A crise causada pelo novo coronavírus dá o direito às concessionárias de rodovias e de aeroportos de reequilibrar seus contratos firmados com o governo federal caso tenham sido impactados pela pandemia. A conclusão é de parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), feito a pedido do Ministério da Infraestrutura. O mesmo se aplica aos arrendatários de instalações portuárias. No documento, o consultor jurídico da AGU Felipe Nogueira Fernandes diz parecer "fora de dúvida" que a pandemia pode ser classificada como evento de força maior ou caso fortuito, o que atribui os riscos ao poder concedente.
Esse entendimento já havia sido reconhecido pelo próprio ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. "É um risco não previsível, não tinha como atribuí-lo ao privado anteriormente", afirmou o ministro em entrevista ao Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) no início do mês.
"A pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) pode ser classificada como evento de força maior ou caso fortuito, caracterizando "álea extraordinária" para fins de aplicação da teoria da imprevisão a justificar o reequilíbrio de contratos de concessão de infraestrutura de transportes", diz a AGU.
Ao requisitar o parecer ao órgão, o Ministério da Infraestrutura pontuou que as áreas de infraestrutura de transportes são atingidas diretamente pela pandemia, já que a locomoção reduzida afeta a demanda e causa uma consequente diminuição da receita das empresas. A pasta cita, por exemplo, dados da Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear), segundo quem suas afiliadas já registraram, em média, queda de 75% na demanda por voos domésticos e redução de 95% nas viagens internacionais, em relação ao mesmo período de 2019.
Pesquisa da Confederação Nacional de Transportes (CNT) também é lembrada. O levantamento mostrou que 90% do setor de transporte foi afetado negativamente pela pandemia. Na contramão de outros setores, no entanto, os portos registraram um aumento de aproximadamente 35% no total de embarques, sendo 8% em contêineres, afirma.
No parecer, a AGU observa que, nas concessões, o serviço público é exercido por conta e risco do contrato. Ou seja, salvo disposição contratual em sentido diverso, a concessionária assume os riscos ordinários e o poder público os riscos extraordinários. "Por conseguinte, pode-se afirmar que os concessionários de infraestrutura de transportes, aí também compreendidos os arrendatários de instalações portuárias, têm direito ao reequilíbrio de seus contratos quando ocorrerem eventos supervenientes à apresentação de suas propostas cujo risco tenha sido alocado ao poder concedente", afirma.
O advogado da União também lembra, por sua vez, que o reconhecimento do direito ao reequilíbrio não significa necessariamente que todos os contratos deverão passar pela revisão. Isso depende de dois fatores: se a alocação de riscos do contrato não dispuser algo diferente da divisão tradicional apontada, e, claramente, se a pandemia teve de fato impacto sobre as receitas do concessionário. "É possível que, em determinados casos, não tenha ocorrido impacto significativo", disse.
Essas questões já haviam sido alertadas pela secretária de Planejamento, Desenvolvimento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura, Natália Marcassa. Ao Broadcast, Marcassa reconheceu que o evento da pandemia é de força maior, mas destacou ser preciso avaliar qual é o impacto e o que deve ser reequilibrado em cada contrato. "É essa conta que deve ser feita", disse na ocasião.
Há várias formas de o poder público compensar o concessionário em reequilíbrios de contrato, sendo outra questão que precisará ser observada durante as revisões. Entre as opções estão o reajuste tarifário, pagamento direto pelos danos, o alívio nas exigências de investimentos e o aumento do prazo da concessão, estendendo o direito de a empresa operar o serviço público por mais tempo que o previsto no contrato original. Na última segunda-feira, Freitas afirmou que a pasta já montou um grupo de trabalho com Tribunal de Contas da União (TCU) para trabalhar o assunto das revisões.
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