A renovação do auxílio emergencial por mais quatro meses veio como alívio para famílias que dependem da ajuda do governo federal em meio à crise econômica provocada pela pandemia de COVID-19. Mas o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou também o já previsto corte no valor do benefício, que caiu de R$ 600 para R$ 300. Para mais de 60 milhões de brasileiros impedidos de trabalhar ou que tiveram perda na renda em função do distanciamento social, o corte de 50% no montante que tem sido a principal, quando não a única fonte de recursos, é muito preocupante.
Antes de anunciar oficialmente a prorrogação, Bolsonaro reclamava do impacto do auxílio, que, de acordo com o Ministério da Economia, custa cerca de R$ 50 bilhões por mês aos cofres públicos. “Pode até ser pouco para quem recebe, mas é muito para quem paga”, declarou o presidente na abertura do 32º Congresso Nacional da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes e também em outros eventos.
Apesar do descontentamento do presidente, o benefício alavancou sua popularidade. Em agosto, a aprovação de Bolsonaro foi a melhor desde o início do mandato. Segundo o instituto Datafolha, 37% dos brasileiros entrevistados consideraram o desempenho do governo federal bom ou ótimo, ante índice de 32% da pesquisa anterior. Mas, se para o governo equilibrar os gastos durante a pandemia tem sido desafio, para quem recebe o benefício, é preciso fazer um malabarismo com as contas para arcar com as despesas de casa. Missão que se torna duas vezes mais espinhosa agora, com o corte do auxílio pela metade.
Para ouvir as dificuldades de homens e mulheres que dependem dos pagamentos, a reportagem do Estado de Minas foi às ruas e conversou com beneficiários, que revelaram dificuldades para ter acesso ao recebimento do auxílio emergencial e os impactos da redução do valor para quem depende dele para sobreviver durante a pandemia do novo coronavírus.
* Estagiária sob supervisão do subeditor Paulo Nogueira
“Só Deus para liberar”
Carlos Eduardo da Rocha, 50 anos
Pai de dois filhos e fora do mercado de trabalho formal há cerca de 10 anos, Carlos Eduardo, antes da pandemia, tinha um modesto lava-jato como fonte de renda. Além disso, costumava fazer bicos para complementar a renda. Mas a chegada do novo coronavírus fez a clientela sumir. Para piorar, ele conta que até hoje, mesmo com o benefício liberado pelo governo, só conseguiu ter acesso a uma parcela. “Por enquanto, peguei só a primeira. Deu para pagar umas contas, comprar mantimentos, mas eu pago R$ 450 só de aluguel”, disse. Questionado sobre as futuras parcelas de R$ 300, Carlos Eduardo demonstra mais preocupação com o problema atual que encontra para receber. “Tudo vai depender daquele lá de cima, porque se não for Deus para liberar…”
“Ruim para todo mundo”
Bruno Rodrigues Pereira, 37 anos
Bruno trabalhava como cozinheiro em um restaurante, mas perdeu o emprego em dezembro do ano passado. Mesmo com o auxílio aprovado, ele afirma que não chegou a receber nenhuma das parcelas do benefício. “Já tem uns três meses que foi aprovado e ainda não consegui receber. Pelo site dá erro e fala que a conta é inexistente”, explica. Com um aluguel mensal de R$ 800, ele faz planos com o dinheiro antes mesmo de saber se conseguirá recebê-lo. “Estou com um aluguel atrasado e uma conta de luz também, vou tentar resolver isso”, disse. Caso consiga, independentemente do valor das próximas parcelas, ele afirma que precisará recorrer a outros meios para complementar a renda.“É bem pouco, e a gente tem que se virar de outra forma para tentar completar. Está ruim para todo mundo, mas a gente tem que cumprir os compromissos”, lembra.
“Comida não vai ter”
Eduardo Francisco do Carmo, 41 anos
Desempregado há quatro anos, Eduardo conta que antes da pandemia já dependia de bicos para sobreviver. Com uma lesão permanente no pulso esquerdo causada por um acidente que sofreu em setembro do ano passado, ele encontrou muitos obstáculos para retornar ao mercado de trabalho. Quando a crise de saúde se abateu sobre o país, as portas se fecharam completamente. O auxílio emergencial veio como alívio momentâneo para tanto sufoco. “Recebi quatro parcelas, mas agora bloquearam. Falaram para eu ir na regional resolver, mas lá está fechado”, diz. Com o que já recebeu, ele afirma que conseguiu comprar alimentos e pagar contas de água e luz durante um tempo, mas neste mês, sem acesso ao benefício, precisou da ajuda de parentes. “Estou dependendo da minha mãe. Ela e meu irmão me ajudaram com as contas e me doaram uma cesta básica”, conta. Agora, ele acredita que, mesmo que consiga voltar a receber, o novo valor será insuficiente. “Com R$ 600 já estava difícil, com R$ 300 não vai ser suficiente para manter a casa. Só água e luz mesmo, comida não vai ter”, lamenta.
