São Paulo – Se não pode vencê-los, junte-se a eles. Este não é um lema explícito dos grandes bancos e de tradicionais empresas de pagamento, mas é exatamente o que, na prática, essas instituições têm feito. No caso da Visa, maior companhia de meios de pagamento do mundo, foi criado um programa específico para atrair startups e fintechs com ideias inovadoras. Segundo Percival Jatobá, vice-presidente de Soluções e Inovação da Visa do Brasil, se unir às novas ideias é fundamental para sobreviver em um mercado em constante transformação. Para o executivo, responsável pela nova divisão de negócios, a prospecção de oportunidades junto às startups, o desenvolvimento de soluções para o consumidor, empresas e governos e a criação de estratégias digitais estão entre as suas prioridades.
''Vivemos a era do empoderamento dos clientes e qualquer solução que facilite a experiência do usuário, que resolva suas dores, tem tudo para dar certo''
Por que a Visa decidiu apostar em startups, ao lançar um programa de aceleração?
Nos sentimos responsáveis em fomentar a nova face do empreendedorismo brasileiro. As empresas selecionadas em nosso Programa de Aceleração recebem mentorias, além da oportunidade de ir ao Vale do Silício analisar sua estratégia de negócio, fazer benchmark e validar se a solução criada por elas pode ser internacionalizada. Queremos trabalhar com startups que tenham soluções disruptivas, que melhorem a experiência dos clientes e usuários finais ou que gerem maior eficiência operacional.
Na prática, qual é o benefício de trabalhar com startups?
Trabalhar com startups ajudou a moldar a nossa cultura inovadora. Todos os funcionários, de todos os cargos e áreas, trabalham como mentores das fintechs que participam do Programa, por entender que é preciso aprender com os empreendedores digitais a pensar rápido, perder o medo do erro e buscar resultados exponenciais. Aprendemos tanto quanto eles.
Que tipo de startup vocês buscam?
Nossos interesses estão concentrados nas áreas de pagamentos, dados, mobilidade urbana, machine learning, inteligência artificial, melhorias de processos em logística e blockchain. Buscamos empresas que possam ter um crescimento rápido e consistente, que sejam escaláveis.
Por que só fintechs e por que o número de empresas selecionadas diminui a cada ano?
Já tentamos acelerar startups de outros segmentos, mas percebemos que, como Visa, acabamos ajudando mais as fintechs. Foi por isso também que diminuímos o número de empresas participantes do programa. Queremos ter sinergia para adicionar valor para estas startups, dar atenção real a todas. Para esse ano, o programa vai selecionar em torno de cinco startups, que vão passar por quatro diferentes fases ao longo de seis meses.
''Não só a Visa, mas todos no setor financeiro têm sido desafiados pelas fintechs. Elas nos levam a evoluir, a agir cada vez mais rápido''
Que fases são essas?
A primeira fase é a do diagnóstico, quando pensamos juntos no que pode ser melhorado. Depois, preparamos estas empresas para ir ao Vale do Silício, onde elas passam duas semanas, podendo estender para três. A fase três é a do bootcamp, ou seja, em que é feita toda a revisão de estratégia da empresa, o que foi aprendido, o que foi mudado após Vale do Silício. Só então começa a última fase, a das mentorias com especialistas do mercado e executivos da Visa.
A proliferação das fintechs é um risco ao futuro da Visa ou uma oportunidade para crescer em novas frentes?
Pelo contrário, as fintechs nos desafiam, diariamente, a evoluir, a agir cada vez mais rápido e a sermos assertivos para podermos acelerar nossos projetos. Não só a Visa, mas todos no setor financeiro têm sido desafiados pelas fintechs. Vemos as fintechs como parceiras que nos ajudam a atender nichos específicos e buscar soluções que ofereçam conveniência, eficiência e segurança para todos os nossos clientes. Gosto sempre de lembrar que a Visa provavelmente foi uma das primeiras fintechs há mais de 60 anos.
A Visa já fechou parceria com alguma das startups que participou das edições anteriores? Quais?
Sim, e ficamos muito felizes todas as vezes que percebemos potencial, de fato, em algum produto desenvolvido por estas empresas. Em quatro anos de programa, a Visa já acelerou 66 startups. Dessas, 17 tiveram negócios fechados conosco ou com nossos parceiros.
Qual o diferencial do Programa da Visa para os outros existentes no mercado, como o da Endeavour ou do BTG Pactual?
Os programas são diferentes. Acredito que cada empresa tem seu próprio objetivo. O nosso é investir em todo o potencial das fintechs para nos ajudar a explorar a indústria de pagamentos digitais, incentivar a migração do pagamento em dinheiro em espécie para pagamentos digitais. Nosso programa busca fortalecer o ecossistema e desenvolver o empreendedorismo brasileiro, com atenção às startups com alto potencial. O maior investimento do Programa é realizado no empreendedor, no desenvolvimento de pessoas e do projeto. Fazemos o empreendedor rever toda a sua estratégia de negócios e o ajudamos a fechar parcerias dentro de no nosso ambiente.
