O SoftBank foi em 2019 uma espécie de fada madrinha das startups latino-americanas, especialmente no Brasil. Na região, os aportes – como agente principal ou secundário – chegaram a 19 – isso tudo em menos de um ano de operação. Em abril, no anúncio da criação de um fundo para negócios na América Latina, foi comunicado ao mercado que os recursos captados chegaram a US$ 5 bilhões (R$ 20,1 bilhões, na última cotação de 2019). No entanto, os desembolsos do chamado Latin American Fund até agora, apesar de terem sido relevantes para alavancar jovens empreendimentos, ficaram bem abaixo do volume total.
Segundo declaração em dezembro por André Maciel, sócio do SoftBank Group International e líder de operações brasileiras de investimentos, foram aplicados até agora entre R$ 6 bilhões e R$ 10 bilhões, portanto, menos da metade do total. A startup colombiana de entregas Rappi, com operação no Brasil, foi o destino da maior rodada com a participação do SoftBank, no valor de US$ 1 bilhão, realizada em abril do ano passado.
Também receberam recursos em 2019 as brasileiras Loggi (também de entregas), Creditas (fintech de crédito), QuintoAndar (setor imobiliário), Gympass (plataforma de planos para academias), Buser (fretamento de ônibus), Olist (plataforma de acesso a marketplaces), Vtex (plataforma de comércio eletrônico unificado), MadeiraMadeira (marketplace de produtos para casa), Volanty (intermediadora de compra e venda de carros usados) e Banco Inter (banco digital da família Menin, mesma dona da MRV). Fora do Brasil, receberam recursos Clippy e Konfío, do México, e a fintech Ualá, da Argentina.
Apesar de os desembolsos não terem atingido nem a metade do total captado pelo fundo, o SoftBank fez barulho no ano passado. Graças ao aporte liderado pelo Latin America Fund na América Latina, por exemplo, que a Gympass se somou ao time brasileiro de unicórnios – startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão – depois de receber US$ 300 milhões. Mais recentemente, foi a vez de a VTEX ser o destino de US$ 140 milhões. Na lista, entraram ainda Rappi, Loggi e QuintoAndar.
Otimismo com a economia
Otimista, Maciel declarou estar satisfeito com a carteira de investimentos. Mas fez questão de dizer que o resultado final só virá mesmo dentro de quatro a cinco anos. O executivo apontou para uma melhora tanto na economia brasileira quanto no consumo, o que reforça o clima otimista. Segundo Maciel, o SoftBank foi responsável pela maior campanha de investimento de um fundo de private equity no Brasil voltado a negócios com potencial de serem escaláveis, com perfil inovador e DNA tecnológico. O tíquete de investimento foi de US$ 7 milhões a US$ 350 milhões em 2019. Cerca de 300 empreendimentos foram avaliados no ano.
Estratégia diferente para 2020
Mas como o fundo para a América Latina vai se comportar em 2020? De acordo com declaração de Maciel feita em dezembro em evento para a imprensa, o grupo vai manter a posição de investidor no Brasil, mas com uma estratégia diferente. Serão menos rodadas do que as vistas em 2019, mas os aportes a cada negócio vão ser maiores.
Segundo o executivo, estão disponíveis recursos para novos aportes em startups atualmente já estão no portfólio do fundo. É, de acordo com Maciel, o melhor tipo de investimento. "Normalmente significa que as empresas já têm modelo provado e só precisam de mais capital.”
Desde que foi estruturado o fundo para apostas na América Latina, foram analisadas cerca de 300 startups – desse total, 15 chegaram à fase de “due dilligence”, quando os investidores mergulham nas contas da empresa-alvo. Mas as negociações com o SoftBank acabaram não avançando. Durante o evento, no mês passado, Maciel admitiu que o fundo “já realizou seus aportes mais óbvios, mas não fizemos ainda nossos maiores cheques.” “Ainda não sabemos como será o portfólio, porque temos cinco anos para investir. Esperamos mortalidade de algumas empresas, o que é natural, mas vamos manter o ritmo de investimentos”, afirmou.
Sinergia entre negócios
Além de ter decidido por menos aportes com mais dinheiro, o fundo do SoftBank deve buscar mais sinergia entre os negócios que já passaram por rodadas de investimento. O Banco Inter, por exemplo, que já recebeu dois aportes – o que deu ao grupo 14,9% de suas ações e um assento no conselho de administração –, já deu pistas que fará parte desse processo.
