Com o estoque baixo de arroz e óleo de soja, pivôs da disparada dos preços dos alimentos básicos na mesa dos brasileiros, distribuidores que atuam em Minas Gerais limitam as entregas ao comércio, para não deixar de atender aos pedidos. A dificuldade de repor a mercadoria está ligada à valorização do dólar frente ao real, como o Estado de Minas apurou junto a atacadistas do entreposto da Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasa Minas) em Contagem, na Grande Belo Horizonte.
O EM já havia mostrado, na semana passada, que alguns supermercados de BH passaram a estabelecer cotas por cliente na compra do arroz. De janeiro a agosto, o produto encareceu 19,25% no país, frente à média geral de aumentos dos preços de 0,70% pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os gastos na Grande BH subiram 22,96%, em média, no ano, frente à inflação de 0,58%.
No entreposto da Ceasa, o atacado de hortigranjeiros também vem lidando com dificuldades. A demanda caiu depois do isolamento social para conter a disseminação do novo coronavírus e não se recuperou, embora bares e restaurantes tenham voltado a funcionar na capital. Segundo o chefe do setor de informações da Ceasa Minas, Ricardo Fernandes Martins, os preços caíram 4,3% nos primeiros 14 dias de setembro, comparados ao mesmo período de agosto.
A exceção tem ficado por conta das frutas. Os preços subiram 7,8% de março a agosto. Os aumentos foram influenciados, segundo Ricardo Martins, pela banana. A produção dessa rainha das mesas vem sofrendo em estados de grande produtividade da cultura, como Santa Catarina, e em algumas regiões de São Paulo. A oferta da melancia também enfrenta elevação do frete, procedente do estado de Goiás.
Vendedora da Lord Atacadista, Eliziene Marlene Gomes, de 49 anos, não acredita em solução rápida para o desequilíbrio da oferta e dos preços do arroz. “De acordo com o que os fornecedores falam conosco, tem arroz, só que o dólar nunca esteve tão bom para negociar, então eles estão vendendo tudo na base do dólar. Na hora em que a gente começar a importar com valor menor eles vão ter que abaixar o preço, mas nada disso é imediato, principalmente por causa da distância e do tempo de negociação”, afirma.
A cotação do dólar subiu cerca de 36% nos últimos 12 meses, período em que a cotação média da moeda norte-americana saiu de R$ 4,02 para R$ 5,46, com base em estimativa da Fundação Getulio Vargas. No começo do ano, um fardo com seis pacotes de arroz era vendido ao atacado, segundo Eliziene Gomes, a R$ 85. Hoje, o preço alcança R$ 187.
No caso do óleo de soja, a situação não é menos preocupante, a despeito da safra recorde do grão esperada no Brasil. Os estoques do óleo baixaram na distribuição. “A gente não sabe se eles (os fornecedores) estão segurando para vender mais caro ou se realmente não tem o produto. Está difícil negociar. Já há lojas aqui na Ceasa que estão limitando quantidades, só se pode comprar 50 caixas.”
O gerente do atacado Comercial Polegar, Willian Candido, de 58, confirma a preocupação. “A soja é toda brasileira. Dizem que a China veio e comprou tudo e que, quando chegar o meio de novembro, começo de dezembro, vai faltar óleo de soja. Não é só o arroz que subiu, a gente está ainda mais preocupado com o óleo de soja porque as indústrias não estão vendendo”, afirma.
Trabalhando há 40 anos no ramo, Wiliam Candido diz jamais ter visto aumentos como os atuais. A empresa adotou também a estratégia de limitar as compras do produto por cliente. “Dizem os representantes que vendem para mim que a soja de setembro e novembro foi toda para a China. Os Estados Unidos não estão vendendo para eles, então eles, como têm dinheiro, vêm aqui e buscam. E agora? O Brasil vai ter que comprar dos Estados Unidos a soja?”, questiona.
A dificuldade para encontrar o óleo de soja tem sido grande. Desde o dia 1° a empresa não tem conseguido comprar o produto. “Antes, eu comprava quatro carretas de óleo por semana, mas agora a gente tem que ir segurando a mercadoria para não faltar. Esse estoque que eu tenho é de 6 mil caixas de óleo. Costumo vender 1.200 caixas todo dia; então, se eu liberar, em uma semana vai embora”.
Hortaliças
Desde o início das medidas de distanciamento social impostas pela COVID-19, os produtores que vendem seus produtos no entreposto de Contagem da Ceasa Minas têm se queixado da diminuição da procura. Ivone Antunes de Souza, de 41, produz e vende mangas e reclama do encalhe do produto. A fruta teve redução de preço de 10,8%.
“Falta comprador demais no mercado. Está sobrando mercadoria, e não estamos no período da safra, que vai de novembro a janeiro. Então, é uma época para a mercadoria ser vendida por R$ 60 (a caixa), mas como não há demanda para a quantidade de oferta o preço cai. Estou vendendo a R$ 40”, relata.
Walter Donizete de Freitas, de 52, conta que também houve redução nas vendas de cebola e batata, com queda de 11% do preço. Ele destacou a diminuição do valor do tubérculo, que chegou a custar até R$120 no começo do ano e hoje está sendo vendido por R$ 40 o saco de 50kg. “Os preços baixaram bastante, o mercado está bem defasado.O plantio não mudou muita coisa, a venda é que diminuiu.”
Tomate e banana estão entre os produtos que encareceram. O produtor de tomate Robson Natanael, de 32, diz que o aumento de preços reflete a melhora nas vendas, impulsionada pela retomada do setor de alimentação. “Com o coronavírus, o mercado travou e agora melhorou um pouco.”
Muito comum na mesa dos brasileiros, a concorrência no mercado interno pela banana tem elevado o valor da fruta para os mineiros. “A gente tá produzindo, mas a demanda de outros estados subiu e inflacionou o preço aqui (em Minas) porque os outros estados estão pagando melhor do que a nossa região”, comentou o vendedor de bananas Geraldo Alves da Cruz, de 44. A banana-prata encareceu 73,9% de 10 de agosto a 1º de setembro, e a banana-nanica ficou 25% mais cara no atacado, de acordo com levantamento da Ceasa Minas.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Marta Vieira