A defasagem da correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) pela inflação alcançou a marca de 103,87%, informou o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco). Se a tabela tivesse sido corrigida pela inflação acumulada, quem ganha até R$ 3.881,65 ficaria isento de pagar o tributo. O valor atual é de R$ 1.903,98. Desde 2016, não há correção da tabela. A defasagem leva em conta o período de 1996 até dezembro de 2019. Os dados foram fechados ontem, depois do anúncio pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2019, que acumulou alta de 4,31%, contaminado pela aceleração dos preços em dezembro devido à alta do preço da carne.
A não correção da tabela pelo índice de inflação faz com que o contribuinte pague mais imposto de renda do que pagava no ano anterior. Se fosse totalmente corrigida, a faixa de isenção do Imposto de Renda de R$ 3.881,65, tirando cerca de 10 milhões de contribuintes do universo de que paga IR, de acordo com o Sindifisco. “Hoje, há cerca de 10 milhões de contribuintes que são isentos de Imposto de Renda. Se houvesse a correção inflacionária da tabela, esse número passaria para quase 20 milhões. Ou seja, existem quase 10 milhões de brasileiros que estão pagando Imposto de Renda e não deveriam”, diz Kleber Cabral, presidente do Sindifisco Nacional.
Esse descompasso afeta, sobretudo, os mais pobres, já que vai trazendo pessoas com salários cada vez menores para dentro da base de contribuição. Em 1996, a isenção do tributo beneficiava quem recebia até nove salários mínimos – relação que despencou para menos de dois em 2019. O movimento também se deve, em parte, aos aumentos reais (acima da inflação) aplicados ao salário mínimo nos últimos anos. Isso porque, até 2019, a política de valorização do piso nacional previa reajuste pela inflação mais o crescimento do PIB de dois anos antes.
Apesar da promessa de campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro de aumentar a faixa de isenção, o ano virou sem a correção da tabela. “Bolsonaro pode corrigir a defasagem histórica da tabela se acabar com a isenção na distribuição de dividendos e tributar os mais ricos, que no Brasil pagam muito menos imposto que em outros países” disse o presidente do Sindifisco.
Na campanha eleitoral e no início do seu governo, o presidente defendeu o aumento da faixa de isenção para cinco salários mínimos (hoje, R$ 5.195). Mas, ao longo do ano, o discurso do presidente foi sendo alterado com a justificativa de que a equipe econômica havia apontado restrições no Orçamento para fazer a correção. Nada impede, no entanto, de o presidente anunciar um reajuste da tabela retroativa ao longo do ano se as previsões de receitas com impostos aumentarem.
Limite O estudo do Sindifisco mostra que há diversos casos de contribuintes cujos rendimentos tributáveis estão muito próximos do limite superior de uma das faixas do IR. Se esses contribuintes obtiverem um reajuste nos seus rendimentos igual à inflação anual no ano seguinte, serão tributados à alíquota da faixa imediatamente superior. Dessa forma, ao não corrigir integralmente a tabela do IRPF, o governo se apropria da diferença entre o índice de correção e o de inflação, reduzindo a renda disponível de todos os contribuintes.
A correção pela inflação evitaria uma distorção comum na política tributária brasileira dos últimos 23 anos: o pagamento de mais imposto de renda, mesmo por aqueles que não tenham auferido ganhos reais. “A não correção integral da tabela faz com que muitos daqueles que não ganharam mais, ou mesmo ganharam menos, paguem mais”, diz o estudo, que avalia que a não correção leva à ampliação das desigualdades.