A ideia de criar um imposto sobre as transações financeiras digitais pode não ser o único ponto polêmico da proposta de reforma tributária que o governo promete apresentar ao Congresso Nacional em breve. É que a transformação do IPI em um "imposto do pecado" e a revisão dos benefícios fiscais também devem constar no texto.
As propostas do governo para a reforma tributária devem ser apresentadas assim que houver acordo político para isso, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes. Porém, Guedes já mostrou que continua defendendo a criação de um imposto que incida sobre transações digitais, apelidado de "CPMF Digital" pelos críticos da proposta. E, nesta segunda-feira (06/07), o secretário da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, antecipou mais alguns detalhes desse texto.
Em live com a Unafisco Nacional, Tostes disse que a discussão da reforma tributária deve começar pela tributação do consumo. Afinal, hoje cerca de 42% da arrecadação brasileira vem do consumo, o que torna o sistema tributário brasileiro um sistema regressivo. E também porque vários impostos que incidem sobre o consumo poderiam ser unificados e simplificados na reforma.
A ideia do governo é, portanto, criar um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) que unifique o PIS/Cofins e o IPI, mas que também pode agregar os impostos estaduais e municipais como o ICMS e o ISS através de um IVA Dual. Por isso, Tostes adiantou que, assim que a pandemia de COVID-19 permitir, o governo vai retomar as negociações com os estados e começar a discutir com municípios a melhor forma de gestão desse IVA Dual.
"O que estamos propondo é começar a reforma pela discussão e pela construção de uma nova estrutura sobre o consumo. No que nos compete, estamos trabalhando na revisão do PIS/Cofins e do IPI, que são os três tributos principais do consumo que estão na competência da União", disse Tostes.
Ele acrescentou, contudo, que a ideia para o IPI é transformá-lo em "um imposto seletivo incidente sobre bens com externalidades negativas". Ou seja, algo parecido com o imposto do pecado, que chegou a ser sugerido por Guedes e incidiria sobre bebidas alcoólicas, cigarros e doces, mas não foi muito bem recebido pela sociedade.
Além disso, Tostes disse que esses estudos podem avançar até a Cide (Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (Cide) - imposto que incide sobre a gasolina e chegou a ser alvo de discussões no governo nos últimos meses. É que, diante da queda dos preços internacionais do petróleo, os produtores de etanol pediram que o governo elevasse a alíquota da Cide. Mas os revendedores de gasolina fizeram o governo declinar do assunto, lembrando que o presidente Jair Bolsonaro já chegou até a desafiar os governadores a zerar os impostos dos combustíveis para tentar baixar o preço da gasolina. "Não acredito ainda que seja o momento de entrar na discussão da Cide, mas também é outra posição que poderia ser discutida neste momento", pontuou Tostes.
Empresas
Além disso, o secretário da Receita contou que a proposta do governo tem três eixos principais: a simplificação do sistema tributário, a premissa de não aumentar a carga tributária já existente e o objetivo de tornar o sistema tributário mais progressivo. Esse último ponto, segundo Tostes, busca que "a carga tributária incida mais proporcionalmente à capacidade contributiva dos contributiva dos contribuintes". Porém, vai exigir uma revisão dos benefícios e incentivos fiscais.
"A preocupação de que as mudanças possam incidir mais pesadamente sobre a classe assalariada não está compatível com esses princípios colocados na proposta. Mas isso implica em rever benefícios, rever incentivos que acabam por privilegiar setores e contribuintes em detrimento da progressividade do imposto", ressaltou Tostes.
Ele explicou que, hoje, esses incentivos somam cerca de R$ 320 bilhões por ano, ou 4,2% do PIB do Brasil. "Se queremos alcançar maior progressividade, temos que rever benefícios e incentivos que existem hoje pra a tributação do capital", concluiu.
O secretário da Receita não deu detalhes do que pode ser revisado nesse processo. Mas o ministro Paulo Guedes já disse que quer passar a tributar os dividendos e Tostes confirmou que a ideia de tributar mais os mais ricos e tributar menos as empresas é um dos focos da reforma do governo.
Ele reforçou, por exemplo, a ideia de reduzir os encargos tributários e previdenciários que incidem sobre a folha de pagamento, para reduzir os custos da empresa na contratação de um funcionário e, assim, incentivar a geração de empregos.
Porém, disse que não está sendo avaliada pelo governo a taxação de grandes fortunas - ideia proposta por vários parlamentares na pandemia."Não estamos trabalhando com essa proposta. Não obstante, estamos recebendo para avaliar alguns projetos que entraram no Congresso com esse objetivo de regulamentar os impostos sobre as grandes fortunas", afirmou o secretário, ao ser questionado sobre o assunto.