O brasileiro vive uma nova realidade com juros baixos. Ele precisará buscar outras formas de investimentos para conseguir retornos maiores. Caderneta de poupança, fundos de renda fixa e títulos públicos começam a perder para a inflação. Portanto, o investidor nacional, que é tradicionalmente conservador e apostava nessas aplicações, vai ter que correr um pouco mais de risco, sobretudo, no mercado de ações, para não perder dinheiro, avisam os especialistas.
A taxa básica da economia, Selic, está em 4,5% ao ano, a menor da história. Descontada a inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e estimada pelo mercado, de 3,98% anuais, os juros reais caem para 0,52% ao ano. Para quem precisa fazer empréstimo, isso é positivo, pois o custo do dinheiro tende a ficar menor se as instituições financeiras começarem a oferecer crédito mais barato. Mas, para o rentista que quiser embolsar o que ganhou há três anos com títulos públicos, por exemplo, será necessário muito mais tempo para obter retorno parecido, mais do que o dobro, com certeza.
Especialistas ouvidos pela reportagem orientam que é importante pesquisar bastante e saber escolher as aplicações financeiras que mais se adequem ao seu perfil e ao seu objetivo de curto, médio ou longo prazos. Eles alertam que, no caso de fundos, é preciso também ficar atento às taxas de administração e de performance que costumam ser cobradas e podem acabar corroendo os ganhos do pequeno investidor.
Juros estariam na 'normalidade'
Myrian Lund, professora de finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que, da perspectiva do investidor, o Brasil tem mudado muito, algo que ela considera muito positivo. “Nos Estados Unidos, as taxas de juros são até mais baixas do as que no Brasil. Mas estamos vivenciando agora um cenário de país estável, com inflação e juros baixos”, explica. “Juros baixos é uma conjuntura internacional. Vivíamos um modelo artificial e, para ter aqueles ganhos, pagamos caro, indiretamente, para sustentar aqueles juros altos que eram remunerados pelos títulos públicos. Agora estamos dentro da normalidade”, completa.
A professora ressalta que, os brasileiros sempre investiram no conforto da renda fixa, onde não há riscos porque existe o respaldo do Fundo Garantidor de Créditos (FGC). “Quando estamos falando da aposentadoria ou imóveis, o seu dinheiro precisa render acima da inflação. Nós nunca aprendemos isso, então é um novo paradigma para todo cidadão brasileiro que lida com investimento”, explica. Ela lembra que, se a inflação voltar a subir daqui para frente, como vem acontecendo neste fim de ano, o poder de compra da população vai diminuindo cada vez mais. “Isso é um convite para buscar investimentos que dão uma rentabilidade maior”, aconselha.
Myrian cita três riscos dos investimentos que ela acredita que o brasileiro deve enfrentar com esse novo panorama e que exigem pesquisa e planejamento para quem for investir na renda variável. O primeiro deles é o de não ter liquidez diária, ou seja, a falta do recurso para uma emergência. O segundo risco é o de crédito, ou seja, a possibilidade de perdas associadas ao não cumprimento pela contraparte. E, por último, o risco de mercado, o mais característico da renda variável, onde a rentabilidade fica a mercê das variações do mercado financeiro."Com a taxa básica em 4,5% ao ano, ele vai precisar aplicar parte dos recurso em investimentos que tenham mais risco do que ele antes fazia"
Marcos Sarmento Melo, diretor da Valorum Gestão Financeira
Para 2020, a professora da FGV acredita que o brasileiro precisará estudar mais a situação econômica do país. “A lição seria a de não colocar todos os ovos na mesma cesta, por isso que temos que aprender a investir de formas variadas para poder ganhar um pouco mais”, destaca.
Opção por fundos imobiliários
A professora de educação física Lorena Cruz, de 29 anos, conta que, em 2017, outro professor falou com ela sobre o teto da Previdência e ela percebeu que se aposentaria ganhando menos dinheiro do que o previsto investindo apenas em renda fixa. A partir daí, começou a ir atrás de informações sobre investimentos na internet. “Na renda fixa eu percebi que demoraria muito para ter algum retorno, aí eu comecei a ter pressa e fui para a renda variável”, afirma.Lorena procurou aplicações em ações e em fundos imobiliários para substituir os investimentos em renda fixa que havia feito anteriormente. “Gostaria de ter me preocupado com isso desde a adolescência. Eu comecei dessa forma porque era menos arriscado. Agora, com a taxa Selic caindo, percebi que demoraria muito para obter um rendimento muito baixo”, compara. Segundo a professora, os riscos valem a pena para tentar construir uma aposentadoria melhor.
