Protegido pela queda dos juros, o que facilitou o financiamento e investimentos em um setor que é considerado mais seguro em tempos de crise, o mercado imobiliário em Minas coleciona números positivos no primeiro semestre, com aumento de vendas e lançamentos, mesmo com a pandemia provocada pelo novo coronavírus. Por sua vez, o isolamento social levou a uma reavaliação das prioridades quando o assunto é onde e como morar. Porém, o desempenho não é o mesmo para todos os segmentos, e as incertezas da economia no segundo semestre ainda podem mudar o cenário.
A comercialização de imóveis cresceu entre abril e maio em Belo Horizonte e Nova Lima, na porção Sul da Grande BH. Em maio, 219 apartamentos novos foram vendidos, contra 207 em abril: alta de 5,8%. Os dados são do Censo do Mercado Imobiliário, realizado a pedido do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG). Enquanto isso, a pesquisa registrou apenas 10 lançamentos no mês. Com isso, o baixo estoque disponível para venda levou a um aumento de 2,3% no preço dos imóveis de um mês para outro.
Ainda segundo o levantamento, 1.371 unidades foram vendidas de janeiro a maio na capital e em Nova Lima. O valor representa alta de 11,1% na comparação com o mesmo período de 2019. Já o número de lançamentos cresceu 32,5%, saindo de 889 unidades nos cinco primeiros meses do ano passado para 1.178 este ano. Com mais demanda que oferta, o preço subiu. O censo calcula que o valor dos imóveis em maio ficou 5,44% acima do registrado no mesmo mês do ano passado.
A percepção de analistas a partir dos números é de que no momento o mercado imobiliário dá indícios de recuperação da crise provocada pelo novo coronavírus. Apesar do impacto inegável da pandemia – que obrigou a renegociação de contratos de aluguel em imóveis comerciais –, as pessoas não deixaram de investir em casas e apartamentos.
Setor manteve normalidade
Para o vice-presidente da área imobiliária do Sinduscon-MG, Renato Michel, a crise não foi tão grave para o setor a ponto de se falar em uma retomada agora. “Não é que o mercado está se recuperando, ele nunca parou”, afirma. Na avaliação do dirigente, o setor manteve “uma relativa normalidade”, principalmente por causa da construção civil, que foi considerada serviço essencial durante a pandemia.
A queda na taxa básica de juros está entre os motivos que explicam o fato de o mercado imobiliário ter se mantido relativamente aquecido durante a pandemia. A taxa Selic definida pelo Banco Central atingiu o menor patamar da história: 2,25% ao ano. Umas das implicações disso é que financiar um imóvel ficou mais fácil. “A maioria das compras de imóveis no Brasil é financiada. A prestação ficou mais baixa, não necessariamente o preço. Assim, mais pessoas podem comprar. Representa uma grande oportunidade para o comprador”, explica Renato Michel.
Além de facilitar para o comprador, juros baixos atraem investidores. Com aplicações de renda fixa remunerando menos e a bolsa de valores representando risco em momento de incerteza, o mercado imobiliário é um meio-termo. “Para preservar o patrimônio, os investidores estão aplicando no mercado imobiliário, que sempre foi um porto seguro”, afirma a presidente da Câmara do Mercado Imobiliário e Sindicato das Empresas do Mercado Imobiliário de Minas Gerais (CMI/Secovi-MG), Cássia Ximenes. Ela aponta que investir em imóveis traz duas fontes de retorno: a valorização e o aluguel. A soma dos dois fatores rendeu, em média 15,3% ao ano entre 2009 e 2019, segundo estudo da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).
Especialistas avaliam que o isolamento social, necessário para controlar a transmissão do novo coronavírus, mudou o comportamento e as necessidades das pessoas com relação ao lar. Isso também explicaria a necessidade de comprar uma nova propriedade. Analistas do mercado acreditam que a quarentena fez o brasileiro valorizar mais o imóvel, por passar mais tempo dentro de casa.
“De morar ninguém pode abrir mão. O isolamento social fez com que as pessoas buscassem novas demandas. Vendo que precisam de um quarto a mais, seja para montar uma academia ou escritório”, avalia Cássia Ximenes. A busca por um segundo imóvel para lazer e a adaptação dos clientes, corretores e imobiliárias para negociar pela internet também são apontados como motivos que ajudam a explicar o desempenho do mercado durante a crise.
Desempenho difere segundo os padrões
Apesar de as vendas em geral terem aumentado este ano em relação a 2019, o desempenho é diferente de acordo com os padrões de imóveis, pelo menos no cenário nacional. É o que aponta o levantamento mais recente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), referente a abril. Segundo a pesquisa, em todos os segmentos o mês registrou 8.836 unidades vendidas, alta de 6,1% em relação ao mesmo período do ano passado. Já os lançamentos totalizaram 3.662 unidades, 47% a mais do que em abril de 2019.
Porém, o segmento de imóveis do programa Minha Casa Minha Vida representa a maior parte dessas vendas e lançamentos. A associação calcula que 7.238 unidades desse padrão foram vendidas em abril – alta de 41,2% em relação ao mesmo mês de 2019. Enquanto isso, todos os lançamentos em abril foram de projetos do programa: as 3.662 unidades lançadas representaram aumento de 205,7% em relação ao ano passado. Nenhum imóvel de médio e alto padrão foi lançado no mês. Já as vendas nesses padrões totalizaram 1.371 unidades, o que representa queda de 48,5%.
A diferença entre os segmentos se explica pelas incertezas provocadas pela crise, na avaliação da coordenadora de Projetos da Construção do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/IBRE), Ana Castelo. “O segmento de médio e alto padrão ainda não está reagindo significativamente. As empresas estão aguardando a redução das incertezas para voltar a investir nesse segmento”, analisa. Além disso, a pesquisadora aponta que no momento os investidores tendem a preferir imóveis de menor valor, que representam menos risco. “Temos que aguardar os próximos meses. Mas o semestre deve fechar com essa configuração”, conclui Ana Castelo.
No segundo semestre, a incerteza ainda deve ditar o comportamento do mercado imobiliário. Ana Castelo acredita que a reabertura gradual da economia em algumas regiões tende a ter um impacto positivo. “Mas ainda prevalece muita incerteza sobre uma segunda onda (da COVID-19). E é preciso avaliar os efeitos da crise no mercado de trabalho. O impacto no mercado imobiliário pode ser maior. Se houver deterioração da situação econômica, vai haver impacto na demanda por imóveis”, alerta a pesquisadora.
*Estagiário sob supervisão do editor Roney Garcia