O café deve ser um dos motores da economia de Minas Gerais, enquanto a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus faz despencar as projeções de desempenho da maioria dos setores para este ano. Os trabalhadores das lavouras não deixaram de colher o principal produto da agropecuária do estado, mesmo com as dificuldades e adaptações impostas pela COVID-19. Assim, as previsões de volume e qualidade da safra mineira devem se cumprir.
Os analistas também esperam volta à normalidade no mercado consumidor, afinal, mesmo com as cafeterias fechadas, os brasileiros não deixaram de tomar o tradicional cafezinho, e os estrangeiros devem continuar comprando o grão nacional. A pandemia do novo coronavírus atingiu o Brasil pouco antes do início de parte da colheita do grão, em março. Em algumas regiões produtoras, os trabalhos começam em abril, e, em outras, no final de maio e início de junho, se estendendo por três meses.
Para garantir a colheita apesar da crise sanitária, entidades como a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), cooperativas e sindicatos se organizaram para alertar os produtores sobre a importância de implementar mudanças e cuidados sanitários nas fazendas. Os funcionários passaram a usar máscaras de proteção e manter o distanciamento mínimo recomendado nas lavouras, refeitórios, alojamentos e transportes.
A higienização foi reforçada e os trabalhadores evitam se deslocar para as cidades próximas. Produtores e representantes do setor asseguram que todos os cuidados estão sendo tomados, para que a colheita siga como planejada. “Entendemos que todos estão seguindo. Foi um esforço muito bem entendido pelo pessoal”, afirma Breno Mesquita, vice-presidente da Faemg.
“Não temos conhecimento de casos (de contaminação pelo coronavírus) em lavouras de café”, afirma. Como o trabalho no campo praticamente não parou, os produtores esperam colher a mesma quantidade prevista antes da crise. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) calcula que Minas deve produzir entre 30,7 e 32,1 milhões de sacas de café este ano, o que representaria 25% a 30% acima da safra anterior.
A cultura alterna anualmente safras cheia e baixa, o ciclo bienal decorrente da variação da produtividade do cafeeiro, e 2020 é ano de alta. Dono de duas propriedades de café em Piumhí, no Centro-Oeste do estado, Luís Cláudio de Melo Guerra está tentando trabalhar normalmente, apesar das dificuldades e adaptações impostas pelo vírus.
“A nossa expectativa é de colher 18 mil sacas, o que está dentro do esperado”, conta. O produtor enfrentou, primeiro, dificuldades para contratar 15 funcionários do Norte de Minas para a colheita, que começou no fim de abril, por causa das restrições ao transporte intermunicipal. Porém, aos poucos todos conseguiram chegar.
Contudo, a colheita na propriedade de Luís Cláudio não deve atrasar. “Não temos colheita manual, é mecanizada. Cada pessoa trabalha sozinha no equipamento, não tem aglomeração. Então conseguimos operar bem normal”, diz.
A crise ainda traz uma dose de insegurança, mesmo para quem trabalha com a cultura há 30 anos. “Essa não é uma crise de mercado [para a cafeicultura]. Mas os acontecimentos, a relação com as pessoas... nunca vi isso na vida. A gente não sabe o que vai acontecer”, comenta o cafeicultor.
Atrasos
Os associados da maior cooperativa de café do mundo, a Cooperativa Regional de Cafeicultores de Guaxupé (Cooxupé), também esperam colher o que já era esperado. Em Minas, a associação atua nas regiões cafeeiras Sul e Cerrado. A expectativa é produzir 10,3 milhões de sacas nesta temporada. Porém, os cuidados para evitar a transmissão da COVID-19 devem estender a janela de colheita até setembro, segundo o presidente da cooperativa, Carlos Augusto Rodrigues de Melo.
A colheita do café pode atrasar em certas regiões de Minas, dependendo do nível de mecanização do processo. O vice-presidente da Faemg e presidente da Comissão Nacional do Café, Breno Mesquita, aponta que isso deve ocorrer em propriedades mais dependentes de mão de obra, onde a colheita é manual. São fazendas que precisam de mão de obra de outras regiões, e por isso foram prejudicadas pelas restrições no transporte.
Mesquita também explica que as lavouras de maior porte precisaram fazer mais adaptações para evitar a transmissão do vírus, o que atrasou o processo. Há relatos de que isso ocorre nas regiões das Matas de Minas e no Sul, segundo o dirigente da Faemg.
Fator que contribui para isso é a topografia da região. O relevo do Sul de Minas é mais acidentado, o que impede a mecanização da lavoura. Já no Cerrado, localizado em um planalto, é mais fácil utilizar as máquinas para diminuir a dependência da mão de obra.
Clima e florada ajudaram
A colheita também não deve ser prejudicada nas pequenas propriedades de agricultura familiar, onde a própria família faz a colheita, como indica o assessor especial para o café da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Niwton Castro Morais. “O quadro geral hoje é de um ritmo um pouco menor de colheita”, afirma Morais. “Na Zona da Mata está mais avançado, no Sul um pouco mais atrasado”, avalia.
