São Paulo – As novas regras para o cheque especial, que entraram em vigor na segunda-feira (6) e que limitam a cobrança de juros em 8% ao mês – equivalente a 151,8% ao ano –, estão provando que a concorrência pode funcionar bem como reguladora do mercado, ao menos em parte dele.
Como os bancos receberam sinal verde do Conselho Monetário Nacional (CMN), do Banco Central (BC), para cobrar tarifa de 0,25% sobre o valor pré-aprovado em conta-corrente, para crédito acima de R$ 500, a fim de compensar as perdas de receita com as mudanças, as instituições estão se movimentando para evitar a fuga de clientes. A cobrança vale para contas novas. Já para as antigas a regra entra em vigor a partir de junho.
Os primeiros a anunciar que não vão impor esse custo adicional aos correntistas, ao menos no primeiro semestre, foram Itaú e Banco do Brasil. O Bradesco seguiu o mesmo movimento e afirmou que abrirá mão da tarifa mensal no cheque especial. Em nota, o Bradesco informou que “analisará melhor se deve cobrar alguma tarifa e, se for o caso, como essa tarifa será aplicada.” A Caixa seguiu a decisão dos concorrentes. Entre os bancos menores, o gaúcho Banrisul e o banco digital C6 também anunciaram que não vão aderir à novidade.
''A decisão de dar aos bancos a possibilidade de cobrar ou não a tarifa será uma forma de garantir mais competitividade entre as instituições financeiras e ortalecer a relação com os clientes''
Rubem Novaes, presidente do Banco do Brasil
Para o presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, a decisão de dar aos bancos a possibilidade de cobrar ou não a tarifa será uma forma de garantir mais competitividade entre as instituições financeiras e fortalecer a relação com os clientes. “A isenção da tarifa no cheque especial demonstra que proporcionar a melhor experiência para nossos clientes está no centro da nossa estratégia. A medida demonstra que buscamos cada vez mais aliar a oferta de produtos e serviços de qualidade, com a definição de preços e taxas ainda mais competitivos”, afirmou Novaes em nota, ao justificar a não cobrança para correntistas do BB.
LIMITES
Segundo o BC, 80 milhões de brasileiros têm cheque especial. Do total, 61 milhões de usuários têm limite acima R$ 500. Para os contratos já em vigor, a cobrança passa a ser permitida a partir de 1º de junho deste ano. A instituição tem a obrigação de comunicar a incidência com 30 dias de antecedência, de acordo com as regras determinadas pelo CMN.
O Santander, que lidera o ran- king de juros do cheque especial no país, à frente de Itaú, Bradesco e Banco do Brasil, já confirmou que vai implementar a cobrança da taxa de 0,25%.
De acordo com o BC, os bancos disponibilizam R$ 350 bilhões aos clientes como limite. Desse total, apenas R$ 26 bilhões foram utilizados neste ano. Considerando uma taxa média de 12% ao mês, isso significa que os R$ 324 bilhões restantes não resultaram em juros para as instituições financeiras, ou seja, geraram um custo de capital que é repassado para os consumidores, fazendo com que o produto se torne mais caro. O objetivo do CMN é desestimular os correntistas a terem altos limites, o que reduziria o custo para os bancos e, por consequência, ao menos em tese, os juros da modalidade.
A Caixa, que oferece o cheque especial mais barato, confirmou que, por ora, dará isenção da tarifa de uso do cheque especial aos clientes. “Neste momento, nenhuma tarifa adicional autorizada pela referida resolução será cobrada dos clientes e que qualquer alteração na política de cobrança, caso necessária, será feita mediante a prévia e ampla comunicação”, informou por meio de nota.
ATRATIVIDADE
No caso do C6 Bank, ainda com pouco tempo de operação, a estratégia ao abrir mão da tarifa é ganhar mais competitividade. O banco já oferece serviços bancários básicos de graça. Por exemplo, não são cobradas taxas para manutenção da conta-corrente, saques, pagamentos, emissão de boletos, transferências e para emissão de cartão de crédito na modalidade standard.
A demora das instituições financeiras em decidir se vão cobrar a tarifa, segundo especialistas, é um gesto de cautela dos bancos para avaliar o impacto das novas regras em suas finanças. Pelas contas do Credit Suisse, o lucro dos bancos pode cair até R$ 6 bilhões com a decisão do governo de limitar em 8% ao mês os juros nas linhas do cheque especial.
Levando em conta os quatro grandes bancos listados em bolsa (Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander), o impacto, na pior das hipóteses, pode chegar a R$ 3,4 bilhões, o que representaria uma retração de 3, 6% no lucro deste ano.
O estrago tende a ser maior entre os bancos que dependem mais das receitas com a cobrança dos juros do limite do cheque especial. No caso do Santander, líder do ranking dos juros mais altos, a taxa é de 14,82% ao mês, equivalente a 425,03% ao ano, de acordo com números do Banco Central com base nos dados de outubro. Na média das três maiores instituições privadas, que inclui Bradesco e Itaú Unibanco, a média calculada pelo BC foi de 12,4% ao mês (306,6% ao ano).
COMPENSAÇÃO
Ainda pelas contas do Credit Suisse, a redução de até R$ 6 bilhões no faturamento dos bancos pode ser compensada com a cobrança de outras tarifas. “A redução nas receitas pode ser parcialmente compensada pela possibilidade de os bancos agora cobrarem tarifas nos limites pré-aprovados”, escreveram os analistas do banco europeu, em relatório a clientes. Em um cenário em que as instituições financeiras venham a cobrar tarifas dos clientes com limite acima de R$ 500, a redução no lucro dos bancos seria de R$ 2,1 bilhões, e a conta dos quatro grandes ficaria em R$ 1,2 bilhão.
Mesmo que não consigam cobrar pelo limite do cheque especial, os bancos ainda podem diminuir a alocação de capital para compensar a perda da receita com a limitação dos juros. Nesse caso, a queda no lucro ficaria em pouco mais de R$ 1,4 bilhão para Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander, segundo o Credit Suisse. “Acreditamos que a nova regulação é mais justa, porque reduz a carga para os clientes de baixa renda, ao mesmo tempo em que permite aos bancos cobrarem taxas de clientes com limites de crédito aprovados mais altos, o que também é mais alinhado às práticas internacionais”, acrescentaram os analistas.
Apesar de a redução dos juros ser uma boa notícia para os consumidores, o cheque especial continua sendo a linha de crédito mais penosa para o bolso do brasileiro. “A taxa de 8% ao mês é quase 20 vezes maior que a taxa básica de juros, a Selic, hoje em 4,5%, e 28 vezes superior à remuneração da poupança”, disse Andrew Frank Storfer, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).
Taxa é questionada na Justiça
São Paulo – A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) segue tentando derrubar a cobrança de 0,25% sobre o limite do cheque especial, sob a alegação de que a medida é ilegal. Em documento enviado ao BC, o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, argumenta que o consumidor não deve consentir com uma cláusula que é abusiva ou com uma obrigação que não seja devida.
Segundo a OAB, a resolução é “inconstitucional” e “ilegal”, além de que o direito do consumidor “afasta a imposição de cláusulas abusivas ou que representem um ônus desproporcional”. “O cliente não pode ficar sujeito à cobrança de tarifa pela disponibilização de cheque especial, independentemente da efetiva utilização do serviço. Tal previsão claramente coloca o consumidor em uma situação de desvantagem exagerada, ao arcar com um gravame por algo de que não usufruiu, o que desequilibra a relação contratual”, destaca a OAB.