Brasília - Antes mesmo de passar por votação no Congresso, Proposta de Emenda à Constituição 32/2020da reforma administrativa já encontra barreiras jurídicas. O Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para analisar o texto do governo, que, na prática, pode resultar no fim da estabilidade para novos servidores, inclusive do Legislativo e do Judiciário, e mudar o quadro de remunerações e a forma de provimento de cargos públicos.
Entre os pontos com maior chance de judicialização estão a possibilidade de ampliação das vagas que são preenchidas por indicação nos três poderes, alterações nos princípios da administração pública e a possibilidade de o presidente ganhar mais poder para extinguir órgãos públicos via decreto – e não por meio de projeto de lei, como ocorre atualmente.
Entre os pontos com maior chance de judicialização estão a possibilidade de ampliação das vagas que são preenchidas por indicação nos três poderes, alterações nos princípios da administração pública e a possibilidade de o presidente ganhar mais poder para extinguir órgãos públicos via decreto – e não por meio de projeto de lei, como ocorre atualmente.
A avaliação nos bastidores do Supremo, é de que o Judiciário precisa dar sua contribuição para a reforma, com o objetivo de reduzir despesas. Essa proposta deve surgir em meio ao julgamento de ações dos partidos de oposição e entidades representativas dos servidores questionando a legalidade de diversos itens da proposta. A PEC. A maioria dos críticos concorda que alterações são necessárias para reduzir os gastos públicos e elevar os investimentos em saúde, educação e segurança, mas diz que a fonte de onde jorram os recursos públicos, na forma de supersalários, não foi obstruída: Judiciário e sLegislativo.
A defesa do presidente do STF, Dias Toffoli, de alterações na magistratura, no Ministério Público e nas defensorias públicas, com salários menores no início da carreira para reduzir privilégios, deve ser mantida na gestão do sucessor, Luiz Fux. O texto final da PEC será resultado dos interesses dos deputados e senadores e da pressão dos lobbies das carreiras de Estado. Para o economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, “é lamentável que os dois principais poderes, onde se encontra o maior número de privilégios, não tenham sido alcançados pelas novas regras”. “Sabemos que é possível enxurrada de ações. Não é uma reforma fácil, principalmente em ano eleitoral. Mesmo atingindo só os novos servidores, as associações já demonstram que não estão a favor. Isso por si só já dá o caráter político da reforma”, enfatiza.
O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), rebateu as críticas de que a proposta do governo é branda. “Disseram que a proposta é leve demais. Mas não é leve demais, foi feita para ser aprovada, não para ser judicializada. Então, queremos aprovar a reforma. Não vamos fazer uma coisa que a gente ache que tem risco de judicialização, de paralisação, de debates que inviabilizem a sua aprovação. Vamos votar rapidamente a reforma administrativa na Câmara e no Senado este ano”. Afirma.
A guerra já começou e vai se espraiar pelo Congresso. Servidores do topo e da base remuneratória do serviço público se uniram contra a proposta. Na semana passada, logo após a apresentação da PEC, os servidores se reuniram em assembleias virtuais para dissecar o assunto. Uma enxurrada de eventos tomou conta das redes sociais, para convocar ao debate os mais de 12 milhões de funcionários em todo o país (federais, estaduais, municipais e distritais). O Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas), entidades dos Tribunais de Contas, da Câmara e do Senado iniciaram articulação conjunta.
O enfrentamento, daqui em diante, será em quatro frentes: jurídica, comunicação, parlamentar e produção técnica. O fim do regime jurídico único é uma das preocupações. “A criação de vários segmentos de servidores deixará o serviço público sujeito a ingerências políticas”, avalia Marques. Frentas e Fonacate voltam a se reunir esta semana, para analisar a proposta com mais detalhes. O deputado federal e coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, Professor Israel Batista (PV/DF), opina que este é o início de uma das mais duras guerras de narrativa e de comunicação.
