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Estado de Minas Comércio eletrônico

Fiéis ao balcão, até queijos e óculos migram para as vendas on-line

Para reverter prejuízos depois da pandemia, comércio baseado no atendimento presencial experimentou a internet pra manter a atividade com restrições


16/02/2021 04:00 - atualizado 16/02/2021 09:57

Fernando Cardoso, proprietário da rede Centro Visão, ativou site no início da pandemia, turbinou vendas pelas redes sociais e atendimento(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Fernando Cardoso, proprietário da rede Centro Visão, ativou site no início da pandemia, turbinou vendas pelas redes sociais e atendimento (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Exposto duramente aos impactos da pandemia do novo coronavírus, o comércio fechou portas e reduziu horários de atendimento para se adequar às restrições impostas pelas medidas de isolamento social, necessárias para conter a disseminação da COVID-19.

Apesar das dificuldades, o setor passou por um período de inovação, se reinventou e a venda on-line tornou-se uma espécie de estratégia salvadora para garantir a manutenção da atividade.

Até mesmo empreendedores de segmentos tradicionais do atendimento presencial, como as óticas e produtores do queijo artesanal de Minas Gerais, adotaram a forma virtual de fazer negócios.

 

Devido aos efeitos do coronavírus e ao recolhimento das pessoas em casa, mesmo aqueles comerciantes que não tinham intimidade com as novas tecnologias recorreram à internet, ao aplicativo WhatsApp e às redes sociais, seja o Facebook, seja o Instagram. Assim, asseguraram o caixa e preservaram empregos em vários setores.

 

Bem diferente dos antigos produtores do queijo do Serro, no Vale do Jequitinhonha, que se deslocavam por longas distâncias transportando a iguaria para fazer contato com a clientela e, então, vender a mercadoria, hoje, os empreendedores do ramo fazem seus negócios sem tirar os pés das propriedades, usando as redes sociais para atender clientes em vários estados, como Mato Grosso e Rondônia.

Diante das dificuldades criadas pelos efeitos da pandemia de coronavírus, a estratégia encontrada para não acumular prejuízos, com queda da demanda, foi a aposta no comércio digital, embora eles tivessem pouca intimidade com as novas tecnologias.

 

As vendas on-line foram alavancadas e garantiram não somente a manutenção da atividade, como ampliaram o mercado do queijo do Serro, cuja produção foi iniciada há quase 300 anos, no período colonial, e gera renda para mais de 800 produtores, sendo que a maioria deles conduz pequenas propriedades integradas à agricultura familiar e que dão continuidade ao ofício preservado por gerações.

 

Alyrio Ferreira Campos Júnior é um dos produtores artesanais de queijo do Serro que promoveram uma virada de rumo na atividade, a despeito da pandemia. Integrante da terceira geração de uma família produtora da famosa iguaria, ele conta que o negócio vinha muito bem, aguardando bons lucros em 2020, quando foi “atropelado” pela chegada repentina da crise provocada pelo coronavírus, em março do ano passado.

 

“O nosso negócio estava embalado. A gente estava cheio de ideias e projetos.Tinha toda uma programação, que foi por água abaixo”, diz Alyrio, citando a expectativa de incremento de vendas a partir da participação em várias feiras, que estavam previstas para o ano passado e foram suspensas. Houve prejuízo também com a suspensão da entrega nas lojas pelos revendedores.

 

Alyrio Júnior reinventou queijaria (foto: arquivo pessoal)
Alyrio Júnior reinventou queijaria (foto: arquivo pessoal)
Foi aí que surgiu a estratégia de vendas pelo sistema digital, uma “mão na roda”, pode-se dizer. “Como as lojas estavam fechadas, surgiu a oportunidade da venda on-line”, descreve Alyrio, lembrando que passou a fazer vendas diretas aos consumidores pelo whatsApp, Facebook e Instagram. 

 

O produtor conta que a freguesia cresceu. “Uma das melhores coisas que aconteceram na pandemia foi que abrimos o nosso mercado. Na prática, descobri um nicho de mercado, que antes não conhecia. Foi um achado.”