Esses atrasos podem prejudicar a qualidade dos grãos ao final da safra, segundo os especialistas, mas isso ainda precisa ser verificado com o tempo. “Quem tiver que prolongar a colheita terá que fazer a seca do grão no pé. Pode ter, no final da colheita, uma pequena perda de qualidade”, argumenta Niwton de Castro Morais.
Por enquanto, os cafeicultores comemoram a qualidade do café que está sendo colhido, em especial por causa das boas condições climáticas. “Tivemos um período de florada muito uniforme; na fase de granação ocorreu um período de chuva bem expressivo e agora estamos com um clima seco que ajuda bastante o quesito qualidade na fase de colheita”, explica o presidente da Cooxupé, Carlos Augusto Rodrigues de Melo.
A sensação de relativa normalidade na cafeicultura também se deve aos consumidores, que não deixaram de tomar a bebida durante o período de isolamento social. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), o consumo cresceu 30% durante a quarentena. De acordo com analistas do setor, o aumento do consumo em casa compensou a baixa em restaurantes e cafeteiras, que estão fechados.
Cafés especiais sofrem
Com a incerteza sobre quando as cafeterias e restaurantes poderá reabrir as portas, o segmento de cafés especiais deve ser mais prejudicado. “O grande problema são as cafeterias. Sofreu um impacto, mas ainda é cedo pra falar em crise de consumo”, diz Breno Mesquita. Como o produto é considerado de consumo básico, não se prevê grandes perdas. “A crise geral é de demanda, não de oferta. Para o setor agrícola a demanda se mantém praticamente normal”, afirma Niwton Castro de Morais.
As exportações do grão colhido em Minas também seguem dentro do esperado, apesar de uma leve queda. Segundo dados do Ministério da Economia, o estado exportou US$ 1,73 bilhão em sacas de café não torrado de janeiro a junho. O valor representa baixa de 1,55% em relação ao mesmo período de 2019. A queda no preço do grão, por causa da crise mundial provocada pela pandemia, foi um fator que contribuiu para esse quadro.
Segundo Breno Mesquita, a saca de 60 quilos foi comercializada por R$ 590 no começo do ano e chegou a baixar a R$ 480. “Temos mercado para a safra que está sendo colhida no Brasil. Não há perigo de não exportar”, garante o dirigente. Dessa forma, a expectativa dos produtores é cumprir todos os contratos no exterior com tranquilidade.
Sem muitos incentivos
O governo estadual manteve a realização do 17º Concurso de Qualidade dos Cafés de Minas Gerais. As inscrições são gratuitas e se estendem até 8 de setembro. Segundo a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), todas orientações das autoridades de Saúde serão seguidas durante a realização do concurso.
Para o assessor especial para o café da Seapa, Niwton Castro de Morais, programas de certificação e incentivo são importantes no momento da crise. Mas além disso, não foi necessário que o governo atuasse tanto para ajudar a cafeicultura.
O setor de floricultura sofreu mais, com as perdas de eventos. Mas no café foi mais no sentido de orientar em como lidar com o coronavírus e buscar crédito para os produtores
Niwton Castro de Morais, assessor especial para o café da Seapa
Brasil
As perspectivas da safra de café mineira este ano são parecidas com as previsões para todo o país. Segundo a assessora técnica da Comissão Nacional do Café, Raquel Miranda, o Brasil deve colher de 57 a 62 milhões de sacas em 2020, como previsto. Ela aponta que, assim como em Minas, a janela de colheita deve se estender nas propriedades maiores, que dependem do deslocamento de trabalhadores.
De acordo com a assessora técnica, isso não deve ocorrer em estados onde a agricultura familiar é predominante, como Paraná e Rondônia. “A agricultura familiar vai ser menos impactada. A média nacional de lavouras familiares de café é 72%. As fazendas maiores são em menor número, mas produzem muito”, analisa Raquel Miranda.
As exportações de café brasileiro caíram levemente no primeiro semestre de 2020 em relação ao de 2019, assim como o mineiro. Segundo o Ministério da Economia, o país vendeu US$ 2,3 bilhões em café não torrado no mercado internacional na primeira metade do ano, queda de 0,54% na comparação entre os períodos.
Apesar da flutuação no preço, Raquel Miranda acredita que o café brasileiro não deve ser prejudicado no exterior. “O Brasil vai oferecer uma safra de boa quantidade e qualidade este ano. Tem tudo para o país exportar bastante café. Mas isso vai depender da recuperação econômica pós-pandemia. O encolhimento das economias globais pode afetar”, avalia.
Não tenho dúvida de que toda vez que o Brasil precisou, a agricultura sempre carregou o desenvolvimento do país. Mais uma vez a agricultura brasileira e a cafeicultura mineira vão cumprir o seu papel
Breno Mesquita,vice-presidente da Faemg,
Em meio à crise mais grave dos últimos anos para a maioria dos setores, a agropecuária deve ser a única área da economia que vai crescer. Em projeção divulgada em maio, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) calcula que o Produto Interno Bruto (PIB) do setor agropecuário deve crescer 2,5% em 2020, em um cenário-base. Em um cenário de maior estresse, os pesquisadores projetam avanço de 1,3%.
*Estagiário sob supervisão da sub-editora Marta Vieira