Em 2016, a Visa abriu sua rede para desenvolvedores. Quais produtos ou aplicações surgiram desde então de não funcionários da empresa?
Esta foi uma decisão global. Sempre discutimos internamente que soluções e serviços deveríamos oferecer para a sociedade. Quando nos abrimos para os desenvolvedores, percebemos que havia ali uma nova forma de trabalharmos a inovação. Atualmente, desenvolvedores podem criar um produto para a Visa e isso nos deu mais velocidade. Antes, levávamos anos para colocarmos um novo produto no mercado. Atualmente, lançamos em meses e isso porque aprendemos a desenvolver parcerias estratégicas que aceleram nossas soluções. Já desenvolvemos e testamos 20 protótipos, entre os quais o embrião do Ben Visa Vale, lançado pelo Santander, e que foi o primeiro cartão com pagamento por aproximação voltado para o mercado de refeições e alimentação. Também desenvolvemos com a FCA um marketplace dentro de um carro conectado à internet das coisas. Foi nesse contexto que percebemos a necessidade de estarmos mais conectados com as fintechs.
''Nos sentimos responsáveis em fomentar a nova face do empreendedorismo brasileiro. Trabalhar com startups ajudou a moldar a nossa cultura inovadora''
Qual é a sua avaliação sobre o futuro dos grandes bancos e das grandes empresas de tecnologia de pagamentos, em um mercado que cada vez menos precisa de intermediação?
A inovação é um caminho sem volta e queremos ser protagonistas nesse cenário. Estamos trabalhando em conjunto com as instituições financeiras para definirmos o presente e o futuro dos pagamentos digitais, trazendo segurança e uma experiência fluida para os clientes. Nos últimos anos, testemunhamos o que chamo de “desconstrução do plástico”, ou seja, os dados ou credenciais (as informações que hoje estão contidas no cartão de plástico) passam também a estar inseridas em outros formatos, tais como celular, pulseira, relógio, aplicativos próprios e de terceiros, plataforma automotiva. Neste contexto, a tokenização, que inclui uma camada de segurança às transações digitais, será fundamental. É ela que possibilitará a próxima revolução dos pagamentos, seja por meio de um carro, um celular ou pela geladeira. Essa tecnologia permite que emissores façam atualizações dinâmicas em credenciais que podem ter sido perdidas, roubadas ou expiradas.
Você poderia dar um exemplo prático?
Vamos pensar numa pessoa que tenha a assinatura de algum serviço recorrente como transporte ou streaming. Quando o cartão expira ou é roubado, ela precisa atualizar todos os dados e todo o cadastro com as informações do novo cartão. Com a tokenização, isso não é mais preciso. Uma credencial de pagamento é gerada para cada estabelecimento comercial e o consumidor não precisaria mais atualizar os dados do plástico. É importante lembrar ainda que temos um grande mercado pela frente a conquistar. Dados da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) revelam que cerca de 70% dos pagamentos ainda são feitos com dinheiro em espécie, cheques ou boletos. A tecnologia já avançou, falta mudar a cultura. Há, portanto, muito espaço para crescermos.
Qual o estágio de maturidade do mercado brasileiro em utilização de novos meios de pagamento?
Estamos a alguns passos dos Estados Unidos, mas à frente de outros países na América Latina. Temos estudos de nossa consultoria, a Visa Consulting & Analytics, que nos mostram que há diferentes tipos de maturidade conforme o PIB, a infraestrutura e outras variáveis de cada cidade brasileira. Nas cidades com maior maturidade digital, a tecnologia não é mais um entrave para os novos meios de pagamento.
Como a Visa enxerga o setor de criptomoedas?
Temos parcerias com alguns protagonistas do mercado que usam nossa marca em seus cartões, além de empresas que usam dos sistemas Visa para transações em criptomoedas. Uma delas é com a Alterbank, primeira conta digital Visa no Brasil a conectar a criptoeconomia com o sistema financeiro tradicional.
Como funciona?
Essa solução permite que os usuários efetuem diversas operações bancárias, como compras, saques, pagamentos de boletos e a realização de transferências. Além disso, em nosso Programa de Aceleração tivemos startups de criptomoedas como a Foxbit e a Ripio.
O que podemos esperar do futuro dos meios de pagamentos?
Na minha avaliação, vivemos a era do empoderamento dos clientes e qualquer solução que facilite a experiência do usuário, que resolva suas dores e seja extremamente segura, tem tudo para dar certo. É o caso dos pagamentos por aproximação, que poupam o tempo das pessoas, e a aceitação do débito on-line, seja no e-commerce quanto em aplicativos. Tudo o que puder melhorar a vida, como a transferência de dinheiro de pessoas para pessoas, via cartão de crédito ou débito, por exemplo, encontrará terreno fértil e terá uma boa aceitação pela sociedade.