 

Sócio-diretor de uma rede de óticas sediada em Belo Horizonte, o Centro Visão, Fernando Cardoso, relata que antes do surgimento do coronavírus, em março de 2020, só vendia no sistema presencial, embora já tivesse um site em preparação. Com o fechamento das lojas físicas, devido ao isolamento social, já no primeiro mês da pandemia, em março de 2020, a empresa ativou o seu site, incrementou as vendas pelas redes sociais e o WhatsApp e ainda criou um sistema de atendimento domiciliar.

 

“A pandemia projetou várias possibilidades. Sairemos dela como uma empresa mais completa. Entramos com 20 lojas e hoje a gente tem 25 lojas”, afirma Fernando Cardoso. O empresário salienta que ao investir nas vendas a distância, a rede de óticas cresceu na capital. Houve também uma mudança comportamental dos consumidores na pandemia, diante do uso do avanço do e-commerce e das novas tecnologias.

 

“Há clientes que fazem a compra pelo site, mas querem buscar o produto na loja. Também há quem vá primeiro à loja física, experimenta os óculos, mas faz a compra pelo site”, relata. 

 

Recorde As vendas on-line tiveram crescimento de quase 50% no país no segundo semestre de 2020 e viraram uma tábua de salvação para os lojistas, obrigados a fechar suas portas por causa do isolamento social. O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte ( CDL/BH), Marcelo de Souza e Silva, destaca a importância de políticas de gestão como o delivery, encomenda personalizada e atendimento individualizado, ainda que virtual.

 

A CDL/BH lembra que as vendas digitais cresceram 47% no segundo semestre de 2020, maior crescimento alcançado em 20 anos. Apenas em outubro, o comércio digital teve expansão de 23% em relação ao mesmo período de 2019. No Natal de 2020, aos negócios on-line avançaram 45% na mesma base de comparação, movimentando mais de R$ 3 bilhões no país, segundo estudos da ACI Wordlwide, líder mundial de soluções eletrônicas e bancárias em tempo real.

 

Isabella Magalhães, gerente de lojas de roupas de artigos infantis, comemora aumento de vendas online(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Isabella Magalhães, gerente de lojas de roupas de artigos infantis, comemora aumento de vendas online (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
 

Bom relacionamento antecipou estratégia

 

De pequenos a grandes negócios se adaptaram às tecnologias de vendas digitais. Fabrícia Alves de Faria, sócia da revenda de roupas e artigos infantis Japinhas Baby, de Belo Horizonte, conta que, como outros lojistas, foi surpreendida com o fechamento do comércio em março de 2020, no primeiro mês da pandemia. “Foi um momento de surpresa e de grande desafio. Mas acredito que a gente teve rapidez em solucionar o problema das portas fechadas, iniciando as vendas on-line.

 

Comerciante Fabrícia Alves de Faria, da loja de roupas e artigos infantis, lembrou da época do Orkut e recorreu ao sistema online para incrementar as vendas(foto: Arquivo pessoal)
Comerciante Fabrícia Alves de Faria, da loja de roupas e artigos infantis, lembrou da época do Orkut e recorreu ao sistema online para incrementar as vendas (foto: Arquivo pessoal)
Fabrícia se recordou de uma rede social que tinha usado no passado e que não existe mais: o Orkut ( iniciado em 2004 e desativado em setembro de 2014). “Lembrei-me de que em 2010 eu usei o Orkut para iniciar as vendas on-line, comercializando três tênis. Quando houve o fechamento das lojas na pandemia, aplicamos o mesmo método através do Instagram e do WhatsApp”, recorda a empreendedora.

 

O sistema digital de vendas possibilitou grandes expansão, ao permitir faturamento de R$ 67 mil mensais por meio das redes sociais e o WhatsApp, frente aos R$ 5 mil por mês apurados com o sistema a distância antes da pandemia. A Japinhas Baby criou um catálogo dos seus produtos voltado para a divulgação em meios digitais. Além disso, o método proporciona toda a negociação entre vendedor e cliente de forma eletrônica. Fabrícia relata que o seu sucesso com o uso da “alternativa” on-line foi tão grande que repassou a experiência para outros lojistas, movida também pelo espírito da solidariedade.

