no pagamento, os altos juros e outros encargos podem virar uma bola de neve muito difícil de quitar.
O aposentado Carlos Costa, de 57 anos, conta que precisou utilizar o cheque especial e demorou mais de dois anos para conseguir pagar todos os juros. Depois disso, deixou de usar a modalidade e aderiu ao planejamento financeiro. “Todo início de mês vejo quais seriam os gastos e me planejo. Uso o cartão para a compra de coisas mais caras, que não cabem no salário de um mês, mas que tenho certeza de que vou conseguir pagar em dia”, conta.
* Estagiária sob supervisão de Odail Figueiredo