Desistir de um produto ou de um serviço adquirido pela internet é uma garantia prevista no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 88.078. Conhecido como direito de arrependimento, garante ao consumidor o prazo de sete dias, após o recebimento da encomenda, para realizar a solicitação formal do arrependimento da compra, com ressarcimento do valor pago no produto. Mas, em busca de reduzir os impactos socioeconômicos da crise de saúde pública, foi criado o Projeto de Lei nº 1.179/2020, que dispõe algumas regras transitórias para vigorar durante a pandemia da covid-19.
Entre os artigos do projeto está o 8º, que prevê “até 30 de outubro de 2020, a suspensão da aplicação do artigo 49 do CDC na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos”. A nova regra foi aprovada pelos plenários do Senado Federal e da Câmara dos Deputados e encaminhada à Presidência da República para sanção ou veto. Caso seja sancionada, virará lei, e suas disposições terão vigência a partir da publicação no Diário Oficial da União (DOU). Em caso de veto, retornará ao Congresso para nova análise.
Segundo o especialista em direito do consumidor Caetano Caltabiano, a decisão de suspender o direito de arrependimento visa proteger as relações contratuais de consumo durante o período de crise, uma vez que as negociações passaram a ocorrer preponderantemente fora dos estabelecimentos comerciais. “Acontece que o comércio de rua está, aos poucos, voltando a funcionar, de modo que essa decisão pode acabar não surtindo o efeito esperado pelo Legislativo. As pessoas estão voltando a comprar no interior dos estabelecimentos”, afirma.
O advogado acredita que os efeitos da decisão não serão fortes, uma vez que o direito de arrependimento dificilmente recai sobre casos de produtos perecíveis e medicamentos. “Ninguém compra medicamentos apenas por comprar, muito menos produtos perecíveis. Esses bens são comprados com uma finalidade já em mente, e dificilmente alguém desiste dessas compras sem um justo motivo”, reforça.
Sendo assim, o que fazer caso o produto chegue inadequado para consumo? A estudante universitária Isabel Andrade, 20 anos, passou pela situação. Ela lembra que solicitou medicamentos por meio de um aplicativo e, ao recebê-los, não verificou se o pedido estava certo. Na hora do uso, foi surpreendida: “Uma das caixas estava aberta. Não tinha condição de ingerir aquilo, não sabia a procedência, e o que tinha acontecido”, diz. “Comprei com a confiança de que não teria problemas”, lamenta.
Ao entrar em contato, pelo aplicativo, com a empresa, houve demora na resposta, e Isabel precisou gastar mais do que havia planejado. “Foi um desserviço. No final, precisei desembolsar mais dinheiro e acabei sem o medicamento quando precisava”, reclama. Para a estudante, em momentos assim, é preciso que o consumidor possa recorrer de alguma maneira. “Quando compramos na internet, não temos certeza de nada, mas investimos porque acreditamos na procedência daquilo. No meu caso, o medicamento era razoavelmente barato, e a dor passageira. Mas o que acontece no caso de alguém ter urgência no uso do remédio?”, pondera.
O cuidado e a atenção ao efetuar compras on-line, caso o projeto seja aprovado, devem ser redobrados para que não ocorram situações como a de Isabel. É o que explica o advogado Caetano Caltabiano. “A pessoa deve estar ciente que não poderá desistir da compra, devendo pensar duas vezes antes de concluir o negócio para evitar prejuízos. Ressalva-se que isso não afasta o direito de o consumidor reclamar por um vício no produto.”
Consequências
Welder Rodrigues Lima, especialista em direito do consumidor, acredita que há consequências positivas para os fornecedores, uma vez que não precisarão arcar com o custo de eventual devolução ou troca. Todavia, o advogado adverte que, sob a hipótese de o produto não corresponder exatamente às expectativas do consumidor, que adquiriu a mercadoria sem examiná-la pessoalmente, pode haver desequilíbrio nas relações de consumo. “Vez que o consumidor deverá suportar o ônus de uma eventual frustração em sua compra, sendo assim, é negativo para o usuário”, reforça.
De acordo com o advogado, o texto aprovado visa mitigar insegurança do consumidor ao adquirir um produto por meio virtual. “No caso dos alimentos perecíveis e medicamentos, muito embora o projeto não abarque os casos de defeito ou alimento entregue de forma inapropriada para consumo, ainda há medicamentos e alimentos que correm risco de não corresponderem às expectativas do consumidor”, diz. “É algo que apenas será verificado no momento da entrega e, nessa hipótese, a pessoa será prejudicada”, acrescenta.
O especialista diz que caso a entrega seja feita com defeito, permanece o direito de arrependimento. “No caso de descumprimento, poderá o consumidor, caso não consiga um acordo com o fornecedor, procurar o Instituto de Defesa do Consumidor (Procon) e, em último caso, a justiça”, lembra. Caso a entrega não corresponda às expectativas do usuário, ele deverá buscar um acordo com o próprio fornecedor, já que a lei não lhe assegurará, após 30 de outubro de 2020, o direito de efetuar a devolução, ressalvadas as hipóteses de defeito ou alimento entregue de forma inapropriada para o consumo.
* Estagiária sob supervisão de Adson Boaventura