No passado, ao longo de décadas, prosperaram no Brasil os caixeiros-viajantes, vendedores ambulantes, também chamados de mascates, que se deslocavam por diferentes lugares para oferecer seus produtos, que iam desde tecidos a joias.
O modelo é adotado pelo comerciante Jesualdo Matos Soares, dono de uma loja de móveis e eletrodomésticos, a Mega Móveis, em Januária, no Norte do estado.
No período mais severo do isolamento social, devido à chegada da pandemia, ainda em abril, quando as lojas físicas foram fechadas para impedir a propagação do vírus, ele decidiu tentar a sorte no atendimento externo como maneira de manter o negócio.
A ideia era apenas garantir algum movimento para “pagar os compromissos” e livrar o seu negócio de qualquer risco diante do quadro de incertezas e de uma eventual crise.
Mas o resultado foi além disso. Jesualdo não somente conseguiu pagar as despesas como também alavancou suas vendas, que cresceram mais de 20% no período mais crítico do isolamento social.
“Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé.” Jesualdo Soares explica que ao seguir essa máxima, treinou sua equipe de vendedores para o atendimento externo.
Uma preocupação foi o cumprimento das medidas de segurança para impedir a transmissão do coronavírus. A equipe de vendas sempre usa máscaras e, junto com o mostruário, leva o álcool em gel. Além disso, nas visitas, mantém distanciamento dos clientes.
Satisfeito com o resultado, o empresário anunciou que, mesmo com a reabertura da loja física em Januária, após 45 dias de fechamento, resolveu seguir com o antigo sistema porta a porta. Nesse sentido, ressalta que o desafio de encarar o isolamento social na pandemia acabou favorecendo o empreendimento.
“A pandemia fez que com a gente saísse da zona de conforto e abriu novas oportunidades de negócios”, afirma Jesualdo. “Enquanto todo mundo estava com as portas fechadas, nós continuávamos faturando”, completa o empreendedor, que sempre procura aprimorar sua atividade, participando de cursos de treinamentos oferecidos pelo Sebrae Minas na região. “Procuramos sempre melhorar, nos adaptando à nova realidade”, diz ele.
Colchões
Assim como ele, outros empreendedores mantiveram ou incrementaram o negócio durante o isolamento, indo até a casa do cliente. A estratégia é adotada por uma fábrica de colchões de Montes Claros, que também viu suas vendas aumentarem em plena pandemia.
Com o isolamento social, a indústria Orthomontes Colchões, de Montes Claros, que já trabalhava com as vendas porta a porta em praticamente todo o Norte Minas, reforçou sua estratégia durante a pandemia do coronavírus. Com isso, a empresa elevou as vendas em cerca de 30%, por meio das visitas domiciliares na região, sendo grande parte delas em comunidades rurais. As vendas são feitas a prestação.
O supervisor de vendas da Orthomontes, David Pereira Melo, ressalta que o porta a porta é um mecanismo da indústria de colchões, que tem 15 anos de presença no mercado, para divulgar a marca e impulsionar as vendas.
“Quando o vendedor visita o cliente, entra em sua casa e mostra o produto, a própria pessoa descobre a necessidade de ter aquele produto. As possibilidades de venda aumentam em 50%”, comenta David, lembrando que a empresa também comercializa móveis pelo mesmo sistema domiciliar.
Ele salienta que a empresa precisou tomar várias providências para que os vendedores pudessem visitar os clientes em suas casas sem levar os riscos de contaminação da COVID-19. “Além do uso de máscara e álcool em gel, os nossos vendedores são submetidos a treinamento constantemente.
As regras de distanciamento também são respeitadas”, observa David. O supervisor explica que os vendedores visitam as pessoas em diferentes pontos, até em locais isolados na zona rural, mas também usam telefone celular (WhatsApp) e computador para consultar o cadastro Serasa (de crediário), levando uma maquete do colchão.
Visita
O vendedor João Carlos Rocha, de 43 anos, um dos funcionários da indústria de colchões, relata que roda, em média, de 2 mil a 3 mil quilômetros por mês, visitando em torno de 30 a 40 casas por dia em cerca de 30 municípios. Ele comemora os bons resultados pós-isolamento social
“Com a pandemia, a gente achava que as vendas cairiam. Mas o que houve foi uma melhoria das vendas, que cresceram cerca de 30%, afirma.
Joao Carlos conta que o atendimento porta a porta cria uma integração entre os vendedores e os clientes visitados. “As pessoas da zona rural são simples e muito receptivas. Em toda casa nos oferecem um gole de café. Se a gente não tomar, o cliente fica insatisfeito”, descreve.
