São Paulo – A expectativa de que as reformas continuem na pauta do governo, que a taxa básica de juros se mantenha em baixa e o início do programa de privatizações deverão ser os principais alavancadores do movimento de fusões e aquisições no Brasil em 2020, com reflexos também em 2021.
A análise é de Leonardo Dell'Oso, sócio da PwC, que acaba de concluir o levantamento do número de fusões e aquisições no Brasil em 2019. De acordo com o estudo, obtido com exclusividade pelos DIÁRIOS ASSOCIADOS, foram realizadas 912 transações. Com esse volume de negócios, o país chegou ao recorde histórico desde que a compilação começou a ser feita, a partir de 1991.
Até então, o maior número de contratos assinados havia sido registrado em 2014, com um total de 879 transações. A soma de 2019 é 14% maior do que a média dos melhores anos (803 transações de 2010 a 2015) e, segundo a consultoria, 39% acima do volume de transações de 2018 (658).
O último mês de 2019 foi o destaque no levantamento. Só em dezembro, o Brasil alcançou 114 transações, alta de 97% na comparação com o desempenho registrado no mesmo mês de 2018 (58 negócios). Esse número, segundo Dell'Oso, também reforma a tese de que 2020 será um ano ainda melhor para as fusões e aquisições.
Para o executivo, o aumento das fusões e aquisições não tem a ver com uma possível depreciação dos preços dos ativos, resultado de anos de recessão e, mais recentemente, de baixo crescimento. “Não estávamos tão na bacia das almas assim. Investimentos em M&A (na sigla em inglês) são de médio e longo prazo. Quem compra é para ficar no negócio por alguns anos ou para sempre. O que influenciou foi a potencial expectativa econômica do país”, detalha.
Um tema importante para impulsionar o ânimo dos investidores em 2019 foi a Reforma da Previdência. Após a reforma, segundo o levantamento da PwC, o número de transações se intensificou. Além disso, também tem influenciado no humor de quem busca por fusões e aquisições no Brasil o tema das privatizações, a Lei da Liberdade Econômica e a expectativa da aprovação da Reforma Administrativa, que terá impacto direto nas contas da União.
“Esses fatos mostram que o Brasil está no caminho certo para o crescimento econômico, que levará a maiores ganhos, a geração de mais emprego e a juros menores. Tudo isso, se confirmado, levaria a uma rota de crescimento duradouro. O mundo está olhando para o Brasil”, garante o sócio da PwC.
Além desses fatores apontados por Dell’Oso, também influenciam o ambiente para fusões e aquisições o comportamento do mercado global. Com a expectativa de crescimento menor para grandes economias, como a dos Estados Unidos e da China, os investimentos tendem a migrar para mercados que pareçam ser mais promissores. Outro fator que pesa na decisão de buscar oportunidades em M&A é o câmbio, desfavorável ao real, o que torna os ativos brasileiros mais atraentes.
Dados divulgados na segunda-feira (20) pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) confirmam que o Brasil, de fato, está no radar de quem procura investir, seja no mercado financeiro ou em ativos.
O país subiu da sexta para a quarta posição entre os principais destinos de investimentos estrangeiros no mundo em 2019 e foi destino de US$ 75 bilhões em recursos externos, contra US$ 60 bilhões em 2018. Parte do desempenho tem a ver com os primeiros movimentos do atual governo para tirar o programa de privatização de empresas federais do papel.
Mas o que pode levar o Brasil a repetir em 2020 o desempenho de 2019 e ainda conseguir um incremento ainda mais intenso? Para o sócio da PwC, além das projeções feitas para o mercado interno, devem influenciar o arrefecimento da guerra comercial entre Estados Unidos e China, a solução para o Brexit e a evolução do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul. Dell’Oso destaca ainda o pacote de privatizações prometidos pelo governo para este ano. A estimativa do executivo é que as fusões e aquisições anunciadas no país, neste ano, passem pela primeira vez de 1.000.
