Ruas vazias e lojas fechadas. O cenário dos últimos dias se repetiu neste sábado (28/3) de quarentena em Belo Horizonte. A medida para evitar aglomerações e, consequentemente a alta transmissão do novo coronavírus, vem sendo seguida pela população que não sai de casa. Por outro lado, os poucos comerciantes de bairros que abriram seus comércios sentem os efeitos do período de isolamento.
Em Minas são 22.974 casos suspeitos para COVID-19. Os números preocupam o vendedor Márcio Parreiras, de 55 anos. Dono de loja de manutenção de eletrodomésticos, o comerciante abriu a porta do comércio após uma semana fechado. Segundo ele, não por falta de demanda, mas por medo da exposição.
“Tenho muito medo, não é pouco não. Estou vindo trabalhar hoje por falta de dinheiro. O arroz, feijão, açúcar e café estão acabando, então infelizmente hoje eu tive que vir”, conta Márcio, que é a fonte de renda para o sustento de sua mulher, de 40, e o filho, de 15. Com os olhos marejados e a voz embargada, o empresário desabafa: “Sei que estou arriscando, tenho quase 60 anos, mas a única carreira que eu tenho é essa aqui.”
O isolamento social tem abalado o emocional do comerciante que há 30 anos de trabalho, nunca precisou parar por mais de uma semana. “O povo tem de ficar em casa, mas como é que eu fico em casa? Vim ver se eu consigo pelo menos uns R$ 100 reais pra fazer uma comprinha ali. Eu sou um cara forte, não choro perto da família para não enfraquecer, mas estou emocionado de te dar essa entrevista porque a coisa está feia”, desabafou. “Mas eu sou forte, isso aí vai passar. Deus é poderoso”.
A loja de Márcio fica na Avenida Pará de Minas, Bairro Padre Eustáquio, Região Noroeste da capital. Ao lado dele, outro comerciante resolveu abrir o negócio, mas por outro motivo: não se conforma com as medidas de prevenção recomendadas por cientistas e órgãos ligados à Saúde. “Quero que o comércio volte a trabalhar. Isso é politicagem. O aposentado tem de ficar em casa mesmo porque tem o salário dele todo mês. Nós trabalhadores dependemos da renda do nosso trabalho”, disse Volnei Fernandes dos Reis, de 40, proprietário de uma loja de roupas.
Prejuízo durante a quarentena
Mesmo com manequins à mostra no passeio, o empresário avalia um prejuízo de cerca de R$ 2 mil durante a quarentena. Volnei afirma que tem vendido seus produtos durante a quarentena, mas em uma quantidade menor. “Aqui não tem perigo, tem álcool gel, fazemos a higienização normal”, defende o empresário.
A reportagem do Estado de Minas passou também pela Avenida Pedro II, conhecida pelo comércio intenso do ramo automotivo, com lojas de peças, serviços e revenda de automóveis. Por lá o cenário foi o mesmo: lojas fechadas ou vazias.
Na Avenida Silva Lobo, Região Oeste de BH, as manhãs comumente agitadas deram espaço para o silêncio. O pouco som que se ouviu foi de moradores que caminhavam na pista de cooper para não perder o ritmo na quarentena.
O panorama se repete na Região Centro-Sul. A antiga Praça José Cavalini, no Bairro Coração de Jesus, é cheia de estabelecimentos que atendem os moradores dos bairros ao redor: Santo Antônio, Luxemburgo e Cidade Jardim. Na manhã deste sábado (28/03), somente uma padaria aberta. Até os bancos de concreto que abrigam as prosas nos encontros de vizinhos estavam desocupados.
A poucos metros, na Avenida Prudente de Morais, um jovem comerciante teve que se reinventar. Dono de uma papelaria e artigos de presente, Daniel Ferreira da Silva, de 25 anos, começou a vender álcool gel, máscara de tecido e mudou a forma de atendimento. “O movimento está bem fraco não só hoje, mas todos os dias. Optamos pela retirada dos produtos no balcão, fazemos entregas e trabalhamos com horários reduzidos”, conta o empresário.
Dono do comércio há seis anos, ele tem medo do coronavírus e prevê demissões. “Tenho quatro funcionários, estamos todos preocupados. Tem que ter apoio do governo, diminuir os impostos. Precisamos de um auxílio efetivo. Pago aluguel e não sei como vai ficar”, afirma. O álcool está na porta da loja para atrair o cliente que logo é espantado com o preço: R$ 29,90 por 420 gramas. “Isso não me salva porque vem com preço muito alto do fornecedor”, afirma.
Isolamento social
O isolamento social é uma medida defendida por cientistas e profissionais da saúde, recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
O secretário de Estado de Saúde, Carlos Eduardo Amaral, ressaltou recentemente a necessidade da quarentena em casa para conter o avanço do coronavírus em Minas. “Nesse momento o isolamento é essencial. Entendemos as pressões do setor econômico. Assim que tivermos sinalização que as medidas estão tendo resultados, vamos avaliar novas medidas”, informou.
Carlos Amaral disse que todo o governo está preocupado com o impacto financeiro e social, mas, do ponto de vista da saúde, é preciso manter o isolamento e condutas que estão sendo adotadas. “Não há ação sem risco. No momento vivemos o risco sanitário que é real”, disse. “Espero que as pessoas entendam que todas as ações tomadas são muito sérias e com as melhores das intenções”, finalizou.