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Estado de Minas ENTREVISTA EXCLUSIVA

Presidente do Sebrae dá dicas a empresas na pandemia e critica sistema financeiro: 'Não há boa vontade com os pequenos'

Em entrevista ao Estado de Minas, Carlos Melles destacou as ações da entidade para socorrer empresários


19/07/2020 06:00 - atualizado 19/07/2020 07:45

Carlos Melles, diretor-presidente do Sebrae
Carlos Melles, diretor-presidente do Sebrae (foto: Ricardo Barbosa/ALMG)

Depois de um período crítico para tentar manter os negócios em funcionamento, algumas micro e pequenas empresas brasileiras começam a apresentar pequenos sinais de reação aos impactos da pandemia de COVID-19. De acordo com levantamento realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e pela Fundação Getúlio Vargas entre 25 e 30 de junho, a perda média de faturamento para esses empresários caiu de 70% para 51% com relação à primeira semana de abril deste ano.


Melles relatou as ações da entidade para apoiar essa classe empresarial e detalhou as dificuldades encontradas pelos empreendedores, sobretudo no acesso ao crédito, na nova realidade de dos modelos de negócios digitais e diante das incertezas causadas pela falta de entendimento entre as autoridades na gestão da crise.

Mineiro de São Sebastião do Paraíso, Carlos do Carmo Andrade Melles é engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e pós-graduado em Fitotécnica pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Ex-deputado federal, Melles foi ministro do Esporte e Turismo durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Em abril de 2019, foi eleito diretor-presidente do Sebrae.

Veja abaixo a íntegra da entrevista

EM: Alguns segmentos entre as micro e pequenas empresas apresentaram uma leve recuperação no fim de junho. Qual a participação do Sebrae nesse cenário?

Deixe-me fazer um pequeno retrospecto. A micro e pequena empresa é muito importante no Brasil e no mundo. Representam entre 98% e 99% das empresas do mundo. No Brasil, são 99,1%. Quando lei geral da micro e pequena empresa foi implementada, elas foram tendo um ambiente melhor. Hoje temos 6,5 milhões de pequenas empresas e 10,3 milhões de microempreendedores individuais (MEI). Isso permeia o setor primário, agricultura, comércio, serviços, indústria. E essa pandemia prejudica muito o setor.

Como o Sebrae se sente responsável pela micro e pequena empresa, com a chegada da pandemia começamos a fazer pesquisas a cada 15 dias, para ver como o setor estava se comportando e calibrando todos os segmentos que estavam sofrendo mais. Calibrando desemprego ou manutenção do emprego e calibrando o crédito. Óbvio que, primeiramente, nos preocupamos em preservar a vida, todo mundo se cuidar, e depois preservar o trabalho. O Sebrae se colocou na linha de frente, dizendo ‘qualquer problema que a micro e pequena empresa tiver, queremos ajudar’. Num primeiro momento, até 87% teve queda de faturamento. Depois da quarta para quinta pesquisa, percebemos que o cenário parou de piorar. Hoje me parece estamos com 50% das empresas retomando o seu nível de atividade. É um sinal de que o pior já passou.

Quem mais sofreu foram os setores onde tinha mais gente e o contato seria mais perigoso, como turismo, bares e restaurantes. Manter o distanciamento fez com que uma série de atividades fossem praticamente suspensas, como barbeiros, cabeleireiros, padarias, mercearias.

Nós de Minas estamos sofrendo um efeito retardado do coronavírus. Alguns estados que parecia que estávamos longe, já estamos chegando. O Rio Grande do Sul reabriu shoppings, alguns lugares como Curitiba também reabriram. Não davam que a coisa iria piorar tanto depois desse período.

Esse efeito sanfona de abre e fecha também prejudicou muito a micro e pequena empresa. Em princípio elas tinham capital de giro máximo para 40, 45 dias de sobrevivência

Aí nós fomos atrás de crédito. Não tinham dinheiro para mercadoria, fornecedor também encurtou. 
EM: O Sebrae consegue facilitar de alguma forma o acesso dos empresários a linhas de crédito?

Outra parte que o Sebrae ajuda muito é na busca dos créditos. Temos o Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe), que pusemos para funcionar e tem dado um resultado satisfatório pelo tamanho dele. Agora com o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) veio uma medida do governo muito positiva. Esse fundo de garantia do Tesouro colocou R$16 bilhões para micro e pequenas empresas foi um sopro e com uma semana acabou, de tão bom que o crédito é. Garante 100% para micro e pequena empresa, com uma taxa de juros muito atrativa e com prazo de carência de pagamento muito bom. Estamos reforçando esse Pronampe para ajudar a micro e pequena empresa.

EM: O empresário tem acesso direto a esses fundos? Basta solicitar ao Sebrae para ter acesso ao dinheiro?

O Sebrae repassa o fundo aos bancos. Ao Banco do Brasil, à Caixa, bancos regionais como do Banco do Nordeste e Banco de Brasília, ao Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) às cooperativas de crédito, que tem um acesso muito bom. A gente recomenda que eles procurem o Sebrae para acompanha-los até o agente financeiro. Isso melhora a aceitação, quando o Sebrae leva. De cada quatro que são levados pelo Sebrae, três têm acesso ao crédito.

EM: 
Sobre as outras linhas de credito que o governo anunciou, sabemos que alguns empresários não tiveram acesso por terem restrições no CPF e outras negativações. O Sebrae também faz esse ‘meio de campo’?

O Pronampe é só para quem esta em dia com o pagamento da Receita Federal. A Receita já emite um voucher dizendo que o empresário tem acesso a 30% do faturamento que você declarou no ano anterior. Por isso o Pronampe é mais ágil. Nós também temos outras fontes. O BNDES também abriu uma linha para micro e pequena empresa que é distribuída através dos bancos.