Helena Caldeira, diretora de relação com investidores do Banco Inter, declarou recentemente que há estudos para promover integrações financeiras com outras startups que receberam dinheiro do SoftBank. Por exemplo, Gympass, Loggi e Vtex. A plataforma da Gympass poderá servir para a oferta de serviços financeiros aos proprietários de academias. Mas o estreitamento da relação do Inter com outros investidos pelo SoftBank pode incluir ainda para a troca de experiências de mercado, a partir do know-how em suas áreas de atuação.
No Brasil, o SoftBank, além de destinar recursos a startups por meio do Latin American Fund, faz operações por meio de fundos de investimento brasileiros que fazer aportes de maneira indireta em negócios com potencial de escala e com origem tecnológica ainda em fase inicial. Isso é feito por meio de fundos como o KaszeK Ventures e o Valor Capital Group.
Apesar das boas perspectivas para o fundo na América Latina, há problemas a serem resolvidos na região. No caso do Brasil, hoje uma das dificuldades é a escassez de desenvolvedores e de programadores com experiência. Quem está no mercado, no geral tem pouca experiência, o que atrapalha a parte de suporte à construção de arquitetura de tecnologia.
Problemas com o WeWork
Mas esse talvez seja o menor dos problemas. O grupo japonês teve recentemente de desembolsar US$ 10 bilhões em uma operação de socorro a WeWork, especializada em espaços de coworking e com negócios também no Brasil. A empresa passou por dificuldades depois de o prospecto de abertura de capital ser recusado pelo mercado. A operação de socorro incluiu ainda a ida de Marcelo Claure, líder do fundo latino do SoftBank, para a presidência da WeWork. Maciel comentou a situação da startup e admitiu ser um dos maiores desafios atualmente: “Houve erros e lições a serem aprendidas. Mas é preciso entender que, na média, o empreendedor vai sempre contra as normas.”
O polêmico Masayoshi
Hoje, o SoftBank Vision Fund é a principal fonte de recursos para investimentos no Vale do Silício, na Califórnia. A cada seis semanas, é feita uma longa teleconferência da qual participam 75 profissionais e empreendedores, de três continentes, para que possam acompanhar suas startups.
O próprio bilionário japonês Masayoshi Son, fundador da empresa-mãe do fundo, SoftBank Group Corp., costuma chamar a partir de Tóquio. Masa, é conhecido, tem o poder de ser encantador e esfuziante nas teleconferências. Mas não se engane. Esses momentos são alternados por reações furiosas em que são feitas duras cobranças daqueles que estão apresentando dados. O empresário não facilita. Cobra métricas que sejam ao mesmo tempo mutáveis, que sejam cheias de detalhes e infalíveis.
Essa pressão por crescimento teve seus efeitos colaterais no caso da WeWork. Masa identifica uma startup com potencial de receber investimentos, aperta os fundadores para que expandam de forma agressiva e, avaliam os analistas que acompanham sua trajetória, ganha com avaliações infladas. Tudo ia bem até os problemas operacionais da WeWork, a empresa de maior destaque no seu portfólio.
Além da característica de gestor de Massa, outra marca está na origem da maior parte do dinheiro do Vision Fund, a Arábia Saudita. O bilionário japonês conseguiu US$ 45 bilhões com os sauditas, apesar do histórico negativo do país na esfera dos direitos humanos. O próprio príncipe herdeiro Mohammed bin Salman deu suporte ao Vision Fund em 2016, época em que centenas de empresários e autoridades governamentais do reino foram detidos no Ritz-Carlton Riyadh. Essas pessoas, segundo relatos, teriam sido torturadas e um general saudita morreu no cativeiro. No ano seguinte, o príncipe foi apontado pela CIA e pela Organização das Nações Unidas (ONU) no assassinato brutal do jornalista americano do Washington Post, Jamal Khashoggi. As acusações foram negadas por ele.
O fundador do SoftBank parece não dar muita importância à fonte de recursos, tampouco as empresas investidas, como a própria WeWork (US$ 10,7 bilhões), o Uber (US$ 7,7 bilhões), a Zume (US$ 375) milhões) e o aplicativo para passear com cães Wag (US$ 300 milhões). Mas além da relação com a Arábia Saudita, o bilionário japonês também tem de lidar com problemas domésticos, apontados por quem trabalha ou já passou pela Vision Fund, como disputas políticas internas, assédio e uma tolerância acima do padrão ao risco – tudo envolto em um invólucro de estranheza geral.