Brasília – O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem dito que o Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto da produção de bens e serviços do país) vai crescer, em 2020, “o dobro de 2019”, mas isso ainda não é motivo para comemoração, na avaliação de especialistas ouvidos pelo Estado de Minas. A base de comparação é baixa e a taxa projetada pela Secretaria de Política Econômica (SPE), de 2,3%, está contaminada pelo carregamento estatístico da melhora da atividade nos últimos seis meses do ano passado. O desempenho da economia brasileira ficará abaixo da média global e daquela dos países emergentes, de 3,4% e de 4,5%, respectivamente, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Apesar de reconhecerem que o PIB deste ano será melhor que o do ano passado, os especialistas não descartam a possibilidade de frustração. A área econômica foi o ponto forte do primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, que apresentou retrocessos na agenda de costumes e de meio ambiente. A retomada mais firme da atividade econômica no segundo semestre de 2019 foi puxada pela liberação dos saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e pela continuidade da queda da taxa dos juros básicos (Selic), que está no menor patamar da história, de 4,5% anuais.
Esse nível de juros, por sinal, leva as autoridades a reforçar as apostas de que 2020 será marcado pela retomada do investimento privado. É esse o caminho para o crescimento mais duradouro.
Pelas projeções do Banco Central, o PIB crescerá 2,2% em 2020, com investimento e consumo como motores da atividade econômica. A chamada Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) deve avançar 4,1%, evitando que, mais à frente, falte produto para atender à demanda.
O economista e sócio da 4E Consultoria, Juan Jensen, demonstra otimismo em relação à volta do crescimento com a ajuda do investimento privado, uma vez que o Estado perdeu essa capacidade há anos. “O investimento público previsto no Orçamento deste ano é o menor em 50 anos”, destaca ele, que prevê expansão de 2,8% do PIB neste ano. Segundo Jensen, o clima de incertezas na América Latina também pode afetar essa retomada. Mais cética, Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, estima avanço de 2,3%. “Esse crescimento é muito pouco diante do tombo que o país levou e do drama social que vivemos, mas é um incremento importante”, avalia.
A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, demonstra cautela em relação ao andamento das reformas neste ano, principalmente, a administrativa. “Ainda não dá para ser totalmente otimista. No fundo, apesar de necessária, a reforma administrativa pode demorar”, afirma. Pelas contas dela, a recuperação da renda per capita aos patamares acima de US$ 13 mil, como se viu entre 2010 e 2011, só deve ocorrer em 2027. “Ainda levaremos tempo para recuperar o patamar pré-crise, infelizmente. O estrago foi grande”, frisa. Nas projeções da Tendências, o consumo das famílias deve crescer em ritmo lento até o fim da próxima década, não passando de 3% anuais.
Na avaliação da economista Juliana Inhasz, professora do Insper, instituição de ensino superior, o governo Bolsonaro tem pouco capital político para avançar nas reformas mais necessárias. “Por isso, não descarto frustração novamente com o PIB, O ano de 2020 promete muito, em tese, mas podem ser só promessas. Além da dificuldade na agenda política e econômica, teremos um cenário externo bem turbulento, com eleições nos EUA”, destaca.
Para Juliana, apesar de o mercado financeiro ter ignorado os ruídos políticos provocados pelo governo — a bolsa de valores (B3) subiu quase 32%, daqui pra frente a tendência é que fique mais atento. “O país poderia ter crescido mais se os ruídos não tivessem atrapalhado tanto”, ressalta.