Temos hoje 170 linhas de crédito disponíveis para micro e pequena empresa. Há muitas linhas e pouco atendimento. Não existe boa vontade do sistema financeiro com a micro e pequena empresa. O acesso (do empresário ao dinheiro) é muito difícil. As dificuldades que se impõe são muito grandes. E olha que tem uma garantia em torno de 80% do empréstimo, no Pronampe 100%. Mas há uma falta de apetite muito grande do sistema financeiro em ajudar o pequeno. Ele é muito excluído. A micro e pequena empresa é muito importante na retomada durante a pandemia. Ele é quem chega nas pontas dos pés e nos dedos da mão. São os tentáculos que irrigam todo o tecido de base, seja no bairro, na cidade.

Só não está pior, porque esses R$600,00 que está sendo dado às pessoas, sei que são quase R$50 bilhões por mês, está fazendo uma fartura danada para ajudar na retomada.

EM: O senhor disse que o ‘abre e fecha’ do comércio não é bom para as empresas. Por quê?

Sobretudo bares e restaurantes, você tem despesas, tem que melhorar a apresentação do estabelecimento para reabrir. Depois de uma semana, fecha de novo. E tem um problema com os funcionários. Você repõe, contrata, quem tinha posto de férias tem que chamar. É muito gasto com higienização, protocolos. Diminui o número de clientes por causa da distância. Tudo isso é uma coisa terrível. São dois gastos: para reabrir e fechar. E depois se tem a insegurança para reabrir de novo. Por isso tenho esse sentimento do ‘apoie o pequeno’, ‘compre do pequeno’, porque eles fazem uma diferença muito grande no país. Empregam mais, desempregam menos. Cinquenta por cento dos empregados no Brasil são de micro e pequena empresa, todos registrados. Eles têm um papel importante, 27,5% do PIB do Brasil vem deles. E o Sebrae fica pajeando, dando suporte, educação a empreendedores, educação administrativa. Temos feito o máximo possível para dar apoio.

EM: Várias empresas têm adotado ou intensificado modelos de negócios digitalizados, como vendas on line. O Sebrae também auxilia nesse quesito?

Muito pouco era o comércio digital entre elas. Houve uma subida muito positiva. A digitalização dessas empresas e o comércio digital começaram a embalar de maneira acentuada. Isso atendeu muitos setores mais do que outros. Começou-se a buscar aquele cliente fidelizado. A pessoa que compra na mercearia, na padaria, na quitanda, na loja de vestuário. Isso começou a ativar um pouquinho. Nós incentivamos muito as vendas pelo digital. Muitos aderiram ao delivery, fizeram seu próprio meio de logística de entrega. Tem sido uma adaptação grande pela sobrevivência.

EM: Os comerciantes mais tradicionais, como o senhor citou a mercearia, a quitanda, também têm aderido ao comércio digital?

Houve um aumento significativo deles também. O comercio digital em si não teve queda. Ele até cresceu. Mas isso corresponde a 3%, 4% da micro e pequena empresa. O aumento real que nós medimos nas pesquisas está perto de 15%, que aumentaram a venda pelos canais digitais, como Whatsapp, Facebook, etc.

EM: E como o Sebrae participa dessa transformação digital?

No ano passado, trabalhamos muito para fazer geração e manutenção de empregos e gerar produtividade da micro e pequena empresa. Sabíamos que, para melhorar a produtividade, precisavam entrar no meio digital. Começamos a olhar as grandes plataformas e grandes marketplaces que estão dando certo, como Amazon, Alibaba, Mercado Livre. Uma coisa curiosa é que trabalhamos o ano inteiro com ideias como ‘o Sebrae que o Brasil precisa’ é o Sebrae em rede, o Sebrae digital. Com a pandemia, tivemos uma surpresa. Estávamos mais preparados do que a gente esperava. Houve uma adesão muito grande ao digital e uma procura muito grande aos cursos do Sebrae. Um aumento estonteante, mais de 160%.

Entramos com o programas digitais, um programa com a Cielo, estamos promovendo cursos de facilitação para o micro e pequeno empresário se tornar digital. Nessa digitalização, temos protocolos de retomada muito bem feitos, baseados no que aconteceu na China, em países asiáticos e na comunidade europeia, Estados Unidos. Específicos para bares, restaurantes, cabeleireiros, mercearias. São 47 protocolos. Recomendamos a todos eles que procurassem retomar digitalmente. Digitalmente você pode marcar hora com um cabeleireiro. Não precisa ir presencialmente. E você vai administrando. O digital facilita muito a gestão e é uma coisa que o Sebrae tem ajudado muito. 
EM: Belo Horizonte tem sido uma das cidades mais rígidas no isolamento social e fechamento do comércio. O senhor concorda com a política do prefeito Alexandre Kalil?

Há uma insegurança nos empresários, e isso foi desde o começo. Eles diziam ‘a gente vai ouvir o prefeito, o governador ou o presidente da República?’ Esse desencontro de informação não foi positivo. O processo hierárquico, vamos dizer assim, de responsabilidade nos leva a entender que o mais próximo de nós são os prefeitos. E eles tem a responsabilidade sobre a cidade. Obviamente tem uma equipe assessorando, sob o aspecto científico. Mas é muito difícil acertar em cheio ou errar em cheio também. É uma situação muito delicada. Mas uma coisa é verdadeira: quanto mais movimentação mais contato, quanto mais contato mais transmissão e aí podemos ter um problema de estrangulamento na saúde. Então é uma situação muito delicada para quem está governando. O mais recomendado, dentro do possível, é ficar mais reservado, mais distanciado.


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