A reportagem acompanhou a visita de João Carlos na casa do aposentado José Fernandes, de 64, na localidade da Cabeceiras, na zona rural de Montes Claros.
“Eu acho muito interessante esse atendimento de porta em porta. Não é todo mundo da zona rural que tem como dirigir até uma loja na cidade para comprar alguma coisa”, afirmou Fernandes, que mora a 8 quilômetros da área urbana. Na visita, o vendedor adotou os cuidados, levando álcool e fazendo o uso de máscara. O aposentado também recebeu usando máscara.
Estratégia ampliada para filiais
Com o sucesso de vendas em Januária, onde está a matriz da Mega Móveis, o empresário Jesualdo Matos Soares, dono da loja de móveis e eletrodomésticos, decidiu levar a estratégia para as filiais de Jaíba e Buritizeiro, também no Norte de Minas.
O empresário conta que assim como a matriz em Januária, a filial de Jaíba também iniciou as vendas de porta em porta durante a pandemia. Ele disse que não começou o atendimento pelo mesmo sistema em Buritizeiro, até então, porque “não conseguiu treinar a equipe de vendedores” a tempo, mas que ainda vai adotar a mesma estratégia naquela cidade.
As compras feitas no sistema de visitas domiciliar são facilitadas para os fregueses, com pagamento em várias prestações. Mas, nada do cartão de crédito. O negócio funciona à base das antigas promissórias ou notinhas mesmo.
O lojista de Januária explica que as vendas em domi- cílio de sua empresa são feitas da seguinte forma: primeiro, ele e seus vendedores vão até as comunidades e, por meio de mostruários, oferecem os produtos.
Fechado o negócio, mediante o cadastramento do cliente (na verdade, uma ficha com os seus dados pessoais), o passo seguinte é a entrega da mercadoria, efetivada no prazo máximo de 10 dias.
Nos deslocamentos, que incluem a ida a localidades distantes até 70 quilômetros da área urbana, debaixo do forte calor da região, Jesualdo e seus vendedores levam uma verdadeira loja de departamento aos clientes da zona rural, por meio dos mostruários. O empresário comercializa cerca de 200 itens no atendimento porta a porta.
Entre os produtos oferecidos estão colchões (de diferentes modelos), geladeiras, móveis, armários, geladeiras, televisores e telefones celulares.
Ao recorrer às vendas de porta a porta como maneira de driblar as dificuldades surgidas na pandemia, o empresário de Januária voltou às origens.
Jesualdo, de 44 anos, relata que começou a ganhar a vida, em 2009, como vendedor ambulante, oferecendo roupas de enxovais (cama, mesa e banho) em um carrinho nos pequenos municípios e localidades rurais da região
Em 2011, abriu sua loja em Januária e, em 2013, incrementou o negócio com financiamento para capital de giro, que conseguiu junto ao Banco no Nordeste. Manteve o atendimento domiciliar, que foi interrompido em 2016. Ele inaugurou a primeira filial, em Jaíba, em 2014, e a segunda, em Buritizeiro, em 2019. Nas duas filiais, antes da pandemia, nunca tinha experimentado o porta a porta.
Dificuldades
Jesualdo e seus vendedores também enfrentam as barreiras de estradas de terra, em condições precárias, para ir até os clientes das comunidades rurais. Recentemente, conta que o caminhão de sua firma foi fazer a entrega de um móvel em uma localidade rural de Januária e ficou atolado em um banco de areia.
“O caminhão ficou uma noite no banco de areia e só saiu depois que foi arrastado por um trator, buscado a cinco quilômetros de distância”, informa o comerciante.
Weudes Aparecido Lima Souza, o Deide, de 34, um dos vendedores da equipe da Mega Móveis em Januária, afirma que não se importa com os percalços das estradas vicinais da região. Pelo contrário, ele demonstra contentamento por ir até os compradores.
“Pra gente, é muita satisfação ir até o cliente e verificar quais são suas necessidades. Isso é uma coisa muito prazerosa”, diz o vendedor.
Ele está mais satisfeito com as vendas em domicílio. “Com a pandemia, a gente não poderia ficar de braços cruzados. Já que os clientes não podem ir até a loja, que ficou fechada, fomos até eles. Graças a Deus, minhas vendas até surpreenderam e acho que elas subiram em torno de 40% com a venda de porta em porta”, assegura Weudes.
“Com a pandemia, as pessoas ficaram receosas de receber visitantes em suas casas por causa do medo da doença (COVID-19), Mas, fomos muito bem recebidos”, relata o vendedor, lembrando que sempre usa o kit preventivo (máscara e álcool em gel).