No momento em que contempla mais de 13 milhões de famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza, o programa, lançado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), está prestes a ser substituído por outro, de cobertura mais ampla, chamado Renda Cidadã, a ser financiado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Ao longo de todos esses anos, o PBF escreveu histórias de esperança e superação, ao mesmo tempo em que também se transformou em uma poderosa arma eleitoral.
Capaz de reduzir a pobreza em até 15% e a extrema pobreza em até 25%, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Bolsa-Família ganhou ainda mais relevância em meio à crise do novo coronavírus. O Cadastro Único do programa, por exemplo, foi usado pelo governo federal para organizar os pagamentos do auxílio emergencial — lançado para mitigar os efeitos da pandemia junto aos trabalhadores informais e desempregados.
É com os auxílios de complementação à renda que, atualmente, Poliana Menesio, de 35 anos, consegue manter os dois filhos e ela própria. Beneficiária do PBF desde 2013, Poliana começou recebendo R$ 289 por mês. Depois, o valor do seu benefício caiu para R$ 170, quando ela começou a trabalhar com carteira assinada.
No entanto, por estar desempregada desde 2016, o valor sofreu um novo reajuste e, desde então, passou a R$ 211. Segundo ela, a filha mais nova, Ana Júlia, de 4 anos, ainda não está contemplada pelo PBF. O valor é gasto com a alimentação e outras necessidades dos dois filhos — além de Ana Júlia, ela é mãe de João Lucas, de 7.
Poliana diz que encontra dificuldades para conseguir trabalho formal, pois, nas entrevistas, os empregadores questionam quem ficará com seus dois filhos no horário de expediente. “Eu até fiz várias entrevistas, mas há barreiras, porque, hoje, meus filhos dependem muito de mim. Além de eu ser mãe e pai, tenho de colocar alimento dentro de casa e lidar com a educação dos dois”, relata.
Assim como Poliana, 14,28 milhões de famílias estão cadastradas no PBF, o que corresponde, segundo o Ministério da Cidadania, a, aproximadamente, 43,6 milhões de pessoas. Em 2004, quando o programa virou lei, 6 milhões de famílias eram assistidas e, na década seguinte, o número mais que dobrou. Já em 2017 – ano em que 3,4 milhões de pessoas deixaram a situação de pobreza extrema e outras 3,2 milhões superaram a pobreza, por meio do PBF –, os beneficiários passavam de 13,3 milhões, de acordo com dados do Ipea.
No entanto, as filas para aderir ao programa são constantes. Em abril, o governo ampliou a verba do PBF, repassando R$ 3 bilhões adicionais para contemplar 1,2 milhão de famílias que estavam à espera do benefício. Mesmo assim, a demanda não consegue ser suprida e, em agosto, do total de 14,28 milhões de famílias cadastradas, foram efetivamente contempladas 13,6 milhões.
“O Bolsa-Família só pode atender ao número de famílias que seu orçamento comporta, por força legal. Em agosto, a folha de pagamento foi custeada, quase em sua totalidade, por recursos do auxílio emergencial. Foram destinados mais de R$ 15,1 bilhões para atender 13,6 milhões de famílias (de um total de 14,28 milhões de famílias)”, justifica o Ministério da Cidadania.
Abrangência
O governo federal afirma que 95% dos beneficiários do Bolsa-Família foram contemplados pelo auxílio emergencial e essa parcela da população está incluída na prorrogação do benefício emergencial. “Vale ressaltar que, após encerrar o prazo do auxílio emergencial, essas mesmas famílias continuarão no Bolsa-Família e vão receber por meio da folha de pagamento do programa, observando sempre a disponibilidade orçamentária”, afirma a pasta.
Enquanto o valor médio do Bolsa-Família gira em torno de R$ 190 por núcleo familiar, o auxílio emergencial começou com R$ 600, sendo que 58,6 milhões de pessoas receberam, pelo menos, alguma das cinco parcelas do benefício desde que o programa foi criado, em abril. Os valores acabaram reduzidos para R$ 300, bem como o número de beneficiados, e o pagamento vai até o fim do ano.
É por meio de um de seus balizadores, o Cadastro Único de Programas Sociais (plataforma que reúne as informações sobre as famílias brasileiras mais vulneráveis), que a prestação do auxílio emergencial conseguiu ser implementada durante a pandemia da COVID-19. O canal serve como porta de entrada para as famílias acessarem diversas políticas públicas, como a tarifa social de energia elétrica, o programa Minha casa, minha vida, a Bolsa Verde, entre outros.
* Estagiário sob supervisão de Andreia Castro
Herança disputada à direita
Com a classe política já de olho nas eleições gerais de 2022, a questão da renda básica voltou aos holofotes. A equipe econômica do governo ensaiou o lançamento do Renda Brasil, mas, ante a falta de consenso sobre as fontes de recursos, Bolsonaro foi a público declarar que havia desistido do programa. Entretanto, no dia seguinte, tratou de costurar com o Congresso uma saída para um novo programa que pudesse chamar de seu.
Assim, foi impulsionada a discussão, no Parlamento, do Renda Cidadã, “uma espécie de 2.0 do Bolsa-Família”, como descreve Marcelo Neri. Para ele, essa mudança se deve ao fato de que Bolsonaro precisa conquistar novos eleitores, além da sua base, composta, em grande parte, por pessoas contrárias a programas assistenciais do governo.
O fato é que a implementação do auxílio emergencial aumentou e melhorou a visibilidade de Bolsonaro e, por isso, a ideia é dar continuidade à assistência.
"O programa que está concebido como Renda Cidadã está no plano de governo do presidente Bolsonaro, então, não é este momento, este episódio político%u201D
Ricardo Barros, líder do governo na Câmara dos Deputados
Simulações feitas por economistas do BTG Pactual, dependendo do valor do benefício e do número de famílias atendidas, indicam que o custo desse programa poderá variar entre R$ 48,7 bilhões e R$ 78 bilhões. Para financiar o Renda Cidadã, propostas antes descartadas por Bolsonaro, como a desindexação de aposentadorias do salário mínimo, começam a ser cogitadas.
O programa ainda não tem data para ser apresentado, justamente por causa do impasse sobre como bancá-lo sem furar o teto de gastos — que limita as despesas à inflação do ano anterior. O anúncio deve ficar para depois das eleições municipais.
A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), acusou o presidente Jair Bolsonaro de fazer uso político do Bolsa-família. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), contesta. “O programa que está concebido como Renda Cidadã está no plano de governo do presidente Bolsonaro, então, não é este momento, este episódio político, nada disso; isso já estava lá no plano de governo, e ele foi eleito com essa proposta”, afirma o parlamentar. (BL, EP*, JV)