A Bolsa brasileira nunca viu tanto dinheiro estrangeiro como neste mês de novembro. O otimismo global provocado pela eleição de Joe Biden nos Estados Unidos e, principalmente, as boas notícias relacionadas ao avanço das vacinas contra a covid-19 levaram os investidores de fora a colocarem na B3, neste mês, R$ 30 bilhões, o maior valor desde 1995, quando esse dado começou a ser computado. O índice Ibovespa chegou ontem a uma alta de 18% no mês, um dos maiores crescimentos entre as principais Bolsas mundiais.
Nem a segunda onda da covid-19 e o retorno de países da Europa aos lockdowns reduziu o otimismo dos investidores. A leitura dos estrategistas tem sido a de que a vacina torna possível olhar para um horizonte mais longo, de cerca de seis meses, em que se espera que ao menos uma das diferentes imunizações que já se mostraram eficazes tenha sido aplicada em larga escala. Por isso, essa alta nas Bolsas tem sido espalhada em todo o mundo: em novembro, o principal índice da Bolsa do México sobe 13%. Na Coreia do Sul, o ganho é de 16%. Nos Estados Unidos, o S&P; 500, da Bolsa de Nova York, avança 11,3%.
"A alta nos casos da covid-19 nos EUA e na Europa deve pesar sobre os prospectos de crescimento global nos próximos dois ou três meses", comentaram, na semana passada, os estrategistas do Morgan Stanley. "À medida que nos aproximarmos do segundo trimestre de 2021, o efeito dos lockdowns em países desenvolvidos (sobre o contágio pela doença), temperaturas altas e o início da vacinação em massa devem contribuir para uma melhoria das perspectivas de crescimento global."
Essa retomada deve impulsionar a demanda e os preços de commodities como aço, minério de ferro e petróleo. Empresas como Vale e Petrobrás, que produzem esses insumos, têm grande peso na B3, e influenciam o movimento do mercado. Como acumulavam quedas expressivas no ano, com os bancos, viraram "alvo fácil" para os estrangeiros, que têm a vantagem de comprar em dólares ações negociadas em reais.
"O mês de novembro foi um dos melhores da Bolsa em dez anos, refletindo as expectativas em relação aos avanços das vacinas contra a covid-19 e o retorno das atividades econômicas", diz Igor Cavaca, analista da plataforma de investimentos Warren. Mas, apesar do resultado extremamente positivo deste mês, a Bolsa, no ano, ainda tem um saldo negativo de R$ 55 bilhões em investimentos estrangeiros.
No caso do outro fator que jogou a favor da Bolsa, o resultado da eleição americana, a avaliação é de que Biden, além de ser visto como mais amigável a países emergentes, é considerado um político mais previsível que seu antecessor. "Não é que com a vitória do Biden e os EUA serão menos duros com a China, mas há uma percepção de que terão uma postura menos desordenada, ao contrário do (atual presidente, Donald) Trump, que toma medidas de uma hora para a outra nas redes sociais", avalia Gilberto Nagai, responsável pela renda variável da BNP Paribas Asset Management. "Se isso for verdade, implicará mais crescimento para a China, o que será bom para as commodities."
Risco local
O otimismo, porém, não tornou o estrangeiro menos seletivo. A continuidade do retorno depende da melhoria das condições locais, especialmente nas contas públicas. Por conta dos gastos com a pandemia, o Brasil deve fechar o ano com dívida pública próxima a 100% do PIB, nível pouco confortável para países sem grau de investimento. "O investidor aloca em mercados emergentes e acaba pingando no Brasil. Isso não é mérito nosso", diz Marcos De Callis, estrategista da Hieron Patrimônio Familiar e Investimento. "Essa rotação (entre diferentes mercados) pode durar alguns meses. Só acho lamentável o Brasil não ter um diferencial."
É a falta desse diferencial que pode fazer com que esse dinheiro, que voltou rápido, também saia rápido. O que vai definir a permanência dos recursos são as sinalizações do governo em torno do ajuste fiscal. "Mesmo se o externo continuar favorável, o Brasil pode não surfar nessa onda se não houver avanço na agenda de reformas que priorizem o fiscal", diz De Callis.
O Brasil, porém, também terá uma missão importante em uma das frentes defendidas pelo novo presidente americano: a ambiental, que, na visão de analistas estrangeiros, espanta muitos investidores. "Biden vai cobrar algumas políticas do Brasil, como na área ambiental, colocando o presidente brasileiro na linha de frente. Vamos ver como Bolsonaro reagirá caso isso aconteça", diz Thomás Gibertoni, analista da Portofino Multi Family.
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