“As contas não param”
Andreia Carla Ferrari, 50 anos
Autônoma, a cabeleireira Andreia viu sua renda escapar entre os dedos com a debandada das clientes. Mesmo assim, não desanimou e recorreu aos bicos para contornar a situação. “Ainda está difícil, porque as pessoas ficam bem inseguras. A maior parte da minha clientela é de mais idade, mas tenho feito meus bicos, uma faxina aqui, outra ali”, explica. O marido, músico, não tem conseguido trabalho com os bares fechados, e a espera até conseguir o benefício foi longa. “Demorou uns três meses. Eu falo que se dependesse só desses R$ 600, teria morrido de fome. Quando uma pessoa me chama para fazer um trabalho, eu vou, para passar uma roupa, fazer uma faxina, porque as contas não param de vir”. O auxílio emergencial é a conta de pagar o aluguel, no valor de R$ 600. Com o corte, Andreia se preocupa com as despesas, em sua casa e nas outras. “Com R$ 300, a gente não faz nada. Você sai com R$ 100 para fazer compras e não leva quase nada. Até o ovo está mais caro. Para as pessoas de menor poder aquisitivo, está difícil para alimentar os filhos e tem muitas famílias com três, quatro filhos em casa.”
“Vai ficar mais difícil”
Angel de Souza Silva, 21 anos
Há dois anos sem trabalho com carteira assinada, Angel havia conseguido um emprego informal na limpeza de um restaurante, mas a casa fechou por causa da pandemia. Mãe, ela conta que fez a solicitação do auxílio logo que foi aberto o cadastro, mas errou ao preencher as informações e não conseguiu ter acesso aos R$ 1.200 que o governo havia disponibilizado para mulheres chefes de família. “Peguei a primeira parcela dos R$ 600 em 8 de maio, e até hoje estou tentando conseguir a segunda. Tenho criança, então as coisas apertam, mas dá certo. Disseram que ia ter um site para corrigir as informações de quem fez o cadastro errado, mas não saiu.” Ela conta que tem recebido uma cesta básica disponibilizada pela Prefeitura de BH o que tem feito diferença em casa, mas diz que o corte no auxílio vai deixar a situação mais apertada em casa. “É melhor do que nada, mas eu acredito que vai ficar mais difícil, principalmente para quem tem criança ou não tem renda. Aí faz o que? Vai passar fome?”, questiona.
“Problema são as dívidas”
Antonio da Cruz, 61 anos
O catador de recicláveis Antonio da Cruz é dos mais otimistas entre os beneficiários do auxílio emergencial entrevistados. Sorridente, ele afirma que conseguiu receber duas parcelas do benefício. “Eu catava latinha, mas essa epidemia ficou brava e decidi parar. Foi aí que consegui esse auxílio”, resume. Antonio mora com a mulher, os filhos e os netos e acredita que, contendo gastos, com as parcelas mensais do auxílio federal a R$ 300, o valor será suficiente. “O problema maior são as dívidas, mas se a gente trabalhar com a cabeça, o dinheiro dá.”
“Pouco que ajuda muito”
Irani de Assis Cordeiro, 70 anos
Irani diz que sempre dependeu do trabalho informal para sobreviver e sustentar a família. Ela mora com o filho, que trabalha e arca com algumas despesas, mas, durante a pandemia, ficou difícil conseguir ajudá-lo. “Trabalho com reforma de roupas, às vezes, faço faxina, mas agora está tudo muito difícil”, conta. Para ela, que teve acesso às duas primeiras parcelas do auxílio emergencial, a redução não é vista como o maior problema. “É um pouco que ajuda muito; para mim é muito. Claro que os R$ 600 ajudam mais, mas, chegando, qualquer tanto é muito importante”, avalia.
“Menos, mas ainda é dinheiro”
Pamela Pereira, 21 anos
Pamela está desempregada há pouco mais de um ano. Para ela, conseguir o benefício não foi tão difícil. “Mas demorou para liberar, comecei a receber em maio. Se der tudo certo, eu pego a terceira parcela. Só tive um problema no aplicativo, então resolvi vir ao banco sacar o dinheiro”, conta. O marido é quem vem arcando com a maior parte das despesas mensais. Diante da diminuição do valor, ela demonstra resignação. “Vai me ajudar, porque R$ 300 ainda é dinheiro, com certeza vai suprir algumas necessidades. Mas é chato, porque são R$ 300 a menos. Para quem tem filho, criança não entende isso, precisa de leite e quer na hora certa. Para quem paga aluguel, esse dinheiro vai fazer falta.”
“Tudo muito desorganizado”
Jessica do Espírito Santo Sampaio, 27 anos
Desempregada, Jessica tem vendido máscaras durante a pandemia, a R$ 5 cada. No começo do ano, foi para o Espírito Santo, mas voltou a Belo Horizonte pouco tempo depois. A mudança de endereço trouxe problemas com o auxílio emergencial, que já havia sido aprovado. Com isso, conta, só recebeu uma parcela do benefício. “Acho que está muito desorganizado, a gente entra no aplicativo, vai à agência, falam que vai atualizar e nada que vai liberar. É muita coisa errada”, reclama. Para ela, a redução no valor da parcela é outro problema que terá de enfrentar. “Acho que R$ 300 não ajuda não, é muito pouco.”