Marcos Sarmento Melo, diretor da Valorum Gestão Financeira, acredita que os desafios para 2020 para os investidores estão totalmente ligados à taxa de juros, que devem influenciar muito na tomada de decisão no ano. “Com a taxa básica em 4,5% ao ano, ele vai precisar aplicar parte dos recurso em investimentos que tenham mais risco do que ele antes fazia.”
Expectativa com a queda da Selic
Os custos do crédito no mercado financeiro ainda não acompanharam o ritmo de redução da taxa básica da economia, Selic, que caiu para menos da metade do que estava em 2016, de 14,25% ao ano, para 4,5%, atualmente. Uma das dúvidas do mercado é se finalmente o spread bancário (que inclui a margem de lucro, impostos e os custos das instituições financeiras) vai cair ou não a partir de 2020. Credito mais barato será positivo para a retomada da economia, renegociação de dívidas e será um estímulo para a casa própria.
Marcos Sarmento Melo, diretor da Valorum Gestão Financeira, demonstra otimismo em relação à queda no custo do crédito para o consumidor. “Com o aumento da concorrência o spread cai. Existe um aumento sim da competição, temos cada vez mais fintechs e agentes financeiros que têm a possibilidade de oferecer um crédito competitivo”, explica. Contudo, ele acredita que a intensidade e o momento em que isso vai acontecer, nem o Banco Central pode prever.
Na avaliação de Myrian Lund, professora da FGV, a redução do spread depende muito mais do comportamento da população que toma esse crédito. “Enquanto as pessoas estiverem tomando crédito, eles não vão baixar, é a lei de oferta e demanda”, explica. Ela afirma que tomar uma posição mais ativa na hora de buscar o melhor crédito pode pressionar os bancos a se tornarem mais competitivos. “Cabe a cada um de nós sair da cadeira e agir de uma forma mais profissional. Temos que fazer a nossa parte e aprender a dizer não.”
A especialista em finanças pessoais informa ainda que não é preciso pegar um empréstimo no primeiro local procurado, para ela é necessário uma melhor análise da situação financeira e procurar outras alternativas. “Hoje podemos entrar na internet procurando por crédito e temos um mundo completamente diferente. Da mesma forma que podemos pedir um carro por aplicativo, nós temos novas alternativas no mercado financeiro”, exemplifica Myrian. “Os bancos só vão mudar quando as pessoas começarem a dizer não para as taxas de crédito. É simples, ou eles atentem ou os clientes vão embora. Nós não podemos esperar que o governo tome todas as atitudes quanto a isso”, completa."Quando estamos falando da aposentadoria ou imóveis, o seu dinheiro precisa render acima da inflação. Nós nunca aprendemos isso, então é um novo paradigma para todo cidadão brasileiro que lida com investimento"
Myrian Lund, professora de finanças da FGV
Luciana Ikedo, assessora de investimentos, também acredita que as taxas de crédito devem cair. “Depende diretamente dessa taxa de juros baixa na economia. Mesmo que o ciclo de cortes tenha chegado ao fim a gente entende que nesse momento os juros vão continuar baixos e para crédito isso é extremamente positivo.”
Para a assessora, essa é uma boa oportunidade para as pessoas se organizarem para poder conseguir quitar dívidas e buscar melhores condições para financiamentos de bens e imóveis. “Caso seja devedor, faça uma reorganização das dívidas com as instituições e que foque em uma dívida única para conseguir um período mais alongado”. Segundo Luciana, esse é um bom momento para tirar aquele projeto que estava parado do papel. Para as empresas, isso significa expansão e melhorias. Para a população, é um bom momento para comprar imóveis e para a reorganização geral das dívidas já existentes. (Colaborou Gabriel Pinheiro)