 

O comerciante Altair Rezende, de 66 anos, dono de uma grande loja de brinquedos, a Brinkel, situada no Padre Eustáquio, em BH, afirma que durante quase três décadas de funcionamento (que serão completados em abril deste ano) o estabelecimento teve como foco as vendas presenciais. Na primeira vez em que o comércio não essencial ficou fechado, por 90 dias, Altair recorreu às vendas pelas redes sociais (Facebook e Instagram) e pelo WhatsApp. “Trabalhamos com muita garra e determinação, mantendo um bom atendimento”, afirma.

 

O empresário ressalta que as vendas a distância ajudaram a preservar os 13 empregados. Por outro lado, Altair salienta que, para sobreviver se valeu de outras ações, como a negociação do valor aluguel, reduzido em 50% durante a pandemia, e o uso de crédito emergencial do governo federal para o pagamento de parte dos salários dos funcionários.

 

Ivandinei de Souza Mangueira Cardoso, de 51, conhecida como Vanda Mangueira, é proprietária da loja de confecções Pollyanna Modas, que tem dois pontos em Montes Claros, no Norte de Minas Gerais. No mercado há 28 anos, Vanda sempre se dedicou ao comércio presencial, situação que mudou em março de 2020. Não por vontade própria, mas por uma questão de sobrevivência mesmo.

 

“Quando veio a pandemia, fui obrigada a fechar as lojas. Aí, comecei a trabalhar o (comércio) on-line, chamando nossos clientes pelas redes sociais e passei a vender pelo WhatsApp”, relata a empresária. Ela considera ter dado a volta por cima se aproveitando de uma política antiga de aproximação com os clientes. “Com a chegada da pandemia, quando o pessoal ficou em casa, esses laços se fortaleceram. Os próprios clientes passaram a nos procurar”, diz. Com a reabertura das lojas, as vendas pelo Instagram e o WhatsApp passaram a responder por 20% do total. (LR)

 

 

Produtores se lançaram às novidades

 

Túlio Madureira, ex-presidente da Associação dos Produtores Artesanais de Queijo do Serro (Apaqs), não tem dúvidas de que o comércio on-line foi importante para evitar que os agricultores fossem obrigados a interromper a produção e a entregar o leite in natura para a indústria dos laticínios. Isso resultaria na eliminação do valor agregado do leite. “Com as lojas fechadas na pandemia, os consumidores também encontraram uma maneira de comprar o queijo diretamente dos produtores pelo sistema on-line. Isso garantiu também a manutenção dos empregos das pessoas que trabalham na produção do queijo do serro”, observa.

 

Em junho de 2019, Madureira esteve na França, onde os queijos artesanais do Serro foram premiados no concurso Mundial Du Fromag, na cidade de Tour. O concurso é considerado a mais importante premiação no mundo.

 

Outro produtor de queijo do serro que passou aperto no começo da pandemia e superou os obstáculos com as vendas on-line foi Lindomar Santana dos Santos, de 51. “No início, foi muito complicado porque as lojas fecharam e a procura pelo produto caiu muito.”

 

Lindomar revela que em 2018 começou a usar as vendas on-line – por WhatsApp e Instagram. Com a chegada a pandemia, por necessidade, incrementou de vez o comércio virtual, ampliando sua lista de clientes. “Hoje, 95% das vendas do nosso queijo maturado são feitas pelo sistema on-line” diz ele, que tem clientes em todo o país. Além de atender o mercado de Minas, comercializa o produto no Rio de Janeiro, Espírito Santo, Santa Catarina, Mato Grosso e Rondônia.

 

A rigor, a nova estratégia de venda foi aprendida em cursos e palestras sobre vendas e marketing digitais. Alyrio Ferreira Júnior conta que passou pelo aprendizado com a crise do coronavirus. “Aprendi muito em 2020. Tivemos que nos adequar, reinventar e remanejar tudo”, afirma. O produtor também participou de um programa de capacitação promovida pelo Sebrae Minas, com o objetivo de dinamizar a produção e o comércio do queijo artesanal em tempos de pandemia. “Agora, vamos aprimorar o negócio e andar pra frente, se Deus quiser.”


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