A pandemia do novo coronavírus elevou o desemprego ao ponto mais alto no Brasil, desde que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acompanha a evolução de indicadores do mercado de trabalho em série de dados iniciada em 2012. A taxa de desocupação no país alcançou 13,8% no trimestre encerrado em julho, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) divulgada ontem. Em Minas Gerais, o desemprego alcançou 12,3%, medido em agosto. Sem expectativa de melhora, os índices escancaram o desespero de famílias que vêm perdendo fonte de renda para sobreviver.
No trimestre encerrado em abril, início da pandemia de COVID-19, a taxa de desocupação no Brasil estava em 12,6%. Isso significa que o número de brasileiros que estão desempregados cresceu de 12,8 milhões para 13,1 milhões em julho. Em igual período de 2019, a taxa de desemprego medida pela Pnad Contínua estava em 11,8%. No trimestre até junho último, já alcançava 13,3%. Em Minas, o desemprego afetava 1,338 milhão de pessoas no segundo trimestre do ano, ainda segundo o IBGE.
“É uma situação tenebrosa”, diz Mário Rodarte, economista e professor de economia e demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para o especialista, o crescimento da taxa de desemprego está diretamente associado à queda da força de trabalho (taxa de participação). Essa população representa 95,2 milhões de pessoas, a menor da série histórica do IBGE, que caiu 6,8% (o equivalente à saída de 6,9 milhões) frente ao trimestre anterior e 10,4% (menos 11 milhões de pessoas) em relação ao mesmo trimestre de 2019.
“Houve queda da taxa de participação. Quer dizer que por causa do isolamento social, as pessoas pararam de sondar o mercado”, analisa Rodarte. A população desalentada – aquela que estava fora da força de trabalho inclusive por falta e estímulo e dinheiro para procurar trabalho – foi recorde, com altas de 15,3% (mais 771 mil pessoas) em relação ao trimestre anterior e 20% (mais 966 mil pessoas) frente ao mesmo trimestre de 2019.
O economista explica que poderia ter sido pior caso a taxa de participação não tivesse recuado tanto. “Se a população continuasse pressionando o mercado de trabalho”, sugere Rodarte. “Além da questão da pandemia, também em cenários de crise acontece que alguns segmentos que normalmente poderiam estar procurando trabalho, mas contam com a renda familiar elevada, sabem que não adianta colocar currículo e tendem a procurar outras coisas, como manter-se nos estudos, e saem das estatísticas de desemprego.”
Segundo a edição especial da PNAD Covid, os números seguiram em elevação ao longo de agosto e no início de setembro. Para o professor da UFMG, a primeira medida a ser tomada para acabar com o cenário de desesperança, é reverter as expectativas pessimistas. “O setor formal foi brutalmente atingido. A pandemia influenciou muito, para além do que a gente estimava, talvez. O perverso é que a dinâmica de uma involução econômica combina com algumas medidas ruins de formuladores de políticas públicas”, acredita Mário Rodarte.
Na batalha
O triste número de desempregados no país tem rostos e histórias. Na casa de Marina Avelar, de 23 anos, o sustento tem sido garantido pela aposentadoria da avó e o seguro-desemprego da mãe dela, Juliana Gomes, que perdeu o trabalho justamente por causa da crise instalada com a necessidade de isolamento social para conter a COVID-19. “Depois de seis anos trabalhando na mesma empresa, ela foi demitida por causa da pandemia. Disseram que a indústria e os clientes não estavam pagando. Outros também foram embora nessa leva”, conta a filha.
A mãe de Juliana era gerente de produção. Com ensino médio completo e aos 48 anos, ela trabalhou em áreas diferentes. Opção que a filha não gostaria de ter que escolher, mas se vê sem outra saída. “Vai chegar uma hora em que talvez vou ter que trabalhar fora da área que escolhi porque não dá pra ficar parada”, conta a jornalista. Ela se formou em julho e fazia estágio. Ao pegar o diploma, a empresa não deu oportunidade de efetivá-la no cargo.
“É meio desesperador. A gente sonha em ter emprego para a área que a gente quer pra vida”, diz a jovem. “Os boletos chegam. Eu mando currículo todo santo dia. Já cheguei a mandar 25 currículos em um único dia. Assessoria, marketing, reportagem. A gente escuta ‘vamos analisar e entraremos em contato’. Isso quando a gente recebe retorno”, lamenta.
Em janeiro de 2016, Edilaine Vieira Ferreira, de 53, perdeu o emprego e abriu um negócio próprio, mas a iniciativa durou pouco tempo. Em 2017, a empresa teve de fechar as portas. “As despesas eram bem maiores que a receita e achei melhor fechar antes de adquirir uma dívida”, conta. “É muito difícil ser empreendedora aqui no Brasil, a carga tributária é muito pesada. Quando você monta um negócio já dispõe de toda a sua verba, e até ter retorno demora.”
Desde então, Edilaine tem se desdobrado para conseguir renda e trabalhou como motorista de aplicativo. “Estou em busca de oportunidade no mercado, distribuindo currículo. Está muito difícil”, conta. Embora tenha formação de nível superior em gestão da qualidade e vasta experiência na área, ela acredita que a idade é um complicador durante os processos seletivos. “A experiência da gente não está contando. O mercado está procurando gente mais jovem.”
Mais contratações
Minas Gerais registrou saldo positivo de 28.339 postos formais de trabalho em agosto, segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgado ontem pelo Ministério da Economia. Esse é o terceiro mês consecutivo de resultado positivo na geração de vagas no estado, que ocupou a segunda posição no ranking dos estados com melhor performance, após São Paulo.
Em agosto, 106.822 empregos foram eliminados, enquanto as empresas abriram 135.161 empregos com registro. Nos três primeiros meses da pandemia, os saldos apurados pelo Caged no estado foram negativos.
Análise da notícia
Basta de discurso
No mercado formal de trabalho, o Brasil admitiu mais do que demitiu em agosto, mas as duas curvas seguem o mesmo movimento de elevação, o que dificulta a situação do país. Foram abertas 249.388 vagas com carteira assinada, como saldo entre 1.239.478 contratações e os 990.090 desligamentos. Analisados desde janeiro, os números mostram que houve mais dispensas do que admissões. As empresas eliminaram 10,030 milhões de empregos até agosto, e a abertura de vagas com registro parou em 9,180 milhões. Sem um plano vigoroso de recuperação da economia, não há como conter o avanço do desemprego e da desigualdade social. Governos são eleitos para pensar e adotar medidas criativas para os problemas que afetam a pouplação e não se acomodar com discursos sobre falta de recursos e efeitos de uma pandemia. Isso os mineiros e brasileiros sabem o que significa. (Marta Vieira)