Também foi lançada a Jornada em Defesa dos Serviços Públicos, em ato online com a participação de centrais, entidades sindicais e parlamentares, contra a proposta. A Jornada é uma campanha para mostrar à população a importância do Estado e dos servidores públicos para o bem-estar social, saúde, educação e garantia de direitos, como os previdenciários. Um Ato Nacional em Defesa dos Servidores e Serviços Públicos acontecerá no dia 30. “Não tem estado mínimo, se depender do presidente Bolsonaro o estado é zero”, enfatizou Sérgio Ronaldo, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef).
Entrevista/TIAGO MITRAUD - Deputado federal
“Sou a favor do fim dos supersalários”
O deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), coordenador da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, é um dos defensores de mudanças significativas no funcionalismo. Para ele, as alterações no setor, ao contrário do que propõe o governo, devem atingir não só os futuros servidores públicos, mas também os atuais. Mitraud é favorável a que a reforma elimine todas as distorções, a exemplo dos supersalários pagos à elite do funcionalismo, que foir preservada na PEC da reforma. Nesse sentido, o parlamentar anunciou que tem trabalhado pela aprovação, na Câmara, do Projeto de Lei PL 3123/2015, que propõe a extinção das altas remunerações no funcionalismo e está pronto para ser votado em plenário.
A proposta de reforma do governo tem sido muito criticada por não atacar as principais distorções do funcionalismo, como os supersalários. Qual sua opinião?
Primeiramente, é bom a gente realçar o ponto positivo. E lembrando o atual contexto. A gente tem um governo em que o presidente não tinha nenhum apreço pela reforma administrativa e, quando falava dela, era dizendo que ela seria adiada para 2021 ou, sabe-se lá, quando. Estou, nesse sentido, procurando ver a metade cheia do copo. É claro que essa PEC não resolve todos os problemas, e eu também não tinha nenhuma expectativa de que essa primeira PEC resolveria. O governo tinha essa estratégia de mandar a primeira PEC para mexer na parte dos vínculos, e foi isso que ele fez. Certo ou errado, pelo menos eles se posicionaram e permitiram que agora a gente começasse a trabalhar. Então, a apresentação da PEC é um avanço, especialmente porque eu já tinha a expectativa de que ela seria somente um primeiro passo. Porque, hoje, realmente, é muito ruim essa estabilidade irrestrita dos servidores, como se fossem uma coisa só, e acho que é bem numa linha correta identificar a natureza de cada cargo e, de acordo com a natureza de cada cargo, se posicionar.
O senhor, ou o seu partido, pretendem apresentar alguma proposta para acabar com os supersalários no funcionalismo?
Ainda há pouco entendimento, em geral, sobre o que esse texto está falando. A gente está falando, nesse texto, de mudanças na estrutura de vínculos do servidor com o Estado, uma autorização para que haja uma melhor organização interna do Executivo, e tem a parte das vedações a certas distorções e benefícios. Nesse texto não se fala de supersalários, porque há um outro texto que está prestes a ser votado na Câmara, e eu, obviamente, sou a favor do fim dos supersalários. Você tem um projeto de origem no Senado, que foi aprovado lá em 2016, da relatoria da senadora Katia Abreu, e que veio para a Câmara e foi apensado a um projeto do governo da ex-presidente Dilma [PT], e hoje o relator é o deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR). Esse projeto [PL 3123/2015] está pronto para ser votado em plenário. Quando a gente fala em acabar com os supersalários, eu concordo, mas não é nessa PEC. É nesse projeto de lei que está pronto para ser votado.
Por que esse projeto não foi votado ainda?
Há pressão, desde o primeiro semestre, para que o projeto seja votado. O presidente Rodrigo Maia chegou a colocá-lo em pauta no primeiro semestre, e teve uma pressão do Judiciário para que ele saísse de pauta, e o projeto foi retirado. Estamos aguardando, desde então. Mas penso que tem que votar esse projeto. Especialmente diante dessa pressão agora, da sociedade, para isso, acho que tem que votar. E aí a gente vai atingir todo mundo, o Judiciário, principalmente, que tem supersalários. Fizemos um pedido para que o projeto seja votado, mas ainda não há uma sinalização de que vai ser votado em breve. Já deveria ter sido votado há muito tempo. Particularmente, acho que as mudanças devem ser estendidas aos membros de poder, que são, justamente, promotores, parlamentares, magistrados, por exemplo.