A desaceleração chinesa, na opinião do especialista, também deve ajudar a trazer dinheiro para fusões e aquisições no Brasil. Isso porque a leve retração no país asiático pode levar os investidores a buscarem outras fontes de ganho. Uma das áreas que deve atrair mais, segundo Dell'Oso, é a de infraestrutura.
Com esse clima favorável a M&A, Dell’Oso avalia que haverá um grande número de consolidações de negócios com o objetivo de estarem preparados para o esperado crescimento econômico do país. Um dos setores que deve continuar a se beneficiar com esses negócios é o de tecnologia (TI). Foi, de acordo com o executivo, o que mais cresceu em fusões e aquisições nos últimos cinco anos. Só em 2019 o aumento de negócios foi de 84%.
Parte desse movimento aconteceu graças aos negócios envolvendo startups, em particular aquelas que atuam no setor financeiro, as fintechs. Foram casos não apenas de empresas de tecnologia em busca de consolidação por meio de aquisições, mas também para adquirir um determinado conhecimento que pode ser vantajoso no negócio.
É o que explica, por exemplo, o negócio anunciado nesta semana entre o iFood e a empresa mineira Hekima, de inteligência artificial. Com a compra, a companhia visa trazer para dentro de seu negócio os profissionais com perfil muito especializado e escassos no mercado.
Também influencia na decisão de compra ou união de plataformas a estratégia para alcançar novos mercados. Essa ainda vai ser uma das molas que vai puxar o crescimento em 2020, segundo o sócio da PwC.
Tecnologia é o destaque
A consultoria KPMG também divulgou na última semana seu levantamento sobre fusões e aquisições. O número é maior do que o aferido pela PwC: 1.231 transações. O número aponta para um crescimento de 27,3% em comparação com 2018.
Os negócios domésticos tiveram o maior impacto nesse crescimento. Foram 782 em 2019, contra 550 em 2018, alta de 42,2%. Já as aquisições por empresas estrangeiras aumentaram 19%, chegando a 374 transações.
Assim como apontado pelo sócio da PwC, o sócio-líder da da área de Fusões e Aquisições da KPMG no Brasil, Luís Motta, destaca o desempenho do setor de inovação e tecnologia. Para o executivo, os números mostram que o Brasil passou a ter ainda mais relevância para os investidores estrangeiros, animados com a melhora gradativa da economia local.
De acordo com os dados da KPMG, o setor de empresas de internet liderou os negócios de M&A, passando de 169 operações em 2018 para 293 no ano passado. Na sequência estão os setores de tecnologia da informação (158), hospitais e laboratórios de análises clínicas (87), segmento imobiliário (77), outros setores (72), alimentos, bebidas e fumo (52) e companhias de energia (51).
As regiões que concentraram mais fusões e aquisições foram Sudeste e Sul, com destaque, segundo o relatório, para os seguintes estados: São Paulo (750), Rio de Janeiro (119), Paraná (73), Minas Gerais (60), Rio Grande do Sul (53) e Santa Catarina (44).
Apesar do otimismo, a corrupção reina
Apesar da melhora do humor dos investidores em relação ao Brasil, a corrupção continua a ser um problema. Divulgado na quinta-feira pela Transparência Internacional, o relatório Índice de Percepção da Corrupção (IPC) coloca o Brasil na 106ª posição entre 180 nações avaliadas. Com o resultado, o país voltou a ter sua pior nota no estudo, com 35 pontos.
A posição atual – a primeira medição no governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) – é ligeiramente inferior à registrada em 2018, quando o Brasil ficou com a 105ª colocação, num total de 36 pontos. Em 2017, segundo o levantamento, sua posição foi a de número 96.
O IPC é calculado com base nos níveis de corrupção percebidos por especialistas e empresários do setor público. Por esse critério, quanto menor a nota, maior é a percepção de corrupção no país. Os primeiros colocados (Dinamarca, Nova Zelândia e Finlândia) obtiveram notas próximas de 100.
O relatório da Transparência Internacional identificou como entraves ao combate à corrupção no Brasil o que foi classificado como “interferência política” de Bolsonaro em órgãos de controle, além da paralisação de investigações que se abasteciam de dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).