Na tentativa de conter a disparada dos preços dos alimentos da cesta básica, que têm grande apelo popular, o governo anunciou no começo da noite de ontem a redução a zero da alíquota do Imposto de Importação sobre o arroz em casca e beneficiado até 31 de dezembro.
A medida foi adotada após a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, e o próprio presidente Jair Bolsonaro terem afirmado que não haverá qualquer intervenção para evitar os aumentos pagos pelo consumidor, como tabelamento, que custou caro ao país no passado. Os supermercados e cooperativas de produtores de alimentos básicos na mesa dos brasileiros foram notificados pelo Ministério da Justiça para explicar, em cinco dias, os altos reajustes adotados depois da pandemia do novo coronavírus.
Em Belo Horizonte, além do custo elevado do arroz, a compra desse carro-chefe das refeições típicas das famílias passou a ser limitada por grandes redes de supermercados. Há empresa também restringindo a quantidade de óleo de soja a ser levada pelo consumidor. Contudo, a intenção do governo de promover a concorrência no mercado interno permitindo a importação do produto estrangeiro sem tributação não terá o efeito esperado de baixa dos preços no varejo, segundo especialistas em produção e consumo ouvidos pelo Estado de Minas.
Nas contas do analista de economia e política Miguel Daoud, especializado em agronegócio, o arroz indiano, por exemplo, deve chegar ao Brasil cotado no mesmo nível de preços do produto nacional, em razão do dólar alto, na faixa de R$ 5,30. Quer dizer, a valorização da moeda norte-americana frente ao real, que encarece os itens importados, deve eliminar a vantagem da isenção tributária e frustrar a desejada queda dos preços na ponta do consumo. “Essa interferência do governo reduzindo a tarifa de importação não tem nenhuma eficácia na questão de preços com o dólar no patamar em que está”, afirma.
O coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Getulio Vargas (FGV), André Braz, considera restrito e apenas imediato o poder da importação isenta de tributo de regular os preços do arroz. “Enquanto a taxa de câmbio não se estabilizar, as altas de preços não vão se resolver”, diz. A valorização do dólar ante o real alcançou cerca de 36% nos últimos 12 meses, período em que a cotação média da moeda norte-americana subiu de R$ 4,02 para R$ 5,46, de acordo com a FGV.
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O dólar é fator crucial para explicar as altas dos preços de alimentos essenciais como o arroz, carnes, óleo de soja e farinha de trigo porque com a alta da moeda estimula as exportações, o que vem reduzindo a oferta desses produtos no mercado brasileiro. Pelas leis da economia, baixa oferta leva a pressão de preços. Além disso, são alimentos que dependem de insumos importados, e, portanto, cotados em dólar.
Os gastos do consumidor com arroz subiram 3,08%, em média, no país, no mês passado, enquanto a inflação foi de 0,24%, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O indicador foi o mais alto para o mês desde 2016. De janeiro a agosto, o produto foi reajustado em 19,25%, frente a média geral de aumentos dos preços de 0,70%.
Na Grande BH, o produto encareceu 3,84% em agosto e 22,96% no ano, ao passo que o IPCA subiu 0,21% e 0,58%, respectivamente. As carnes, por sua vez, tiveram reajuste de 3,33%, em média, no mês passado, no Brasil e 5,44% na região metropolitana da capital mineira. Nas últimas semanas, o pacote de cinco quilos de arroz chegou a ser encontrado a R$ 40, frente ao preço considerado normal ao redor de R$ 15.
Safra
A isenção do Imposto de Importação determinada pelo Comitê-Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex) abrange uma cota de 400 mil toneladas e valerá para o arroz com casca não parbolizado, arroz semibranqueado ou branqueado não parbolizado. Outro fator que poderá frustrar a queda de preços do produto é que a área plantada diminuiu no Brasil no ano passado, a despeito de o Brasil aguardar safra recorde de grãos.
A ministra Tereza Cristina disse que o plantio começa agora e a colheita se dará no começo de 2021, sem perspectiva de falta de arroz no país. “Estamos vivendo uma situação de transição, é uma questão pontual e que vai passar. O governo não vai fazer nenhuma intervenção em preços de mercado”, afirmou. As notificações do Ministério da Justiça aos supermercadistas, segundo ela, foram emitidas para que o governo entenda as altas dos preços ao consumidor.
Ainda nesta semana o presidente Jair Bolsonaro pediu patriotismo às redes de supermercados para reduzir suas margens de lucro, mas o apelo foi negado. Os empresários do setor culpam as indústrias fornecedoras e os produtores, que, por sua vez, justificam com os aumentos dos custos de matérias-primas e insumos, como milho e soja.
Pressões
Há, pelo menos, mais dois fatores que devem dificultar possíveis quedas de preços, de acordo com analistas ouvidos pelo EM. No mercado brasileiro, a demanda maior pela cesta básica de alimentos estimulada após a concessão do auxílio emergencial à população desemparada, diante dos efeitos da pandemia do novo coronavírus sobre o emprego no país, também explica o aumento da inflação dos alimentos.
O outro fenômeno é o ingresso voraz da China no mercado internacional em busca de formar estoques de alimentos, durante a pandemia, fenômeno que desequilibra a oferta mundial e encarece a comida. Durante reunião ontem com Bolsonaro, o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Sanzovo Neto, afirmou que não há como prever quando os preços nas gôndulas voltarão ao “normal”. Disse ainda que a entidade vai orientar o consumidor a substituir o arroz pelo macarrão.
“Vamos continuar fazendo a nossa parte: sempre defendendo os consumidores, já que dependemos do preço barato para continuar vendendo e atraindo clientes”, afirmou o presidente da Abras.. Crítico à postura do governo, o consultor Miguel Daoud sustenta que antes de dezembro os preços dos alimentos não vão ceder no varejo. “Vivemos um conjunto de fatores que explicam as altas e não chegamos aqui (agora) num passe de mágica. O governo já sabia da situação do arroz”, afirma. André Braz, da FGV, da mesma forma, não vê sinais de tendência de queda dos preços dos alimentos. A renda comprometida da população pode ser o único instrumento com algum poder de deter os aumentos.