Abelar Rezende, dono da loja de acessórios para motociclistas WDA Motos, conta que a principal dificuldade que a pandemia trouxe é continuar bancando os custos de trabalhar com porta fechada e sem dinheiro entrando no caixa. O comerciante chegou a dar férias para os empregados, mas acabou tendo que demitir cinco deles. A empresa, que tem três unidades em Belo Horizonte, no Centro e no Barro Preto, está vendendo apenas pela internet e por telefone. Porém, as vendas seguem muito abaixo do normal nesses canais de comercialização.
Rezende acredita que vai demorar para o comércio voltar ao normal, mesmo com a possibilidade de reabertura do setor neste mês. “Vai voltar fraco e depois vai melhorando, gradativo. Em BH (o isolamento) está sendo muito rígido e ruim para o comércio. Poderia abrir um pouco, colocando restrições como nos supermercados. Ajudaria bastante”, afirma. Rezende diz que em 22 anos no ramo nunca viu crise tão grave.
Anezia de Souza, proprietária da papelaria Clipel, no bairro Santa Mônica, na região da Pampulha, enfrenta dificuldades parecidas. “Estar com a loja fechada, sem nenhuma remuneração, e com contas a pagar”, define a comerciante. Ela suspendeu os contratos dos funcionários, de acordo com a MP 936, do governo federal, mas não consegue diminuir outros custos. A comerciante não implementou um canal de vendas on-line ou trabalho remoto.
Anezia tem muitas dúvidas sobre o que esperar da retomada do comércio. “Creio que ninguém saiba, é uma experiência única para todos. Se volta como antes? Com certeza não. Quando a loja física puder abrir, o movimento será baixo. Com os fornecedores também não será como antes. Vão querer vender tudo à vista”, afirma. Dona de papelaria há 18 anos, ela também conta que nunca viu algo parecido e defende o relaxamento do isolamento social. “É necessário para os grupos de risco. Os demais deveriam trabalhar para a economia girar. O governo deveria dar oportunidade de abrir”, conclui.
A pandemia também trouxe para alguns empresários a oportunidade de se reinventar e tentar salvar parte do faturamento. É o caso de Rafaela Simões, dona das Lojas Sotilé, especializada em moda íntima, que tem uma unidade no bairro Grajaú. Ela adiantou para agora um projeto de loja virtual que estava previsto para daqui a dois anos. A empresa também cortou custos, negociando com imobiliária e fornecedores.
Segundo a empresária, as vendas aumentaram desde a inauguração do meio digital, mas não se comparam com as da loja física. “Acredito que em breve vai aumentar muito, pois os produtos ficam mais fáceis para a visualização dos clientes. Vai ajudar inclusive na loja física quando reabrirmos”, afirma.
Rafaela acredita que a retomada será difícil, e que, por pelo menos dois anos, o movimento não deva voltar da mesma forma. “Tenho essa loja há 12 anos. Já passei por algumas crises, mas nada tão séria quanto essa, pois antes podíamos funcionar. Acho que deveriam reabrir o comércio. Reduzindo horário para não ter aglomerações em transporte público e com as medidas necessárias de distanciamento”, argumenta a comerciante.
A queda brusca no faturamento das lojas deixou um estrago que vai dificultar a retomada da atividade comercial, na avaliação do diretor da Associação dos Comerciantes do Hipercentro de Belo Horizonte, Flávio Assunção. “Na volta, vamos ver empresas frágeis, endividadas, devendo fornecedores, impostos e aluguel”, prevê. Assunção aguarda uma recuperação lenta e gradual, tanto pela situação das empresas como pela queda de movimento. “Vai voltar um comércio diferente de como era antes. Com limite de entrada, pessoas com medo de sair para comprar. Acho tudo muito assustador e nebuloso ainda”, lamenta.
Assunção vê uma recuperação dependente do apoio de governos – com isenção de impostos – e bancos – com linhas de crédito. Porém, segundo o comerciante, o “dinheiro não está chegando na ponta”. Outra dificuldade seria a transição para o meio de venda digital, especialmente no hipercentro da capital mineira. Ele argumenta que o comércio do Centro de BH é popular, e vende produtos de baixo valor agregado. “Como entrega isso? Não é um processo que se faz de uma hora pra outra. Quem deixa pra fazer de última hora não consegue”, diz. Ele conclui que é preciso conseguir o equilíbrio entre a saúde e a economia, que vê como um falso dilema.
Desemprego
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) calcula que o comércio varejista nacional perdeu R$ 106,54 bilhões entre 15 de março e 25 de abril. Para o setor em Minas Gerais, a entidade estima prejuízo total de R$ 8,55 bilhões. O cenário de baixo ou nenhum faturamento, dificuldade de diminuir os custos e falta de acesso a crédito é a situação na qual o coronavírus deixou os comerciantes brasileiros, segundo o economista Fábio Bentes, da CNC.
“Causou um impacto muito grande no comércio. Houve uma queda significativa na receita e os custos estão mantidos. Isso causa um desequilíbrio no fluxo de caixa. As empresas não têm sequer a possibilidade de demitir, porque incorre em gastos adicionais”, analisa Bentes. O economista ainda aponta que as instituições financeiras estão receosas de emprestar dinheiro, já que o risco é alto. “A crise atingiu todos os setores da economia. Não tem uma alta para compensar as quedas”, afirma.
Quanto à retomada da atividade comercial, o diagnóstico não é positivo. A recuperação deve ser lenta e gradual, marcada pela dificuldade em reduzir o desemprego. “Mesmo no cenário mais positivo, em que fosse descoberto um remédio para a COVID-19, o estrago já foi feito. Deve demorar uns dois anos para o comércio voltar ao patamar anterior”, argumenta Fábio Bentes.
Para o economista, a crise é “muito mais ampla” do que a última turbulência que o país enfrentou, que teve os piores momentos em 2015 e 2016. “A gente conseguiu combinar uma crise de saúde com uma crise econômica e política também. A dificuldade vai ser grande”, conclui.